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DISCIPLINAR PELA AMPLITUDE E DIVERSIDADE DE CONTEÚDOS E DE SABERES QUE PRESSUPÕE INTEGRAR

A transversalidade da questão ambiental é justificada pelo fato de que seus conteúdos, de caráter tanto conceituais (conceitos, fatos e princípios), como procedimentais (relacionados com os processos de produção e de ressignificação dos conhecimentos), e também atitudinais (valores, normas e atitudes), formam campos com determinadas características em comum: não estão configu- rados como áreas ou disciplinas; podem ser abordados a partir de uma multiplicidade de áreas; estão ligados ao conhecimento adquirido por meio da experiência, com repercussão direta na vida cotidiana; envolvem fundamentalmente procedimentos e atitudes, cuja assimilação deve ser observada a longo prazo.

As características apresentadas nos ajudam a vislumbrar mais claramente a dificuldade de pensar uma disciplina no currículo, ainda mais pela importância central que assumem os conteúdos procedimentais e atitudinais, retirando a centralidade da questão dos conteúdos conceituais. Se concordamos com isso, verificamos que a possibilidade de atuação docente se amplia, pois independente da sua própria disciplina, ele(ela) passa a pensar de maneira mais ampla, integrada e sistêmica a escola e a vida nela, em torno dela e para além dela. Admitir essa possibilidade reforça ainda mais a responsabilidade que cada educador e cada educadora deve assumir na formação ambiental de estudantes e de toda a comunidade escolar. Rever procedimentos e atitudes implicaria rever estratégias pedagógicas – qualquer que seja a disciplina –, optando por aquelas que favorecem o desenvolvimento de valores como a cooperação, a solidariedade, o respeito, a valorização da democracia nas relações professor(a)–estudante, entre outras abordagens.

Um aspecto interessante para pensarmos é o fato de que entre os docentes que hoje se dedicam à educação ambiental escolar, a maioria tem formação inicial em ciências biológicas, com uma perspectiva de educação ambiental em que o conteúdo ecológico é bastante marcante. Entre os educadores e educadoras ambientais que atuam fora da escola, ligados(as) ao movimento ambien- talista, essa predominância ou não existe mais, ou é menos marcada. Além disso, a própria participação no movimento social abre a perspectiva não-disciplinar ou transdisciplinar, marcada por uma prática de educação ambiental de cunho mais político e crítico. Portanto, é cada vez mais difundida uma visão da multidimensionalidade da questão ambiental e da complexidade que envolve a ação ambiental.

Uma outra questão prioritária e que também é recorrente é relativa aos conteúdos conceituais essenciais para a educação ambiental. Responder a essa pergunta envolve sempre um enorme risco, dada a quase impossibilidade de delimitar onde começa e onde termina esse complexo campo da vida e do conhecimento contemporâneo. Poderíamos tentar indicar alguns (conhecimentos ambientais básicos provenientes das áreas de ecologia, economia, urbanismo, geografia, história, filosofia, sociologia etc.) funda- mentos teórico-práticos da educação: pedagogia, psicologia, didática, avaliação da aprendizagem, estratégias pedagógicas alter- nativas, como estudo do meio, dinâmica de grupos, trabalhos de campo, técnicas de expressão e comunicação etc. Mas, invaria- velmente, surge sempre a lembrança da necessidade de incluir mais uma área ou disciplina, ou ainda um outro tipo de saber.

A lista infindável de saberes e de conhecimentos requeridos ou passíveis de serem utilizados, acessados ou produzidos, nos leva a pensar que trabalhar na perspectiva da integração de conhecimentos entre áreas, com base na ação de diferentes profissionais, seja mais rico e viável do que pensar a formação de professoras e professores que tivessem domínio amplo dessa temática e dessa abordagem, extremamente complexa, cuja compreensão só pode ser aprofundada através do olhar integrado e solidário para um mesmo tema ou problema. Revela-se quase impossível, portanto, definir um campo bem delimitado dos conteúdos conceituais necessários para a compreensão da dimensão ambiental que pudessem estar reunidos sob a forma de uma disciplina escolar.

