• Nenhum resultado encontrado

PARTE III Resultados e Discussão

5.2. Fundamentos Teóricos, Filosóficos e Pedagógicos

5.2.5. Ênfases curriculares

As ênfases curriculares compõem um aspecto importante dos currículos atuais, por serem um dos principais elementos inovadores, e obrigatórios, exigidos pelas DCNs, essenciais na estruturação da proposta curricular. A Tabela 8 apresenta os dados referentes à quantidade de ênfases definidas pelos cursos.

Tabela 8

Quantidade de ênfases escolhida pelos cursos

Quantidade de ênfases curriculares no curso Ênfases (n) %

Duas ênfases 22 56,4 Três ênfases 9 23,1 Quatro ênfases 3 7,7 Cinco ênfases 4 10,3 Seis ênfases 1 2,6 Total 39 100,0

Observa-se que um pouco mais da metade dos cursos se limita a criar duas ênfases curriculares, o mínimo determinado pelo Ministério da Educação. Mas uma quantidade não desprezível de IES opta por três ou mais ênfases, o que pode ser um indicativo de uma maior oferta formativa por parte dos cursos. Como uma das tônicas das DCNs atuais é a flexibilidade, uma maior quantidade de ênfases pode ser um indicativo dessa característica. Por outro lado, quanto mais ênfases, maior a probabilidade do curso gerar “especialismos”, indo de encontro aos perfis generalistas indicados. É importante ressaltar que embora as DCNs exijam um mínimo de duas ênfases para escolha do aluno, nem todos os cursos optam por apresentar um modelo de formação “padrão” para ênfase. Ou seja, entende-se por modelo “padrão” de ênfase aquele no qual o aluno, durante o processo formativo, escolhe apenas uma das ênfases para cursar. A recusa em adotar o modelo “padrão” de ênfase também se deve a uma tentativa de manter uma formação generalista, presente no debate formativo ao longo dos anos.

Nas Tabelas 9 e 10 podem-se perceber os cursos que apresentam um modelo formativo “padrão” para as ênfases e, para as que não optam, que modelo utilizam.

Tabela 9

Distribuição dos cursos com relação ao modelo de ênfase “padrão” (escolha forçada de apenas uma ênfase por parte do aluno)

Escolha de uma ênfase N %

Sim 22 55

Não 18 45

Total 40 100

Tabela 10

Modelo de ênfase n %

Ênfases que se subdidividem ou se separam por área de ênfase

2 11,1

Ênfases indissociáveis 5 27,8

Possibilidade de escolha por duas ou mais ênfases 11 61,1

Total 18 100,0

Os dados presentes na Tabela 9 indicam que 55% das IES optam pelo modelo “padrão” de ênfase, ou seja, uma quantidade não desprezível de IES resolve adotar outras formas de apresentar as ênfases na graduação. Analisando os trechos que tratam sobre o funcionamento das ênfases, identificou-se três outros modelos formativos para as mesmas (Tabela 10).

Com relação aos modelos de ênfase “não-padrão”, nota-se que dois cursos optaram por um modelo que apresenta subdivisões para as ênfases. O aluno, nesse modelo, escolhe uma ênfase, e depois uma “sub-ênfase”, gerando uma forma aparentemente mais focada em uma formação especialista. Esse dado é surpreendente, pois a defesa de um modelo especialista não estava presente nos fundamentos de nenhuma das IES pesquisadas. Além desse modelo, cinco cursos optaram pelo que eles chamaram de “ênfases indissociáveis”, ou seja, a obrigatoriedade de cursar disciplinas e práticas de todas as ênfases ofertadas, sendo a parte flexível da formação, em sua maioria, umas poucas disciplinas eletivas. Apesar de os cursos que optam por ênfases “indissociáveis” justificarem esse modelo em função da defesa de um perfil generalista, o curso acaba, de certa forma, aproximando-se do modelo do Currículo Mínimo anterior, por apresentar um percurso um pouco mais rígido. E por último, 11 cursos apresentam um modelo de ênfase um pouco mais aberto para os alunos, apresentando percursos possíveis de serem percorridos que podem fazer com que o aluno “alterne” entre uma ênfase e outra. Esses cursos, em sua maioria, ofertam mais de duas ênfases, e

incentivam que o discente opte por fazer mais de um percurso. O discurso presente nesses dois últimos modelos de ênfase centra-se na ideia de evitar a especialização precoce e garantir um processo formativo generalista.

