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A TO III L UZES , P ALCO , A ÇÃO ! O S MODOS ÁVIDOS DE UM CARACOL SUBIR A UMA PAREDE COM NÓDOAS DE IDADE E CHUVAS :

& André Sarturi

A TO III L UZES , P ALCO , A ÇÃO ! O S MODOS ÁVIDOS DE UM CARACOL SUBIR A UMA PAREDE COM NÓDOAS DE IDADE E CHUVAS :

É

COMO VIAJAR À NASCENTE DOS INSETOS

.

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ANOEL DE

B

ARROS O Caracol quer ofertar uma oficina de teatro fugindo do engessamento e da tradicional aula “careta” para algo que possa ser revolucionário. Em sua casinha, guarda os livros que trazem ensinamentos de Michel Foucault: “A organização do espaço serial fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar” (FOUCAULT, 1987, p. 134). Recusando-se a ser mera máquina da inteligência cognitiva (Homo sapiens), o Caracol quer ser também o lúdico (Homo ludens), cujas relações interpessoais possam concretizar o teatro da subjetividade, da objetividade e da linguagem. Crítico e emancipado, o Caracol quer independência, autonomia, participação e desejos de mudanças. Afinal, ele já nasceu com casa própria!

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Muitas propostas pedagógicas desfilaram no jardim, mas em vez de serem flexíveis como a gosma do caracol, elas vieram no intuito de remodelar o velho sistema. Muitas escolas aderiram ao figurino, decorando seus jardins bastante controlados, como aquelas árvores cortadas em formas de figuras arredondadas ou até de bichos, porque o ser humano tem necessidade de controlar até a natureza. O desejo do Caracol é ir além do conhecimento, pois ele reconhece que existem muitos saberes, e que as ciências podem ser divertidas e gostosas. Estimulado por uma pedagogia mais inteligente, o Caracol quer construir seus conhecimentos com associação de suas próprias experiências. Inventa brincadeiras por meio de talentos e recursos disponíveis, dando asas à imagi- nação no reino da fantasia.

Para além do ser bom temporariamente, o Caracol prefere sonhar com o que ele possa vir a ser. Na criação teatral, proliferam afetos, talentos, reflexão e alegria como dimensões de poéticas pessoais. Houve tempo de seca, é bem verdade, de chão duro difícil de ser caminhado, com uma penosa aprendizagem. Era como se as ventanias quisessem despedaçar a casa do Caracol, e as chuvas obrigavam-no a ficar fechado em sua concha. Mas, como no universo na casca de noz de Hamlet, a poética shakespeariana possi- bilitou, também, a sua liberdade. Arrastando-se vagarosamente em ziguezagues, o Caracol encontrou seus colegas nos jardins de Epicuro. A solidão pode ser desejada, muitas vezes, mas não há nada melhor que um coletivo educador de convivência com a alegria, com a amorosidade e com boas doses de agitação. Assim, nasce uma curiosidade epistemológica, que, na linguagem simples do Caracol, consiste numa aventura intelectual que não seja tão difícil, mas essencialmente, “que estudar seja um dever revolucionário, talvez exigente, mas gostoso desde o começo” (FREIRE, 1995, p. 94).

Na educação do teatro, a subjetividade e a objetividade são duas linguagens em constante interação no ambiente. Mas não é a diretora ou o teatrólogo que deve mandar o tempo inteiro. Os desejos, emoções e poéticas de cada ator, e de cada atriz, são temperos essenciais nesta pedagogia da liberdade. Aqui, vale a proposta da poética pessoal do Caracol, que, interligada com o exterior, relaciona-se com a dinâmica da vivência coletiva num mundo de imersões, expressões corporais, liberdade de ação e altas doses de paixão. O ensaio é fundamental, mas a improvisação também favorece a criatividade, e não há nada melhor que repre- sentar uma peça com figurino consistente ao modelo de uma época. Peças clássicas são importantes, mas é preciso “dizer o que foi dito, e mesmo o que não foi dito de um modo nosso, imediato, direto, que responda aos modos de sentir e que todo mundo compreenda” (ARTAUD, 1999, p. 93). Precisamos de algo para ressoar dentro de nós, que reflita aquilo que somos e que dialogue com o mundo em que vivemos. E o mundo não o é, ele está sendo (FREIRE, 1995).

