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3. A ÉTICA AMBIENTAL, A BIOÉTICA E A GEOÉTICA

3.1. A Ética Ambiental

Vimos como as abordagens de natureza ética não parecem ser sentidas como fundamentais por parte de muitos professores de Ciências. Toda- via, a centralidade das questões éticas acentuou -se com a presente crise ambiental, que, embora desencadeada pela dinâmica tecnológica desen- volvida no decurso da Revolução Industrial iniciada no Reino Unido no século XVIII, se agudizou na última metade do século XX.

Sem pretendermos apagar os benefícios que a referida revolução trouxe à Humanidade, a intensificação dos problemas ambientais cons- tituiu igualmente uma realidade. A complexidade destes problemas con- duziu à possibilidade real da extinção da espécie humana ou, talvez mais grave, à sua sobrevivência sem que princípios básicos de dignidade se verifiquem.

Assim, a crescente gravidade de alguns dos problemas ambientais fez recolocar a reflexão acerca do impacto do desenvolvimento tecnológico

no domínio da ética, colocando o imenso desafio de refletir acerca dos deveres da espécie humana para consigo mesma, numa perspetiva tem- poral que obriga a pensar nas gerações futuras, nas outras formas de vida e no planeta como um todo.

De facto, tradicionalmente, a ética situava -se no campo estritamente humano. Com o aprofundar da crise ambiental passou a observar -se a necessidade de alargar este campo a outros seres, humanos ou não humanos, vivos ou inanimados. De entre os vários autores que influen- ciaram o desenvolvimento do florescente campo da Ética Ambiental, que se afirmou na década de 70 do século XX, destacamos dois cujas obras aparecem sistematicamente como precursoras da afirmação do referido campo. Aldo Leopold (1886 -1948), no seu livro A Sand County

Almanac, publicado um ano após o falecimento do autor, num dos

ensaios intitulado “The Land Ethic”, propõe o alargamento ético à comunidade de forma a incluir solos, água, plantas e animais, e em que a terra não é olhada meramente como solo mas como um sistema vivo merecedor de consideração moral. Leopold ([1949] 1989) considera que a terra (land) tem sido olhada meramente como um recurso económico que não acarreta quaisquer obrigações. Apesar deste ensaio ter sido publicado ainda na década de 40 do século XX, o impacto das ideias de Leopold só se começou a fazer sentir verdadeiramente a partir dos anos 60 desse mesmo século. Já Rachel Carson, pioneira no alerta lan- çado em 1962 na sua obra Silent Spring, sobre os problemas resultantes da bioacumulação por ingestão de substâncias não metabolizáveis por parte dos seres vivos, como o DDT, viu o impacto das suas ideias manifestar -se logo após a publicação da referida obra, pela franca opo- sição que recebeu das indústrias responsáveis pela produção dos referi- dos agroquímicos.

Outras obras influentes poderiam ser citadas, mas o que importa por agora assinalar é que no preponderante campo da Ética Ambiental se acabaram por abrigar perspetivas ideológicas muito diversas acerca da relação entre o ser humano e o mundo natural. Essas perspetivas apre- sentam um enfoque diverso e são agrupadas de forma diferenciada por variados autores. Por exemplo, Knapp (1999) identifica dez que coloca num contínuo, partindo daquelas que se centram no ser humano até às claramente dele descentradas e de carácter holístico. Passamos a

apresentá -las: “O uso racional de recursos”, visão instrumental mas con- servacionista do planeta; “A ecologia social”, redefinição dos sistemas social e político de forma a enfrentar os problemas ecológicos; “O eco- feminismo”, estabelece um paralelo entre a opressão das mulheres e a exploração da Natureza e tem por fim ultrapassar a visão conservadora das sociedades patriarcais; “A intendência”, que assume a responsabili- dade humana de proteger os ecossistemas; “A land ethic”, baseada nos escritos de Aldo Leopold e que valoriza a importância do conhecimento ecológico no desenvolvimento de uma ética de respeito pelas comunida- des naturais; “A reverência pela Vida”, com base nas ideias de Albert Schweitzer de profundo respeito por todas as formas de vida e de com- pensação pelos males nelas provocadas pelo ser humano; “A deep eco- logy”, defensora de um impacto mínimo do ser humano no planeta e de uma visão de auto -realização que torna indissociável o bem do ser- -humano do bem -estar da Natureza; “A tradicional ou indígena”, inspi- rada na harmonia e reciprocidade para com a Terra manifestada pelos povos nativos; “Os direitos dos animais”, defensora do fim de atividades humanas causadoras da sua morte ou sofrimento e “A ecoactivista radi- cal”, propondo medidas e ações extremas, mesmo que ilegais, para impe- dir danos na Natureza.

É discutível se a ordem proposta por Knapp, no sentido de as diferen- tes perspetivas se descentrarem cada vez mais do ser humano, é a mais correta. Mas preferimos salientar, sim, a sua grande diversidade. No entanto, por questões de análise para o presente estudo, optámos pela categorização aglutinadora e simplificada de Almeida (2007), adaptada de Heinze -Fry & Miller (1997), que, admitindo diferentes teorizações no seio de cada perspetiva, as arruma da seguinte forma:

Antropocêntrica – centrada numa visão instrumental da Natureza. Considera -a por isso um recurso para usufruto humano, não só a nível económico mas também estético, científico, histórico e vivencial, dimensões igualmente indispensáveis para o bem -estar físico e psico- lógico das pessoas;

Biocêntrica – centrada no reconhecimento do valor intrínseco das outras formas de vida, valor esse que é independente da utilidade que os seres vivos podem ter para o ser humano;

Ecocêntrica – centrada no valor dos ecossistemas e da Ecosfera, cujo

equilíbrio se sobrepõe aos interesses particulares de cada espécie, nomeadamente da humana.

Desta muito breve apresentação, que conduziu à afirmação da Ética Ambiental como um campo ideologicamente plural, importa ainda real- çar que não identificámos nenhum autor a que seja atribuída a introdu- ção da designação de Ética Ambiental.

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