Em seguida foi analisada a concepção de ênfase utilizada, se por área da Psicologia, como nos modelos anteriores de Currículo Mínimo, ou se por foco formativo, que trata de processos psicológicos mais amplos, como sugerido pelas DCNs. Ou seja, em vez de ênfases na “área escolar” (como no modelo do Currículo Mínimo), as DCNs sugerem ampliar para “processos educativos”, por exemplo, abrangendo a noção do campo escolhido.

Tabela 11

Tipo de ênfase curricular oferecidas nos cursos (ênfase por área da Psicologia ou ênfase por foco)

Tipo de ênfase n %

Área da Psicologia 10 25,6

Foco 29 74,4

Total 40 100

Como pode ser visto na Tabela 11, 74,4% dos cursos apresentam uma organização por foco temático (também conhecido como “processos”). É importante notar que, pelo menos no aspecto da intenção da formação, a maior parte dos cursos opta pelo novo modelo “proposto” pelas DCNs. O modelo por “processos” é um indicativo de formação generalista, já que não é limitado por local de atuação; pluralista, uma vez que agrega diversos conteúdos da Psicologia; e interdisciplinar, pois concebe a prática como um processo mais amplo, que inclui elementos de outros campos de atuação. Resta saber se no cotidiano dos cursos esse modelo formativo por

“processos” não é substituído pelo modelo antigo do Currículo Mínimo de dividir a prática por áreas de atuação.

Em seguida foi organizado em quais domínios da psicologia foram ofertadas as ênfases curriculares, dentro dos modelos de foco e área (Quadro 5)31.

Quadro 5

Ênfases curriculares associadas a áreas da Psicologia (quantidade de IES que apresenta a ênfase)

Conteúdo da Ênfase Curricular Quantidade de IES

Psicologia e processos de investigação científica 7

Psicologia e processos educativos 25

Psicologia e processos de gestão e trabalho 27

Psicologia e processos de prevenção e promoção da saúde 33

Psicologia e processos clínicos 28

Psicologia e processos de avaliação diagnóstica 4

Psicologia Social Comunitária e Institucional 19

Psicologia e desenvolvimento humano 5

Outros 7

Das 40 IES analisadas, a ênfase mais recorrente foi a vinculada a “Psicologia e processos de prevenção e promoção da saúde”, seguida de “Psicologia e processos clínicos”, “Psicologia e processos de gestão e trabalho” e “Psicologia e processos educativos”. Esses dados não surpreendem, pois se remetem aos campos clássicos da Psicologia. Apenas a forte presença de “Psicologia e processos educativos” nos cursos surpreende, uma vez que tanto no âmbito profissional, quanto no acadêmico, há uma recrudescência desse campo (Costa, Amorim & Costa, 2010; CFP, 2013; Feres-Carneiro

31

As DCNs sugerem um grupo de seis ênfases para compor os currículos (Psicologia e processos de

investigação científica; Psicologia e processos educativos; Psicologia e processos de gestão e trabalho; Psicologia e processos de prevenção e promoção da saúde; Psicologia e processos clínicos; Psicologia e processos de avaliação diagnóstica), a partir dessa sugestão foram agrupados as escolhas de ênfases

feitas pelos cursos, acrescidos de duas outras que aparecerem de forma recorrente (Psicologia social, comunitária e institucional e Psicologia e desenvolvimento). Para essa classificação foram analisados os conteúdos propostos pelas IES para as ênfases nos mais diferentes títulos e propostas. Algumas dessas propostas eram agrupadas pelo próprio curso, como uma ênfase em “Psicologia e Processos Educativos e Clínicos”, que nesse caso foi computado nos dois grupos. E, em poucos casos (7), as ênfases apresentavam uma proposta distinta das apresentadas no Quadro, agrupadas sob o rótulo “Outros”.

et al., 2010). A Psicologia Social e Comunitária, uma das fortes identidades da psicologia brasileira e latino-americana, aparece em metade dos cursos. Por um lado pode-se inferir que o campo tem se ampliado no Brasil, e que essa presença nas IES é um forte indício dessa expansão. Mas, por outro, com a importância que a defesa desse campo tem na atualidade (inclusive corroborado pelo discurso do compromisso social nos fundamentos dos currículos, como já apresentado), questiona-se se não seria esperada uma presença ainda mais efetiva, na mesma proporção das chamadas áreas “clássicas” da Psicologia. A despeito das DCNs incorporarem sugestões de ênfases, havia uma expectativa, posta pela lógica da flexibilidade, de que os cursos apresentassem propostas originais, que abordassem aspectos inovadores da Psicologia, ou resgatassem as áreas emergentes. E, no entanto, os cursos continuam optando maciçamente pelas áreas “clássicas”, não apresentando outras propostas. De fato, além das ênfases apresentadas no Quadro 5, apenas sete propostas distintas apareceram, colocadas sob o rótulo “Outros”32. Um último dado que chama atenção foi que sete cursos optaram por oferecer a ênfase em “Psicologia e processos de investigação científica”. Essa ênfase é sugerida pelas DCNs, e tem sido criticada na literatura por relegar o papel da pesquisa a uma “ênfase” da formação, e não como um componente indissociável dos cursos (Bernardes, 2004; 2012; Silva, 2010).

