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4. DA PERCEPÇÃO DA NATUREZA DO CONHECIMENTO GEOLÓGICO

4.1. Acerca do conhecimento geológico

No que se refere ao uso de modelos em Geologia, 29 inquiridos contra apenas sete, sendo quatro do ME, consideraram que um modelo não é uma representação fidedigna de um fenómeno ou processo.

Contudo, na análise das justificações destes sete inquiridos, verificá- mos que apenas dois manifestaram uma adesão praticamente total a esta ideia, que decorre da crença de que “toda a informação disponível sobre

o fenómeno ou processo deve estar presente no mesmo” (ME) ou que

“para elaborar um modelo é necessário obter o maior número de infor-

mação possível sobre o fenómeno a ser modelado para que se assegure que o modelo seja fidedigno” (MTC). Os outros cinco inquiridos acaba-

ram por revelar mais reservas, como se torna percetível nos vários “mas” que introduziram na sua resposta. Dois exemplos:

Acho que um modelo pode representar de forma clara um fenómeno ou processo e, portanto, ser facilmente percetível pela sociedade. No entanto, há fenómenos que não se conseguem reproduzir por modelos ou, por vezes, os modelos ficam incompletos. Nestes casos, há que repensar a melhor forma de ser aplicado à sociedade para não se criarem ideias erradas sobre o fenómeno (ME);

Muitas vezes, um modelo é apenas uma maneira para melhor explicar um processo ou fenómeno, mas isto pode não abarcar todas as variáveis, pois podem ainda não ser conhecidas, embora à luz do conhecimento atual o modelo seja fidedigno aos conhecimentos atuais (ME).

Ou ainda: “Só a sua aplicabilidade pode definir a sua exequibilidade” (MTC).

Estas ideias acabaram por ser expressas de uma forma mais intensa por aqueles que reconheceram nos modelos uma aplicabilidade reduzida ou, na melhor das hipóteses, limitada. Assim, as razões que foram evo- cadas pelos outros 29 inquiridos para contestar a aplicabilidade dos modelos encontram -se sistematizadas no Quadro 10.

Quadro 10: Razões apontadas pelos inquiridos de ambos os grupos para justificar as

limitações associadas ao uso de modelos.

Os modelos são uma representação… Frequência

ME MTC

…parcial da natureza, que não inclui todas as variáveis 7 11 …de algo que não pode ser observado ou testado 4 - …com base em conhecimentos provisórios 4 -

…não generalizável 1 1

…do cientista, ou da equipa, que o produziu 1 1 …que pode não ser compatível com a realidade social - 1

Total 17 14

O destaque vai claramente para a distinção entre o modelo e a reali- dade, salientada por 18 inquiridos, sendo onze do MTC, em que o modelo é obrigatoriamente uma simplificação, impossível de incluir todas as variáveis ou fatores. Como afirmaram dois dos inquiridos: “Existem diversas variáveis no mundo real, num fenómeno ou processo,

que a meu ver nunca se conseguirá ter em conta num modelo” (ME);

“Representar a realidade através de modelos concetuais ou numéricos é

praticamente impossível. Existirão sempre variáveis que não foram tidas em conta” (MCT).

De assinalar ainda que dentro destas variáveis difíceis de contemplar nos modelos, três inquiridos do MTC mencionaram a questão do tempo geológico. Como afirmou um deles: “Em Geologia existem pou-

cas verdades absolutas, já que lidamos com milhões de anos, com

profundidades inatingíveis, por isso, os modelos tornam -se sempre dis-

cutíveis” (MTC).

Com alguma expressão surgiram duas outras ideias, referidas cada uma por quatro inquiridos do ME, e que tornam a aplicabilidade dos modelos discutível: a da dificuldade de observar os fenómenos e a da sua construção com base em conhecimento provisório. Concretamente estas ideias foram expressas, respetivamente, da seguinte forma:

Um modelo não pode ser uma representação fidedigna, até porque, na maioria das vezes, os modelos são elaborados para tentar mostrar fenó- menos ou estruturas que não podemos observar diretamente. Pelo que a sua aplicabilidade direta na sociedade deve ser questionada sem dúvida

(ME);

Como em Ciência não há verdades absolutas, contesto o facto de um modelo ser uma representação fidedigna. Considero o modelo uma con- clusão sobre algo do qual ainda não há certezas e que pode ser ultrapas- sado facilmente por modelos cada vez mais fiáveis, uma vez que a tecnologia aumenta cada vez mais (ME).