Em muitas escolas, temos crianças e adolescentes com diferentes ritmos de aprendizagens cognitivas. Suas linguagens, sejam escritas ou narradas, esbarram como uma dificuldade de expressão. A poética pessoal possibilita o uso da corporeidade, e nela as

idéias mentais podem ter novos arranjos espaciais, e a subjetividade de cada aprendiz possa também aliviar a dor de quem sofre por não ter aptidão de expressar seus sentimentos por vias comuns. É como se a leitura do mundo não fosse realizada apenas por uma tela plana, mas seus matizes possibilitassem uma expressão em três dimensões, pois a aprendizagem pode ser realizada por várias entradas. É uma obra de Auguste Rodin, mestre da escultura, cuja expressão opera no corpo dócil e hábil, moldada pela flexibilidade da gosma do Caracol, ainda que reserve a dureza de sua concha.

O Caracol necessita estar em contato consigo mesmo, mas tocando os outros e também o mundo que ele habita. Na poética pessoal, o Caracol está situado em seu universo, ele é, portanto, um sujeito historicamente situado, e é sujeito de sua construção. Os assuntos pessoais de cada membro desse coletivo necessitam, portanto, ser amarrados aos temas de interesse, seja clássico, mítico, tradicional ou contemporâneo, para que possamos colocar os assuntos pessoais em contato com o mundo. Os pequenos dramas individuais são, na verdade, inerentes a toda forma de vida e, portanto, diz respeito a todos. Simultaneamente, os assuntos noticiados pela mídia, ou comentados pelos colegas, também nos tocam, e, por conseguinte, precisamos dar um sentido a eles. Artaud, segundo Scheffler, não mergulha em sua insanidade para uma busca mítica meramente metafísica, mas busca o sujeito à realidade que o cerca. Precisamos ressignificar o diálogo entre aquilo que está fora de nós, mas que nos toca internamente. Esses sentimentos que se internalizam em nós, tocando o mundo, recebem o nome de Pesquisa Interna e Pesquisa Externa.

Na oficina proposta pelo Caracol, um dos meios encontrados para o teatro pedagógico é o uso de pequenos diários confec- cionados pelo elenco de estudantes. Nestes, os participantes das oficinas devem escrever seus pensamentos, registrar sonhos e lembrar situações vividas, ou temas relacionados com filmes, poemas, livros ou qualquer informação que se relacione com o ambiente. As narrativas emergidas nos cadernos serão utilizadas posteriormente como mote de invenção e também como interferência na encenação improvisada. O material escrito serve especialmente para que o elenco entre em contato com aquilo que é sua verdadeira demanda interna, e possa se diferenciar daquilo que é apenas o apelo de consumo. O Caracol sabe muito bem que o mercado quer vender filmes, roupas... É um mundo de coisas sem nenhuma necessidade real para os nossos educandos e nossas educandas.

Outro elemento fundamental é o estudo do espaço de oficina como local de improvisação e criação. O elenco deve procurar aquilo que em poéticas pessoais chamamos de “Espaços Significativos”, ou seja, os participantes devem encontrar no local onde ocorrem tais espaços e trabalhar com eles. Tais espaços devem ser escolhidos pelos participantes a partir de algum vínculo especial que existe entre eles e esse lugar. Deve-se reforçar que esses espaços têm uma história que está interligada à própria história do sujeito que o escolheu.

