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Capítulo 3 Problema e objetivos

4.2. Os PPCs e os dilemas da formação em Psicologia

4.2.2. Pesquisa em PPC – dificuldades e possibilidades

Como visto na concepção de PPC apresentada, ele é um documento que enseja em si múltiplas dimensões determinantes. Essas dimensões tornam difícil de resgatar os seus conteúdos sem que haja perda considerável e/ou distorções nos dados apresentados. Para tanto, resolveu-se empreender uma pesquisa acerca dos estudos que tratam os PPCs como fonte primária de dados, a fim de conhecer/entrar em contato com uma estratégia viável que desse conta do fenômeno proposto para a presente tese.

4.2.2.1. Estudos acerca das possibilidades de uso dos Projetos Pedagógicos de Curso no Ensino Superior como fonte de dados

A utilização dos PPC como fonte de dados em pesquisas sobre a formação no Ensino Superior não é novidade em solo brasileiro. Esses estudos acontecem nas mais diversas áreas – Administração, Artes, Enfermagem, Filosofia, Fisioterapia, Matemática, Medicina, Psicologia, entre outros –, possuem estratégias de análise distintas e as informações derivadas desses assumem diferentes status de acordo com cada trabalho.

Constata-se essa realidade em uma rápida consulta a base de dados do Scielo e na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações do Instituto Brasileiro de Informações em Ciência e Tecnologia (BDTD/IBICT). Lançando mão de descritores como “projeto pedagógico” e “proposta pedagógica” foi possível resgatar mais de 20 trabalhos, entre dissertações, teses e artigos científicos que usaram o PPC como fonte de informações

para suas pesquisas. Merece destaque, algumas conformações inerentes a esse material25.

Primeiramente, é possível distinguir quatro formas26 de se abordar o PPC como objeto analítico por: tema específico, dimensões internas do PPC, alinhamento com outros documentos e determinações externas do PPC. No Quadro 2 encontra-se referenciada cada um desses formatos de estudos de acordo com as pesquisas encontradas.

Ainda há dois pontos importantes que caracterizam esses estudos: a baixa quantidade de casos trabalhados (estudos com poucos PPCs) e a associação da análise

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A exposição que seguirá, longe de pretender a realização de um estado da arte sobre estudo que utilizam o PPC como material de pesquisa pretende esboçar um quadro geral de alguns casos em que se utiliza esse formato.

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Identificou-se também um quinto grupo que, por não adotar o PPC como fonte de dados de pesquisa, distanciam-se metodologicamente dos demais trabalhos. Esse conjunto possui um grande volume de materiais e narram o processo de elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos, como é o caso de Beck et al (2003) e Signorelli et al. (2010), ou apresentam projetos pedagógicos fundamentados em estudos teóricos, exemplificado em Saupe e Alves (2000).

Quadro 2:

Informações que são analisadas no PPC e a literatura correspondente Tema específico Dimensões

internas do PPC Alinhamento com outros documentos Determinações externas do PPC Anjos e Duarte (2009) Azevedo, Tatmatsu & Ribeiro (2011) Braga (2007) Brasileiro & Souza (2010) Lima (2009) Martins (2005) Moita Neto & Santos (2011) Nóbrega-Therrien et al. (2010) Nunes & Barbosa, (2009) Pignata (2011) Ribeiro (2010) Uecker (2005) Aguillar-da-Silva et al. (2009) Abdalla et al. (2009) Lampert et al. (2009a; 2009b; 2009c) Gomes (2008) Oliveira (2008) Santos (2008) Silva (2009) Picawy (2007) Rodrigues (2004) Santos, Brandão, Valverde e Trezza (2003)

Silva & Rodrigues (2008).

Campos (2009) Copetti (2006) Fugeiro (2007)

de PPC com outras fontes de dados. Quanto ao primeiro quesito, a maioria das pesquisas optou pela focalização em apenas um curso, com alguns trabalhos estudando até oito casos27. Já as outras fontes de dados de pesquisas circulam em torno de entrevistas ou grupo de discussões com coordenadores, docentes ou discentes; análise de documentos regulatórios (como as DCN dos cursos e o PDI) e de planos de ensino das disciplinas.