As outras razões evocadas tiveram uma frequência residual. Talvez mereça ainda destaque a ideia de que o modelo pode não ser generalizável

para toda e qualquer realidade em que se pretenda a sua aplicabilidade e que foi avançada por um inquirido de cada grupo. Como afirmou um deles: “Um modelo é um exemplo, não é uma situação generalizável.

Mediante determinado tipo de situação o modelo pode funcionar ou não, daí ser discutível a sua aplicabilidade” (ME).

No que se refere à questão que procurava indagar acerca da influência do conhecimento geológico nos decisores políticos, os inquiridos de ambos os grupos manifestaram -se a favor dessa influência, 15 do ME e 13 do MTC, o que representou 75% dos inquiridos do primeiro grupo e 81,3% dos do segundo grupo, valores relativamente aproximados.

A concordância da maioria dos inquiridos encontrou -se traduzida pelas ideias seguintes: “Qualquer sociedade depende do meio geológico,

como tal, deve ser tido em conta o conhecimento científico daqueles que melhor o estudam e compreendem” (ME) e “As opções políticas devem basear -se nos resultados científicos e por isso nas sociedades devem estabelecer -se parcerias com as universidades” (MTC). E esta influência

deveria acontecer em campos tão diversos, e que foram citados pelos inquiridos de ambos os grupos, como a construção de infraestruturas, previsão de catástrofes, exploração de recursos naturais, conservação da natureza, ou, de forma mais genérica, o ordenamento do território. Tal como vários inquiridos referiram: “O trabalho dos geólogos permite

determinar quais os melhores locais para a construção, quais os perigos inerentes a deslizes de terra, quais as probabilidades de desastres natu- rais” (ME); “Um geólogo pode identificar uma falha ativa e inviabilizar assim a construção de uma barragem no local, ou determinar que as características geotectónicas do local de construção de uma ponte ou hospital não são adequadas para suportar as pressões exercidas por estas infraestruturas” (MTC). Todo este trabalho permite que os geólogos con-

sigam provocar “mudanças nas opções políticas face aos resultados que

obtêm na investigação científica” (ME). Uma tal abertura dos políticos

seria benéfica para as populações e a “sociedade saía a ganhar com

opções mais justas e sustentáveis” (ME) e “…com influência em todo o nível socioeconómico de um país” (MTC).

Todavia, alguns dos inquiridos que defenderam esta opinião revelaram- -se em geral céticos, por considerarem que nem sempre o poder político atua da melhor forma, porque ignora as recomendações dos cientistas

em geral e dos geólogos em particular: “Mas sei que não é isso que acon-

tece na política, visto que há muitos interesses, essencialmente económi- cos, envolvidos nas tomadas de posição dos governos” (ME); “O que acontece é que a maior parte das vezes os políticos ignoram esses conhe- cimentos para depois começarem a manifestar preocupação pelas conse- quências negativas que advêm no caso da sobre -exploração de um determinado minério” (MTC); ou, de modo mais contextualizado, “Em Portugal é frequente o decidir politicamente não ter em conta os alertas dos especialistas” (ME).

Os oito inquiridos, três do MTC, que manifestaram discordância com a ideia, justificaram -na de forma similar. A razão essencial é que há que ter em conta outras dimensões, para além da científica, quando se tomam decisões políticas. Dois exemplos: “Um geólogo conhece a realidade geo-

lógica, mas não terá conhecimento suficiente a nível social e económico, por exemplo, para que uma política com implicações em todas estas dimensões seja unicamente fundamentada pela opinião de um geólogo”

(ME); “As opções políticas obviamente não se podem apenas reger por

resultados científicos obtidos pelos geólogos. Eles serão uma base entre muitas outras” (MTC). De salientar que apenas um dos inquiridos res-

tringiu esta base a outros pareceres científicos fora da área da Geologia. Afirmou: “Considero que é uma base limitada somente porque no con-

texto atual tem de haver um consenso multidisciplinar e outros pareceres, da área da Biologia, por exemplo, devem ser considerados” (MTC).

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