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Paulo Blikstein

T RÊS EXEMPLOS DE TECNOLOGIAS PARA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Simulações e modelamento por computador: o software NetLogo

“Logo” é uma linguagem de programação para crianças, criada nas décadas de 1960 e 1970 por Seymour Papert, do

Massachusetts Institute of Technology (MIT). Papert teve uma idéia revolucionária: criar uma linguagem para que crianças programem

o computador e não sejam programadas por ele. No ambiente Logo, as crianças escrevem programas para controlar uma peque- na tartaruga na tela do computador construindo modelos matemáticos, manipulando dados ou criando trabalhos artísticos.

No início da década de 1990, Uri Wilensky e Mitchel Resnick, alunos de Papert, tiveram a idéia de expandir a linguagem Logo para que se pudesse manipular não apenas umas poucas tartarugas, mas milhares delas. Nasciam o StarLogo e o NetLogo. Esse último evoluiu muito nos últimos anos e é hoje um software completo de simulação e modelamento científico, cujo desenvolvi- mento é coordenado pelo Prof. Wilensky na Northwestern University, em Chicago (EUA).

Mas qual a vantagem de controlar milhares de “tartarugas” no computador? A principal é que, em vez de usar fórmulas com- plicadas para entender os fenômenos naturais, no ambiente NetLogo os alunos podem atribuir comportamentos simples a cada

uma das “tartarugas” e deixá-las interagir durante a simulação. Vejamos, por exemplo, a aplicação disso no estudo de química. Em vez de decorar as complicadas equações que descrevem as reações químicas, os alunos podem se concentrar em algo muito mais simples: o comportamento microscópico de cada molécula. Mas como isso é possível? Basta estabelecer que cada “tartaruga” na tela do computador será uma molécula, e programar dois comportamentos bastante simples: (1) as moléculas se movem até encontrar algum obstáculo; (2) se duas moléculas se chocam, elas se combinam e formam uma outra molécula. Incrivelmente, essa simples formulação reproduz o resultado previsto pelas equações.

Outro exemplo é a dinâmica de populações. Muitos alunos têm dificuldade em entender como populações de diferentes espécies podem, ao mesmo tempo, variar em tamanho e continuar em equilíbrio; ou como pequenas variações populacionais podem ter conseqüências catastróficas para um ecossistema. Fica mais fácil entender a dinâmica desses processos construindo um modelo computacional. Nesse caso, precisaríamos criar três entidades na tela do computador (lobos, carneiros e vegetação) e apenas três regras simples: “lobo come carneiro”, “carneiro come vegetação”, e “vegetação se regenera” (de acordo com uma taxa determi- nada pelo usuário). Essas seriam as regras locais do sistema, muito mais fáceis de serem entendidas do que as regras globais ou fórmulas complicadas. Na Figura 1 (esq.), temos um resultado típico: no gráfico, vemos que o tamanho das populações oscila, mas elas continuam em equilibro relativo. Mudando a taxa de regeneração da vegetação, as quantidades de lobos e carneiros, ou sua taxa de reprodução, os alunos podem experimentar uma infinidade de cenários e daí tirar conclusões esclarecedoras sobre a fragilidade e a não-linearidade do equilíbrio entre as espécies. Na Figura 1 (dir.), vemos outro exemplo: nesse caso, trata-se do efeito da água pluvial na erosão de um terreno, a partir de dados reais de uma cadeia montanhosa.

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Mapeamento de informações geográficas: o MyWorld

O MyWorld (Meu Mundo) é atualmente o mais completo software de georreferenciamento para uso educacional. Com ele, os alunos podem acessar mapas e bases de dados georreferenciadas do mundo todo e fazer uma infinidade de estudos. Mas, antes de dar exemplos, vamos entender o que é uma base de dados georreferenciada. Imagine, por exemplo, uma tabela com a população de cada cidade brasileira. Se adicionarmos a cada linha da tabela as coordenadas (latitude e longitude) das cidades, temos uma tabela georreferenciada, ou seja, cada dado atrelado às suas respectivas coordenadas geográficas. A grande vantagem é a geração automática de mapas. Com isso, os alunos podem analisar e cruzar informações de forma visual. Imagine o leitor, por exemplo, que queiramos estudar a relação entre a qualidade do solo e a mortalidade infantil, para entender os efeitos econômicos das secas no semi-árido brasileiro. Com o MyWorld, podemos sobrepor o mapa da mortalidade infantil com a pluviometria e a composição do solo; com um código de cores adequado, podemos facilmente identificar as áreas mais críticas. Softwares de mapeamento georreferenciado permitem que os alunos superponham camadas de dados e estudem suas inter-relações de forma visual e simples.