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O Caracol adora seu corpo, e sua proposta compreende que “nossa forma corporal é um poderoso símbolo emocional do nosso

self, como uma imagem mítica que pode nos ajudar a compreender nossos papéis e a multiplicidade de modos pelos quais nos

identificamos com eles” (KELEMAN, 2001, p. 31). Portanto, o Caracol não trabalha com preparação corporal do modo como normalmente se faz em oficinas de teatro, mas o trabalho corporal é feito como avaliação da subjetividade e das amarras que o impedem de fluir. Entendemos o corpo como nosso modo de estar no mundo, nosso mito pessoal orientado para agir no espaço. As interações entre indivíduo e grupo são feitas, então, a partir da apresentação de seus assuntos pessoais (extraídos dos exercícios corporais), e assim, unificam–se os que têm alguma relação. Em seguida, improvisa-se um pouco e, na seqüência, estudam-se textos de mitos, lendas, fábulas ou histórias que tenham alguma relação com tudo o que foi trabalhado. Ao final, unificam-se as histórias e todo o material coletado e parte-se então para a encenação. O sistema de jogos teatrais (SPOLIN, 1988) não é tão rígido, e as variações que daí possam advir são bem-vindas. O calcário da concha é poroso, e a moleza do corpo adora ser moldada pelos cristais líquidos da reinvenção cotidiana.

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IV - À G

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PÍLOGO

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QUE SOU DE PAREDE OS CARAMUJOS SAGRAM

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UMA PEDRADA DE MIM É O LIMBO

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OS MONTUROS DO POEMA OS URUBUS ME FARREIAM

. E

STRELA É QUE É O MEU PENACHO

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OU FUGA PARA FLAUTA E PEDRA DOCE

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POESIA ME DESBRAVA

.

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OM ÁGUAS ME ALINHAVO

.

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ANOEL DE

B

ARROS Uma das boas táticas da educação ambiental orienta-se pela metodologia participativa. Entre algumas associadas à educação ambiental, o Caracol escolheu a sociopoética como uma das táticas que se pauta em cinco principais dimensões (SATO et al, 2004): 1) A formação de um elenco, ou de um grupo de teatro, elevando a potência de uma aprendizagem coletiva num processo de

co-educação.

2) O reconhecimento de que cada tarefa teatral é importante e que cada sujeito exerce um papel diferenciado em suas funções, porém integrado ao conjunto de ações.

3) O uso do corpo inteiro para a aprendizagem transcendendo a mera racionalidade para acolhimento da sensação, imaginação, gestualidade e a construção de “confetos” – um espaço híbrido entre conceitos e afetos.

4) O uso das poéticas pessoais para que estimule a ultrapassagem do recalque, timidez ou dificuldade de comunicação formando a ciranda entre o intrínseco e o extrínseco.

5) A não necessidade de consensos ou sínteses únicas que possam fazer desaparecer as diferenças que incitam os pré-conceitos e a capacidade dialógica de lidar com campos de conflitos, na mediação pedagógica da aprendizagem coletiva.

O Caracol recomenda uma atividade que enfatize a importância do elenco, em vez do ator isolado. O palco possibilita múltiplos recortes, aproximados e divorciados num arco-íris de linguagens, sejam escolarizadas, sejam populares. O elenco é um filósofo coletivo situado em linhas de simplicidade ou complexidade; de fragmentos e de mosaicos; de duras realidades, mas também de sonhos mágicos de esperanças. A linguagem sociopoética quer que a aprendizagem seja prazerosa, embora estudar possa ser um ato político difícil. Assumindo os conflitos, promove a capacidade inventiva de criar meios para que a relação sociedade-natureza seja mais ética.

Nosso Caracol reconhece que somos seres incompletos, o que nos possibilita estarmos abertos para criar novas situações, e nosso corpo faz curvas nas flores. Seu mundo é constituído por significados e mistérios e seu vir-a-ser jamais obedece somente à razão instrumental: assemelha-se mais à loucura e extravagância (BAVCAR, 2005). Ele é surrealista e é cheio de vazios para ofer- tar a exigência educativa na perspectiva poética, mítica e expressiva, afinal, “pode um homem enriquecer a natureza com sua incompletude?” (BARROS, 1990, p. 56).