Esse cenário esboçado nos parágrafos anteriores revela um conjunto de pesquisas que buscam serem informadas, por meio do PPC, sobre aspectos específicos da formação. São estudos que priorizam a compreensão de uma realidade singular e, para tanto, partem de referenciais analíticos qualitativos, havendo poucos autores que adotam o PPC como material único de análise, sem fonte de dados adicional sobre o funcionamento dos cursos.

Como já discutido em seções anteriores, o Projeto Pedagógico de um curso encerra em si uma miríade de informações, com significados distintos, que revelam facetas diversas do processo formativo. Contudo, nos trabalhos consultados o que se verificou foi mais a busca por uma triangulação das fontes de dados do que, necessariamente, o esgotamento desse material documental.

Nessa direção, estudos que almejam a compreensão mais ampla do fenômeno formativo em diversas realidades e que contemplem uma caracterização ampla dessa formação acabam por demandar uma estratégica analítica diferenciada. Corroboram essa afirmação os estudos de Aguillar-da-Silva et al. (2009), Abdalla et al. (2009) e Lampert et al. (2009a; 2009b; 2009c) que, ao preterirem uma análise ampla do cenário formativo em Medicina, empreenderam a construção de um instrumento analítico próprio.

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A exceção a essa regra são as pesquisas desenvolvidas por Aguillar-da-Silva et al (2009), Abdalla et al. (2009) e Lampert et al. (2009a; 2009b; 2009c) que interagiram com vinte e oito cursos

No tocante à apropriação que os estudos sobre a formação em Psicologia realizam dos PPC fica clara a escassez de trabalhos que priorizem esse material como foco de análise. Diferentemente de outros campos – como a Pedagogia, Enfermagem e Medicina –, na Psicologia, os estudos sobre a formação não se valem do PPC como fonte primária de dados de pesquisa. Além disso, soma-se a dificuldade da literatura, proveniente de outros campos, em apresentar estratégias de análise do PPC que concatenem a complexidade desse documento, com o estudo de um grande número de cursos.

Embora se defenda a posição de que cada estratégia responde a um problema específico, não se pode negar objetivamente que, com base no exame bibliográfico levantado, faltam estratégias e técnicas de análise de PPC que considerem seu conteúdo filosófico epistemológico e estrutura curricular de forma a não só compreender o curso em questão, mas permitir compará-lo com outras realidades num recorte transversal nacional.

Desse modo, para a compreensão da formação do psicólogo em contextos distintos, torna-se patente a necessidade de construção de uma estratégia analítica que se oriente tanto pela especificidade desse fenômeno, como leve em consideração a riqueza e complexidade dos PPC como fonte de informação científica.

4.2.2.2. O PPC e suas (Im) possibilidades de análise

Baseado na revisão empreendida percebeu-se que nenhuma das propostas utilizadas serviria para a presente pesquisa, tanto pela especificidade do problema, pelo desenho de pesquisa escolhido, quanto pelo escopo do trabalho. Como já fundamentado, optou-se, no caso da presente pesquisa, por criar uma estratégia de análise original,

objetivo que serviria tanto para o fenômeno estudado, quanto para contribuir academicamente com uma nova tecnologia28.

Considerando as características já apresentadas dos PPCs, eles impunham uma dupla tarefa, analisá-los considerando sua dimensão particular, sua especificidade, história e coerência interna, e sua dimensão externa (que Veiga, 2004, caracteriza como específica e global), composta pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e pelas leis mais amplas da educação, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE). O desafio metodológico proposto é analisar os PPCs em quantidade suficiente a garantir determinadas generalizações, e captar determinantes das políticas mais macro, sem perder de vista a análise interna do PPC, com suas particularidades teóricas filosóficas e caracterização de grade curricular. Seria levada em consideração a análise qualitativa de cada caso, mas mantendo uma quantidade de escolha de sujeitos que representariam possibilidades de generalização factíveis. Como implicação desse questionamento, tenta-se compreender esse fenômeno em sua globalidade, ou seja, a formação dentro do contexto do curso de maneira geral. Com isso, pretende distanciar-se das abordagens tradicionais que restringem a análise da formação de campos restritos da Psicologia a um rol específicos de disciplinas, desconsiderando as implicações do currículo como um todo para a formação do profissional.