Figura 2 – Tela do MyWorld

Além do MyWorld, há uma série de softwares similares, como o Quantum GIS, o TerraView (traduzido para o português), ou mesmo o Google Earth, que permite que se adicione uma camada de dados personalizada a seus mapas de satélite.

Figura 3 – O TerraView, para mapeamento georreferenciado, e o Google Earth, mostrando o Grand Canyon

Coleta de dados ambientais: a placa Gogo

O terceiro e último exemplo que iremos abordar é a coleta eletrônica de dados. A palavra “eletrônica” deve assustar muitos educadores – afinal, equipamentos eletrônicos são normalmente muito caros para as escolas. A placa Gogo, porém, é uma alternativa de código aberto e baixo custo em relação aos equipamentos de coleta de dados comerciais. Como é de código aberto, a placa pode ser montada na própria escola por alunos e professores.

Diversas escolas no Brasil já usam a placa para pesquisar a qualidade da água e do solo, ou os ciclos de temperatura e a umi- dade do ar ao longo do dia (ver o projeto A Cidade que a Gente Quer). Muitas vezes, a placa é deixada durante dias inteiros coletando dados. Depois, os alunos passam as informações para o computador e criam gráficos e modelos para entender o comportamento do fenômeno e as possíveis formas de intervenção. Vale mencionar, também, o projeto Globe, da Nasa, com uma idéia semelhante: em mais de cem países, alunos trabalham na coleta de dados geográficos de todo tipo, e depois os enviam a um servidor central que faz o mapeamento mundial.

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CONCLUSÃO

Vimos neste texto que o uso das tecnologias deve sempre estar apoiado em princípios pedagógicos coerentes. Não adianta fes- tejar a liberdade da internet, ao mesmo tempo impor um regime autoritário na sala de aula. Daí a importância de ferramentas de publicação descentralizada e democrática, como os blogs ou wikis. Mas a publicação na internet não é tudo: é fundamental que o conteúdo tenha qualidade. Sugerimos, então, três tipos de tecnologias com grande potencial para gerar investigações originais e cientificamente sólidas: modelamento por computador, mapeamento eletrônico, e coleta automatizada de dados ambientais.

Livre das amarras dos currículos tradicionais, a educação ambiental encontra-se na privilegiada situação de poder reinventar-se frente às novas tecnologias. Curiosa ironia: o ambientalismo, que já reinventou a cidadania, a utopia e os movimentos sociais, agora, quem sabe?, reinventará a escola.

PARA SABER MAIS

ABRAHAMSON, D. Professor Dor Abrahamson. Berkley: UC Berkeley, s.d. Disponível em: <http://edrl.berkeley.edu/~dor>. BLIKSTEIN, P. Paulo Blikstein. Disponível em: <http://www.blikstein.com/paulo>.

CENTER FOR CONNECTED LEARNING. NetLogo. Disponível em: <http://ccl.northwestern.edu>. Artigos, projetos e download gra- tuito do software

FUTURE OF LEARNING. Placa GoGo. Disponível em: <http://www.gogoboard.org>. Projetos, artigos e instruções de montagem. GEOGRAPHIC DATA IN EDUCATION. MyWorld. Disponível em: <http://www.worldwatcher. northwestern.edu>. Artigos e versão gratuita por 45 dias

MICHIGAN STATE UNIVERSITY. Professor Andy Anderson’s homepage. Disponível em: <http://www.msu.edu/~andya>. PAPERT, S. Works by Professor Seymour Papert. Disponível em: <http://www.papert.org>.

QUANTUM GIS. Disponível em: <http://qgis.org>. Alternativa gratuita ao MyWorld.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação et al. Projeto A Cidade Que a Gente Quer. São Paulo: Secretaria Municipal de Educação, Massachussets Institute of Technology, Laboratório de Sistemas Integráveis da Escola Politécnica da USP, Agência Estado, 2002. Disponível em: <http://www.blikstein.com/smesp> e em <http://cidade.estadao.com.br>.

Artigos, exemplos de projetos, fotos.

TERRA VIEW. Projeto Terra View. Disponível em: <http://www.dpi.inpe.br/terraview>. Alternativa gratuita ao MyWorld.

UNITED STATES OF AMERICA. Department of State et al. The Globe Program. Disponível em: <http://www.globe.gov>. Artigos, mapas, material de suporte e experimentos.

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