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PARTE 1: ELEMENTOS HISTÓRICOS DA CONFORMAÇÃO SÓCIAL

7 DECADÊNCIA AGRÍCOLA CAFEEIRA E NOVAS

7.5 Êxodo rural local para a zona rural de outro município

Dois outros irmãos homens, e uma irmã, que se mantiveram na agricultura, adotaram, porém, estratégias diferentes e foram exercê-las em outro município. Um deles, o Sr. Lauro, sobre o qual não tivemos maiores referências, foi morar na cidade vizinha de Mulungu, cultivando hortaliças, anteriormente aos demais. Mas, segundo consta, antes de falecer já trabalhava como auxiliar em um estabelecimento comercial deste município. O outro irmão atuou com agricultura em

um município sertanejo do estado e ao se aposentar mudou-se para a região metropolitana de Fortaleza, onde reside atualmente.

Já a irmã destes, D. Mirtes, 79 anos, buscou estabelecer-se no trabalho agrícola em outros municípios com o marido. Consta que se mudaram a primeira vez em 1961, ao casarem, por não haver moradia local que os acolhesse. Foram para o sertão de Pentecostes (CE), onde morava a família de seu esposo, igualmente agricultores. Sem obter sucesso, em três anos retornaram a Guaramiranga, morando em vários sítios, trabalhando com roçados, hortas e cafezais.

No final da década de 1970, este casal mudou-se para o município vizinho de Pacoti, na condição de moradores, trabalhando na zona rural e no início dos anos 1980 receberam a proposta de aquisição da casa em que moravam, facilitada pelo próprio patrão. Nas palavras do Sr. João26, 77 anos, “eu posso dizer que nasci depois que fui embora pro município de Pacoti” (Entrevista nº 34). Esta afirmativa é complementada, explicitando ele a dificuldade e as restrições de se viver como morador durante a cafeicultura em Guaramiranga, quando todos produziam seu alimento e o acesso a mercados ou a rendas monetárias era restrito, conforme segue;

Eu já trabalhava nos serviço era levantando [podas] o pé de café; tando tudo virado, eu ajudava a levantar o café, cortar um galho ruim. Já trabalhei aqui de todo jeito. Era limpando café, era tudo. Dentro de município de Guaramiranga eu trabalhei em muitos cantos. (...), mas era ruim. A época era ruim...Nesse tempo eu morava na Uruguaiana, eu ganhava 20 mil reis em [19]58, um quilo de feijão era 30. O que é que eu ia comer? Cadê a farinha, cadê o tempero? Nada! A gente escapou porque Deus era bom pai. (ENTREVISTA nº 34)

Entretanto,mesmo atuando em outro município, o vínculo com Guaramiranga permanecia durante a apanha de café – enquanto houve apanha –, pois sempre fora uma opção de renda também para agricultores de municípios próximos, durante a entressafra de seus roçados. Dona Mirtes, 79, sempre se deslocou para obter esta renda extra, enquanto o marido se mantinha em Pacoti, cuidando da casa e dos roçados próprios ou prestando serviço de agricultor para outros.

Dentre todos os irmãos que permaneceram na agricultura, Dona Mirtes, foi a que melhor capitalizou-se, podendo adquirir, além da casa própria, alguns

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hectares de terra onde passou a cultivar com a família (10 filhos) de forma autônoma, provendo a todos e proporcionando renda.

Contudo, apesar do melhor desempenho agrícola, D. Mirtes e seu esposo são os agricultores que melhor ilustram o impacto sofrido pela concorrência com os produtos advindos de propriedades tecnologicamente mais equipadas, pois, conforme afirmam: “A gente trabalhava muito. E se fazia muito legume, mas não tinha valor, num valia nada. A gente fazia uma safra grraaande e se acabava em nada. Num tinha valor.” (ENTREVISTA nº 34).

A baixa dos preços dos produtos agrícolas, devido à concorrência direta com outros mercados, em Guaramiranga e municípios vizinhos,foi mais um fator na fragilização da comunidade agrícola local, bem como de toda a cadeia produtiva e comércio deste município. No relato de Nilde Ferreira, 39, “no final da década de 80 pra década de 90 a atividade agrícola era uma coisa reduzida a roçados, plantio especificamente de milho, feijão, e essa agricultura se concentrava basicamente na região da serra mais próxima ao sertão”(ENTREVISTA nº 37).

Esta realidade impossibilitava a manutenção ou inserção das novas gerações na atividade agrícola local e, diante deste quadro, a vulnerabilidade social promovia constantes deslocamentos de populações rurais para centros urbanos, local ou de cidades próximas, em busca de trabalho, concorrendo para o aumento da favelização ou, em outro caso, uma rotatividade de trabalhadores que passavam a atender chamados profissionais provisórios e vulneráveis em outras cidades, para depois retornarem e novamente mobilizarem-se para nova partida, em atendimento a qualquer oportunidade que surgisse, independente do destino ou da função.

São fluxos migratórios que identificamos nesta pesquisa como um segundo grande êxodo rural: o da horticultura, influenciado tanto pela competição de mercados a partir dos anos 1970-80, quanto pela falta de uma política capaz de implantar estratégias para que as famílias tradicionalmente agrícolas pudessem exercer seu ofício com garantia de retorno financeiro satisfatório,além de assegurar melhoria das condições político-econômicas, sociais e infra-estruturais para estes segmentos rurais de pequeno porte – atualmente denominadas de agricultura familiar27.

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Cabe destacar que este segmento produtivo foi apontado em Estatísticas do Censo Agropecuário do IBGE, de 200628, como sendo o segmento responsável

por 74% do alimento que chega à mesa das famílias brasileiras, enquanto os médios e grandes produtores agrícolas voltam-se notadamente para o mercado externo – como o caso do próprio café cultivado localmente.

Com a evasão do campo perpetuada após esta tentativa frustrada de reestruturação agrícola, sob a modalidade de hoticultura, os imóveis rurais de Guaramiranga estiveram ociosos de sua função produtiva agrícola tradicional, ficando passíveis de atender outras demandas que não as demandas de produção de alimentos, conforme veremos adiante.

28Dados colhidos na cartilha “Agricultura Familiar no Brasil e o Censo Agropecuário 2006”, disponibilizado no site http://pt.scribd.com/doc/60147573/Cartilha-Ibge-Agricultura-Familiar, pesquisada em julho/2012