O ponto de partida para a elaboração de uma nova estratégia de análise de PPC é a aproximação com uma perspectiva contemporânea de ciência devedora da tradição qualitativa, mas não a ela restrita. Ao seguir essa tradição, toma-se o objeto como

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A presente estratégia de análise construída foi empreendida como um esforço coletivo de um grupo de pesquisadores vinculados ao GPM&E. A construção da estratégia foi por mim coordenada e contou com colaboradores do referido grupo, entre alunos de graduação e pós-graduação. Foi submetida à publicação durante o processo de doutorado, sob forma de artigo, e recentemente publicado na Revista da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Referência completa: Seixas, P., Coelho-Lima, F., Silva, S. & Yamamoto, O. (2013). Projeto Pedagógico de Curso e formação do psicólogo: uma proposta de análise. Psicologia Escolar e Educacional (Impresso), 17(1), 113-122. Parte da apresentação do texto que se segue foi parcialmente contemplada no referido artigo.

soberano em relação ao método, traduzindo os anseios e objetivos da problemática de pesquisa (Gunther, 2006; Flick, 2004; Chizzotti, 2006). Parte-se de uma postura não apriorística na qual a realidade - material e histórica - é a fonte primária do conhecimento. Nessa dinâmica, cabe ao investigador a imersão na lógica real de funcionamento do fenômeno para elaboração de modos de apreensão de sua essência. Em virtude disso, não há um método, instrumento ou técnica universal que garantam o desvelamento da essencialidade fenomênica: a cada fenômeno cabe um modo específico de olhar. Assim, obstante de se restringir, a priori, a métodos quantitativos ou qualitativos de pesquisa, inverte-se a lógica para colocá-la em função da realidade objetiva (Gunther, 2006; Chizzotti, 2006).

Partindo desses pressupostos, construiu-se uma estratégia de análise que respondesse às demandas impostas, tanto pelos objetivos da pesquisa, como pelo material de análise adotado. No entanto, essa estratégia toma dois pontos de partida que à primeira vista podem ser considerados antagônicos: a compreensão da processualidade do fenômeno da formação em Psicologia no Brasil e uma explicação que permita uma generalização possível com os dados coletados (Creswell, 2007; Gunther, 2006; Marecek, 2011). Essa dicotomização (compreensão vs. explicação) se dilui no momento em que se supõe uma relação dialética entre as instâncias do particular e do universal no fenômeno que se quer estudar. (Kosík, 1996; Mayring, 2000; Gunther, 2006).

A pesquisa, então, delineou-se de maneira a lidar tanto com a questão de pesquisa, quanto com o tipo de material tratado, de uma forma que a tecnicalidade não se sobrepujasse à compreensão da realidade. Apesar de o PPC ser um documento textual, ele contém elementos que impelem uma compreensão matematizada de alguns dados, ao mesmo tempo em que congrega uma compreensão interpretativa de textos discursivos.

Os PPCs são vistos então como “exemplos”, indicações que contém em si aspectos importantes do fenômeno que se pretende estudar. Eles representam simultaneamente tanto uma realidade específica, fruto de uma história do curso, articulação política para construção do documento e características e especificidades da região que estão inseridas, quanto possuem uma relação estreita com os demais PPCs dos cursos de Psicologia no Brasil, refletindo uma política mais ampla que orienta em determinada medida o fenômeno da formação do psicólogo. O desafio instaurado consta de captar esse fenômeno formativo processual sem perder de vista as particularidades de cada curso analisado. Em seguida, será apresentado o processo de concepção da estratégia e seu funcionamento detalhado.

4.3. Elaboração e funcionamento da estratégia de análise dos PPC em