Desde a famosa Conferência de Educação Ambiental realizada em Tbilisi, em 1977, já se difundia a opinião de que a educação ambiental não deveria ser uma disciplina no currículo escolar, mas no corpo do documento gerado nessa importante reunião, não há muitas referências mais sobre a interdisciplinaridade. Apesar de haver um alto grau de concordância com essa perspectiva, a prática nos mostra que é mais fácil aproximar conceitos, idéias e informações sobre meio ambiente do que propriamente transformar a prática pedagógica e a forma de educar e de pensar/atuar (n)o mundo. Em outras palavras, temos ainda muito a pensar, criar e ousar no campo instigante da educação ambiental.

QUESTÕES EM ABERTO

Uma primeira questão que gostaria de provocar é referente à responsabilidade pelo processo de ambientalização da escola e das comunidades envolvidas: a quem compete educar para sociedades sustentáveis? Não se trata de uma questão relativa somente ao domínio de um determinado conteúdo, mas da formação integral de estudantes – visões de mundo, cultura, valores éticos e estéticos, pensamento crítico, empoderamento para a ação transformadora e emancipação são passíveis de serem abordados em diferentes espaços de produção de saber e de formação.

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No âmbito da formação profissional, é preciso distinguir a especificidade da formação de professores. É preciso então pensar na instrumentalização do professor na sua construção individual/coletiva de um saber ambiental que seja suficiente para pautar suas ações educativas e socioambientais tanto em direção à transformação das realidades consideradas desfavoráveis à sustentabilidade ambiental e à qualidade de vida e ambiental como um todo, como da valorização das práticas sustentáveis existentes.

Será que as propostas de inserir a educação ambiental na forma de projetos interdisciplinares e integradores, envolvendo tanto a comunidade escolar como outros segmentos ou setores da comunidade, provocaria o engajamento de todos os professores e professoras no tratamento das questões ambientais nas suas disciplinas específicas? Pode ser que sim. Quando projetos dessa natureza são implementados na escola, ainda que por um pequeno grupo de professores, abre-se um caminho para pensar a inserção da dimensão ambiental na escola! A sistematização de experiências desse tipo pode permitir uma avaliação crítica e a indicação de novos caminhos a percorrer ou trilhas a serem novamente percorridas.

Poderíamos também nos perguntar: estaria minimamente garantida a possibilidade de formação ambiental dos estudantes envolvidos na experiência? Também acredito que sim. Ainda que nem todos os professores e professoras participem dessas iniciativas, algumas experiências, mesmo quando restritas, contribuem para fazer a diferença!

A sensação que temos é de que nos encontramos numa situação intermediária, em suspenso, entre esperar que a dimensão seja incorporada ou ressignificada nas práticas pedagógicas, mas com poucas ações efetivas que favoreçam e possibilitem essa mudança, seja na estruturação do currículo, no funcionamento da escola, ou na formação inicial e continuada de professores(as) e a possibilidade efetiva de elaboração e implementação de projetos integrados cujos diferentes ensaios de como inserir a educação ambiental na escola pudessem ser feitos e avaliados.

Nas escolas secundárias espanholas, além da manutenção da temática ambiental como um eixo transversal, a educação ambiental foi instituída como uma disciplina optativa. Essa iniciativa representa um esforço para assegurar a presença da educação ambiental pelas duas vias, o que também expressa a existência de dúvidas sobre a efetividade de sua aplicação por meio da transversalidade e da interdisciplinaridade (GARCIA-GOMEZ, 2000).

