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C ÓRDOBA : C AFÉ ( OU C INE ) DEL P LATA

De fato, naquele 18 de janeiro de 1923, a programação publicada do Cine del Plata71, em Córdoba72, inclui o anúncio do debut iminente dos Oito Batutas, da seguinte forma:

70 Diferentemente dos jornais de Córdoba, Río Cuarto, Chivilcoy e La Plata, além de Buenos Aires, que consultei em arquivos e hemerotecas das próprias cidades, a única instituição que guarda, em Rosario, o material hemerográfico da época em tela estava fechada, e seu acervo indisponível, durante meu período de campo. Afortunadamente, a Biblioteca Nacional, em Buenos Aires, conserva La Capital, de Rosario, que pude então consultar ali.

71 Na impossibilidade de encontrá-lo pessoalmente quando de minha estadia em Córdoba, seguindo uma sugestão que recebi da diretora do Arquivo Histórico da cidade, comuniquei-me por carta desde Buenos Aires com o historiador Efrain U. Bischoff, nascido em 1912, reconhecida autoridade sobre a história de Córdoba, que respondeu amavelmente ao meu contato. O professor não soube dar notícia sobre a

passagem por lá dos Oito Batutas (quando ele contava com dez anos de idade), mas sobre o Café del Plata, que chegou a freqüentar, escreveu-me: “Cuando a fines de la década de 1910, el gobierno de la

municipalidad, quiso tener un informe de cómo se encontraban dichas salas, se comisionó al ingeniero Marcelo Garlot y a otros funcionarios, quienes respondieron con detalles del funcionamento de esas salas. Es así que el señor Risler, de la Dirección de Edificación, informaba acerca de la confitería donde se ofrecía biógrafo, expresando: '...En esta condición puedo citar el Café del Plata, donde de noche y de tarde a la hora del vermouth hay una aglomeración imensa de público; llegan momentos en que no hay pasillos ni lugar donde moverse. Imagínese lo que sucedería en caso de incendio o accidente con todas esas mesas, sillas, botellas, vasos, etcétera'”. Ainda segundo Bischoff, o Del Plata chegou a intitular-se “el mejor salón de Córdoba” e foi, a seu tempo, “la catedral del varieté”. Efetivamente incendiou-se nos anos 1930, tendo sido reinaugurado em 6 de dezembro de 1946 (Bischoff, 2007, comunicação pessoal).

“Mañana viernes 19, se producirá el debut más sensacional por la magnitud de su conjunto artístico, aplaudido en todos los teatros de América del Sud, 'Los Batutos' [sic], troupe brazileira de cantos, bailes y música típica de aque [sic] país. Seleccionados componentes que el gobierno del Brasil brindara a la delegación argentina en las fiestas del centenario y que tanto elogiara la prensa en general.

Con el debut de 'Los Batutos' [sic], el público de Córdoba tendrá ocasión de admirar la originalidad del verdadero arte regional brasilero” (La Voz del Interior73, Córdoba, 18/01/1923).

Note-se a interessante menção ao fato de que os Batutas teriam sido apresentados à delegação argentina durante as comemorações do centenário da independência do Brasil que, aliás, tiveram uma atenção relativamente ampla da imprensa argentina. Segundo as fontes disponíveis, os integrantes dos Oito Batutas, então recém-chegados de Paris, de fato fizeram parte de uma orquestra organizada por Pixinguinha para participar das comemorações do Centenário, um grande acontecimento, com uma exposição que teve lugar no espaço criado pelo arrasamento do Morro do Castelo74, onde vários prédios foram construídos especialmente para o evento, na região central da cidade do Rio de Janeiro. A orquestra apresentou-se no pavilhão da General Motors durante os dias da Exposição75. Não encontrei, na bibliografia, qualquer menção a uma apresentação “oficial” dos Batutas a uma importante cidade da Argentina. Sua importância histórica como centro universitário está relacionada à presença de ordens religiosas como a Companía de Jesus. Ali foi criada a primeira universidade da Argentina, em 1613. Em 1918 a cidade foi palco de um movimento estudantil que resultou na Reforma Universitaria de Córdoba (sobre a reforma, cf. Chiroleu, 2000). O Censo Nacional de 1914 registra na cidade uma população total de 134.935 hab. (INDEC, SD). Sobre a vida teatral em Córdoba no início do séc. XX – com exclusão das varietés –, conforme Frega et alli (2004).

