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CAPÍTULO II- O Amor

1. Os quatro tipos de amor

1.3. Éros – amor-romântico

Éros na língua grega significa amor-romântico. Mas é também o nome de um deus

grego, o deus do amor. Certamente será por esse motivo que no Novo Testamento não existe essa palavra, embora haja passagens em que se fale no amor-romântico. Faz todo o sentido

49 Ibidem.

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que se tivesse o cuidado de não usar termos que poderiam lembrar divindades pagãs e se preferisse usar um termo menos usado (ágape). Como afirma Bento XVI:

“Diga-se desde já que o Antigo Testamento grego usa só duas vezes a palavra éros, enquanto o Novo Testamento nunca a usa: das três palavras gregas relacionadas com o amor – éros, philia (amor de amizade) e ágape – os escritos neo-testamentários priveligiam a última, que, na linguagem grega, era quase posta de lado.”51

O amor-romântico é o que se designa quando alguém se encontra amando um “tu” ou ainda aquilo que os amantes nutrem um pelo outro. Neste amor, há sempre, uma fase inicial em que ainda não se pode falar em amor – romântico, mas de uma atração despertada por certas qualidades ou aparentes qualidades que o outro tem ou parece ter. Consoante se vai conhecendo mais esse “tu”, ou o atraído se sente cada vez mais interessado, por verificar que têm afinidades ou, pelo contrário, essa atração desvanece-se rapidamente. Em suma: há mais atrações do que amores-românticos. Todos os amores-românticos passam por esta fase de atração, mas nem todas as atrações levam a um amor-romântico. Quando a atração inicial passa para uma fase posterior, significa que a atração inicial se intensificou, passou por um primeiro crivo e se transformou num amor-romântico onde prevalece o deslumbramento pelo ser amado. Alan Soble afirma que no amor-romântico o sujeito amante apaixona-se por dois motivos: ou devido a fatores externos como a beleza, ou devido a fatores internos como a inteligência e/ou os valores éticos que estão em sintonia com o amante. Se se tratar deste último fator, trata-se, segundo o autor, de um amor superior e, consequentemente, mais provável de ser duradoiro e constante. Pode ainda haver uma mistura de todos esses elementos. Ou seja, o amante pode amar o outro pela sua beleza e também pela sua inteligência e valores éticos. Sempre que o amor partir de fatores internos ou que estes também estejam presentes, pode-se esperar mais, facilmente, que haja atitudes efetivas desse amor genuíno, como a preocupação pelo bem-estar da pessoa amada de forma totalmente desinteressada. 52

O amor-romântico existe quando há uma admiração, uma contemplação e um cuidado pelo outro. É um estado em que existe desejo pela pessoa amada, mas sem uma conotação sexual, pelo menos, não num primeiro momento. Como refere Clive Staples Lewis:

51 PAPA BENTO XVI, Deus caritas est, 3.

52 Cf. SOBLE, Alan, ed., Eros, Agape and Philia, Readings in the Philosophy of Love, Paragon House, New

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“Geralmente, o que acontece primeiro é simplesmente uma deliciosa preocupação pela amada – uma preocupação geral e inespecífica, por ela na sua totalidade. O homem nestas condições na verdade não tem tempo para pensar em sexo, pois está muito ocupado pensando numa pessoa. O facto dela ser uma mulher é muito menos importante do que ser ela mesma. Ele está cheio de desejo, embora possa não ter uma conotação sexual. Se alguém lhe pergunta o que quer, a sua verdadeira resposta costuma ser: "Continuar a pensar nela". É o amor contemplativo. E quando mais tarde desperta o desejo explicitamente sexual, não vai sentir (a não ser que teorias científicas estejam a influenciá-lo) que desde o princípio foi essa a razão de tudo.” 53

A conotação sexual existirá numa fase posterior, mas sempre associado e inserido à primeira fase de deslumbramento e de amor pelo outro. Aliás, só assim este amor-erótico também poderá ser entendido como amor-romântico. Caso contrário, em vez, de se valorizar o amor-romântico, valorizar-se-á esse lado mais sexual, o que poderá levar a uma visão e vivências erradas desse erotismo. É nesse âmbito que, muitas vezes, éros tem uma conotação negativa, porque é associado a algo físico sem sentimento, desligado do amor. “O desejo sexual sem Éros, deseja a coisa em si; Éros deseja a amada.”54 O amor-erótico não deverá ser venerado, caso contrário será uma ação vazia e sem sentido, que apenas trará escassos momentos de prazer e em que o indivíduo, enquanto ser, perderá a sua dignidade. Como salienta Bento XVI:

“O éros degradado a puro “sexo” torna-se mercadoria, torna-se simplesmente uma “coisa” que se pode comprar e vender, antes, o próprio homem torna-se mercadoria. Na realidade, para o homem, isto não constitui propriamente uma grande afirmação do seu corpo. Pelo contrário, agora considera o corpo e a sexualidade como a parte meramente material de si mesmo a usar e explorar com proveito.”55

Isso não significa que essa dimensão erótica não seja importante no amor-romântico. Pelo contrário, essa dimensão deve fazer parte. Além de ser uma demonstração desse amor pela pessoa amada é também a forma de dar continuidade à existência humana. Mas essa dimensão só inserida numa verdadeira relação de amor poderá trazer felicidade, porque terá toda uma estrutura que a envolve.

53 LEWIS, Clive Staples, Los Cuatro Amores, p. 105. 54 Ibidem, p. 106.

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“a fé cristã sempre considerou o homem como um ser uni-dual, em que o espírito e matéria se compenetram mutuamente, experimentando ambos precisamente desta forma uma nova nobreza. Sim, o éros quer-nos elevar “em êxtase” para o Divino, conduzir-nos para além de nós próprios, mas por isso mesmo requer um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos.”56

O percurso de “ascese” e “purificação” do amor – romântico encontra-se na procura, conhecimento e cuidado da pessoa amada. Há uma preocupação pelo outro mais do que consigo mesmo, como refere Bento XVI:

“Concretamente como se deve configurar este caminho de ascese e purificação? Como deve ser vivido o amor, para que se realize plenamente a sua promessa humana e divina? […] Agora o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o.”57

O amor – romântico tem uma dimensão mais ampla que o erotismo a ele associado. Trata-se de um amor em que o amante se centra na pessoa amada, tendo-a constantemente no pensamento e elevando-a a um patamar superior ao seu. Deste modo, trata-se de um amor com uma dimensão altruísta.