Explicitados alguns dos obstáculos à ambientalização da escola e da sociedade, vemos que a inserção da dimensão ambiental é obrigatória e considerada crucial, mas a escola, o currículo e o modo de ensinar pouco mudaram; os cursos de formação profis- sional mudam timidamente, e as políticas públicas visando a inserção da educação ambiental são ainda limitadas diante da

dificuldade de atingir a enorme diversidade de contextos da escola brasileira, a despeito da expansão acelerada da inserção da educação ambiental nas escolas, conforme demonstrado no censo escolar de 2001 a 2004 (veja VEIGA et al., 2005). No entanto, a esperança na prática da interdisciplinaridade e, para além dela, na perspectiva transversal e transdisciplinar da educação como saída para a integração das disciplinas, de seus conteúdos e outros saberes, assim como para desafiar as estruturas de poder na escola permanece sendo alimentada.

De qualquer maneira, precisamos investigar e refletir mais sobre o caráter das iniciativas que vêm sendo implementadas nas escolas brasileiras, o que poderá trazer ainda mais luz e inspiração para pensarmos estratégias de ambientalização da escola e da sociedade. Cabe a nós, também, trabalhar para que as iniciativas no campo das políticas públicas, comprometidas com a implementação das mudanças necessárias na formação inicial e continuada de professores e professoras e da introdução de inovação nos currículos escolares, possam ser aceleradas para valorizar e manter as experiências bem-sucedidas em curso, reali- zadas com criatividade e perseverança por muitas professoras e professores em muitos cantos do Brasil.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRACALANZA, H. As pesquisas sobre educação ambiental no Brasil e as escolas: alguns comentários preliminares. In: TAGLIEBER, J. E.; GUERRA, A. F. S. (Org.) Pesquisa em educação ambiental: pensamentos e reflexões; I Colóquio de Pesquisadores em Educação Ambiental. Pelotas: Ed. Universitária, UFPel, 2004. p. 55-77.

GARCIA-GOMEZ, J. Modelo, realidad y posibilidades de la transversalidad: el caso de Valencia, España. Tópicos en Educación

Ambiental, México: v. 2, n. 6, p. 53-62, 2000.

LOMELÍ, M. O. C.; RAMÓN, A. L. B. La incorporación de la dimensión ambiental en la educación básica en Tabasco, 1995-1999.

Tópicos en Educación Ambiental, México: v. 1, n. 3, p. 67-73, 1999.

VEIGA, A; AMORIM, E; BLANCO, M. Um retrato da presença da educação ambiental no ensino fundamental brasileiro: o per- curso de um processo acelerado de expansão. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005. Disponível em: <http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/{8A3C33D7-1773-4DA7-BB36-4F5377F280AB}_MIOLO_TEXTO% 20DISCUSSÃO%2021.pdf>.

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PARA SABER MAIS

ANDRADE, D. F. Implementação da educação ambiental em escolas: uma reflexão. Revista

Eletrônica Mestrado em Educação Ambiental. Rio Grande: v. 4, out./dez., 2000. Disponível em:

<http://www.sf.dfis.furg.br/mea/remea/vol4/daniel.htm>.

FERRARO JUNIOR, L. A. (Org.) Encontros e caminhos: formação de educadores(as) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação Ambiental, 2005. 358 p. Dispo- nível em: <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/og/pog/arqs/encontros.pdf>.

GALLO, S. Transversalidade e educação: pensando uma educação não-disciplinar. In: ALVES, N.; GARCIA, R.L. O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP & A, 1999. p. 17-41.

MACHADO, N. J. Conhecimento como rede: a metáfora como paradigma e como processo. In: _____. Epistemologia e didática: as concepções de conhecimento e inteligência e a prática docente. São Paulo: Cortez, 1995. p. 117-176.

TRISTÃO, M. As dimensões e os desafios da educação ambiental na sociedade do conhecimento. In: RUSCHEINSKY, A. (Org.).

Educação ambiental: abordagens múltiplas. Porto Alegre: Artmed, 2002. p. 169-183.

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