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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.2 CORRENTES TEÓRICO-FILOSÓFICAS EM BIOÉTICA

2.2.4 Ética Profissional

impregnam o cotidiano dos países mais pobres da América Latina como, por exemplo, as graves desigualdades sociais, é essencial adotar padrões éticos que recoloquem o bem-estar do ser humano em primeiro lugar e “que promovam a distribuição da riqueza, a emancipação pessoal e a liberdade da consciência. Essa é a essência da Bioética da Intervenção”111.

2.2.4 Ética Profissional

Pela tradição das orientações éticas no campo das atividades profissionais da área da saúde, pela influência nas deliberações de conflitos éticos com base nos chamados “códigos de ética profissional” e considerando a tradição do ensino da disciplina de Deontologia tanto na graduação como na Pós-Graduação, se faz necessário uma breve referência aos fundamentos teóricos da Ética Profissional.

A Ética Clássica defende a existência de um código de conduta baseado em preceitos e obrigações que devem ser cumpridos pelos membros das corporações profissionais sem discussão112. Esse código também é conhecido como Deontologia

Profissional. Porém, comumente se utiliza a expressão "Código de Ética”, visto que o termo ética, por essência, é mais amplo.

Enquanto a ética refere-se ao estudo dos fundamentos da moral, a deontologia designa o conjunto dos deveres profissionais propriamente ditos. Por isso, diz-se que a deontologia é um ramo da Ética Profissional que possui um caráter específico, isto é, adquiriu um caráter ético-jurídico em função da tríplice exigência ética no exercício de qualquer profissão: educação, disciplina e fiscalização.

A palavra deontológico deriva do grego deon (deontology), déonto (Déontologie) que significa DEVER e logos (tratado) + ia − a ciência que estuda os deveres de um grupo profissional, é a ciência do DEVER. Esse termo surgiu em fins do século XVIII, criado por Jeremy Bentham para designar o conjunto de deveres exigidos no exercício de determinada profissão113. Prioriza a existência de um código de conduta único, que em sua raiz fundamenta-se nos preceitos hipocráticos. “Este Código se expressa sob a forma de normas deontológicas, preceitos, mandamentos e até normas legais.” 112

Reportando-se a D. Ross, que em The Right and Good (1930) introduziu a noção de “deveres prima facie”, isto é, que admitem exceções. As Éticas deontológicas podem ser subdivididas em duas categorias: as Éticas deontológicas prima facie que, segundo Engelhardt e Mori, aproxima-se mais da Ética Teleológica de tipo utilitarista; e Éticas Deontológicas absolutistas, baseadas num princípio ou num dever – como, por exemplo, o da sacralidade da vida (valor da vida humana em si) – que não admite derrogação113.

Na prática, a Ética Profissional em sua trajetória histórica, traz respostas para os conflitos éticos a partir de fórmulas pré-estabelecidas. Em outras palavras, tende a restringir a orientação moral da conduta humana ao que se pode ou não se pode fazer ou ao que se deve ou que não se deve fazer. Tais orientações, fundamentam-se nos estatutos, nas leis, ou mesmo nos mandamentos éticos normativos das corporações profissionais. Assim, a Ética Profissional está pautada em proibições, vetos, limitações ou simplesmente normatização114.

Pela tradição do ensino da ética, na “maioria dos cursos da área da saúde, ainda prevalece o modelo de ensino de Bioética conduzido pela disciplina de Deontologia, na qual a matéria é apresentada como um elenco de normas legais estatuídas para dar respaldo moral às tomadas de decisões profissionais.”115 No mesmo sentido, salienta Drumond que “até o presente, alguns dos princípios norteadores da conduta ética no campo da saúde fundamenta-se na tradição deontológica.”116 Por isso,

muitas disciplinas, apesar de receber o título de “bioética” os conteúdos temáticos ainda são estruturados a partir de preceitos, mandamentos e normas de natureza deontológicas.

Sem a pretenção de retomar a discussão sobre os fundamentos da Ética Tradicional, uma vez que esse tema já foi amplamente abordado nos capítulos iniciais, um outro aspecto a ser lembrado refere-se ao fato de que a corrente principialista teve origem nos deveres prima facie a partir da teoria do eticista inglês David Ross. Tais abordagens despertaram as atenções do filósofo Tom Beauchamp e do teólogo James Childress. Foi a partir daí que eles iniciaram seus estudos. De modo que, desde os princípios éticos apresentados pelo Relatório Belmont até a sistematização dos princípios prima facie no livro Princípios de ética biomédica, o enfoque deontológico está presente no dia-a-dia da vida profissional.

Talvez esteja nesse aspecto histórico o grande ponto de encontro entre Ética de inspiração deontológica e a Bioética. Conforme pondera Anjos:

Existe na bioética brasileira um interessante ponto de encontro entre a ética normativa e a ética aplicada (bioética), por meio das deontologias profissionais. De mais longa data, elas antecedem o surgimento da

bioética e se fazem nela presentes, de vários modos117.

São esses os elos que às vezes levam a se identificar a Bioética, especialmente na área da medicina, como renovação da Ética deontológica, chegando-se até mesmo reduzir a Bioética à Ética Médica ou, pelo menos, criar expectativas de que a Bioética tenha uma convergência e desfecho para as regras de condutas117.

Como lembra Anjos117, a Bioética surgiu justamente da crise da Ética normativa,

ou seja, diante da falência de valores universais para regrarem as condutas humanas, sobretudo relacionada às experiências clínicas realizadas em seres humanos.