Além dos fundamentos para criação dos cursos, os PPCs deveriam apresentar, na organização dos currículos, os fundamentos das ênfases curriculares, incluindo sua justificativa, perfil do egresso e processo formativo. Assim, pode-se observar primeiramente na Tabela 12 as justificativas para criação das ênfases curriculares.

Tabela 12:

32

São elas: Psicologia, Cultura e Contemporaneidade; Psicologia e Políticas Públicas; Psicologia, Cognição e Personalidade; Psicologia e Processos Sócio-Culturais; Neurociências e Processos básicos; Psicologia Experimental; e Intervenção Psicológica no Cotidiano.

Justificativas para criação das ênfases curriculares (por quantidade de trechos sobre a justificativa citada)

Justificativa para criação das ênfases curriculares Total de trechos

Responder a problemas e demandas sociais 9

Responder a demanda mercadológica 5

Responder a Demandas administrativo-burocráticas 1

Promoção de Saúde e/ou Qualidade de Vida 0

Importância da Psicologia 1

Atualização profissional 4

Percebe-se que os cursos, em sua maioria, não expressam justificativas para a criação de suas ênfases curriculares, o que pode indicar, por um lado, uma deficiência no debate que construiu a escolha institucional pelas ênfases, ou por outro, a obliteração dos motivos reais para essa criação que podem, eventualmente, resvalar em escolhas por conveniência, de acordo com a conformação prévia do corpo docente. A importância da escolha das ênfases reside na própria noção original de ênfases como um processo de resposta formativa dos cursos às demandas sociais, sobretudo da região e/ou comunidade onde se encontram, e a vocação institucional, ligada aos interesses dos docentes e da mantenedora dos cursos.

Contudo, naqueles cursos que apresentam alguma justificativa, seguem a tendência de apresentar a via da resposta às demandas sociais e responder as demandas mercadológicas, coerente com a justificativa de criação dos cursos. Também nota-se que as pressões institucionais desaparecem do discurso no PPC, indicando uma possível maior autonomia dos cursos na decisão de que ênfase assumir.

Tal qual na justificativa da ênfase, também foi investigado qual o perfil do egresso esperado pelas ênfases dos cursos (Tabela 13).

Tabela 13:

Lista das características que devem estar presentes no perfil do egresso da ênfase (por quantidade de trechos sobre a característica)

Perfil do egresso das ênfases Total de trechos

Comprometido social e eticamente 11

Generalista 5

Interdisciplinar / Interprofissional 2

Perfil acadêmico científico 2

Perfil mercadológico 8

Pluralista 0

Promotor de saúde e/ou qualidade de vida 8

Da mesma forma que ocorre com a ausência de apresentação das justificativas pela escolha das ênfases, ocorre também a não explicitação do perfil de egresso esperado das ênfases curriculares. Vale ressaltar que as indicações postas nos debates de construção dos currículos presentes nas DCNs sugerem que os PPCs apresentem os argumentos acerca da criação das ênfases curriculares.

Aqui se mantém a predominância de características vinculadas a um perfil compromissado socialmente, assim como a um perfil mais amplo. No entanto, duas características apresentam-se com alguma diferença. A acadêmico científico - que na fundamentação mais ampla é expressiva, aqui nos textos das ênfases quase não aparece -, e trechos relacionados às características relativas a um perfil mercadológico - que estão mais presentes nas ênfases do que nos fundamentos gerais. Essa pequena alteração, considerando que apenas dez cursos fundamentaram seu PPC quanto ao perfil

esperado, aparenta dever-se ao caráter profissionalizante que as ênfases ocupam nos cursos.

Por último, também foram pesquisados os textos relacionados aos processos formativos das ênfases. Mas, assim como nas justificativas e nos perfis, os cursos também não apresentam elementos para análise, sendo ainda menor o número de cursos que o fizeram. Aqueles que citam continuam dando prioridade a discursos envolvendo a formação crítica e compromissada socialmente. Essa situação coaduna-se com a falta de informações declaradas em outras dimensões, indicando a desestruturação das ênfases planejadas para os cursos.