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Jornal fundado em 15 de março de 1904 e que segue em circulação (Ulanovsky, op. cit.: 52). Era um periódico politicamente alinhado ao radicalismo e seu primeiro diretor foi Juan D. Nasso Prado. Outro jornal importante que circulava na época na cidade de Córdoba era Los Princípios, fundado em 1894 sob a direção de Juan M. Yániz y Paz, “con el sagrado deber de difundir sanas ideas y principios de orden”, conforme seu primeiro editorial (Bischoff, 1970, Tomo III, p.187). Consultei Los Princípios para o período da temporada dos Batutas em Córdoba, sem encontrar qualquer referência à troupe brasileira.

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A destruição do Morro do Castelo, que teve na preparação da Exposição do Centenário uma de suas principais justificativas, foi um episódio até hoje cercado de controvérsias. Envolveu o desalojamento da população que vivia no Morro, no contexto de um afã de modernização urbanística que mudou bastante a paisagem da Capital Federal nas primeiras décadas do século XX. Para um interessante estudo, ricamente ilustrado, sobre este episódio, conforme Santos (2000). O prédio onde funciona hoje a sede da Praça XV do Museu da Imagem e do Som é um remanescente dos pavilhões construídos para a Exposição do Centenário.

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Cf. Cabral (op. cit.: 102-103). Silva e Oliveira Filho (op. cit.: 70) incluem a informação de que os Batutas, durante a Exposição, ter-se-iam apresentado também na Embaixada Americana.

representantes argentinos. O único dado que talvez aponte neste sentido é a afirmação feita pelo empresário José Segreto, na sua já citada carta ao cônsul brasileiro em Buenos Aires, de que as primeiras negociações entre o empresário argentino Humberto Cairo e os Oito Batutas (especificamente na pessoa de China, segundo Segreto) teriam contado com a intermediação do cônsul argentino no Brasil. Não é descartada, portanto, a hipótese de que um primeiro contato entre este cônsul e os Batutas tenha acontecido na Exposição. Da mesma forma, não encontrei quaisquer indícios de alguma eventual participação dos Oito Batutas em eventos oficiais na Argentina envolvendo relações diplomáticas entre os dois países76.

Mas, voltando a Córdoba, temos que, no dia seguinte, o anúncio da estréia, publicado na seção “Teatros” do mesmo jornal, já leva corrigido o nome do conjunto, e dá notícia de que os Batutas seguem acompanhados por Les Zuts:

“LOS 8 BATUTAS – Hoy debutarán en El Plata – En el salón del Cine- Bar-El Plata debutará esta noche un número originalíssimo, denominado 'Los 8 Batutas'. Dicha atracción se especializa en los bailes y canciones típicas brasileras, consistentes en fados, zapateados, gatos77 y maxixas. Acompañan a 'Los 8 Batutas' la pareja de bailarines 'Zust', compuesta por Sofía de González y Tomasito, los cuales se dedican a las maxixas fantasías de salón y números de cabaret” (La Voz del Interior, Córdoba, 19/01/1923).

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Neste sentido, é interessante notar que, em sua viagem a Paris, os Oito Batutas tinham contado com o apoio, entre outras figuras influentes, do então Ministro das Relações Exteriores brasileiro, Lauro Müller, e do milionário Arnaldo Guinle. Embora aquela viagem não tenha tido um caráter oficial de representação diplomático-cultural, as controvérsias veiculadas na imprensa em torno dela, em grande parte a tomaram como se fosse (Cf. Menezes Bastos, 2005). Não encontrei vestígios de alguma provável participação, seja de Müller, seja de Guinle, na ida dos Batutas à Argentina. Minhas consultas à Embaixada e ao Consulado brasileiros naquele país redundaram sempre na orientação de que quaisquer documentos que pudessem existir a este respeito estariam guardados no Brasil. Foi desta forma que cheguei – e somente a elas – às duas cartas citadas no Prelúdio, obtidas no Escritório de Representação do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro, através da colaboração do Sr. José Luiz Barros de Miranda.

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O gato é um gênero tradicional de música e dança característico da região do noroeste argentino,

especialmente da província de San Juan, fronteiriça com o Chile. A música é cantada a uma ou duas vozes com acompanhamento de violões ou, mais raramente, apenas instrumental, com acordeom e violão. Os dançarinos formam pares separados. Cf.

http://www.fundacionbataller.org.ar/enciclopedia_visual/paginas/ritmos_folkloricos.php, consultado em 23/08/2009.

Note-se a diferença nos nomes dos dançarinos, que haviam sido declarados como Sofia Gonçalves e Antonio Gonçalves às autoridads imigratórias. Outro ponto importante que aparece neste anúncio é a qualificação do maxixe (que troca de gênero em espanhol, virando “maxixa”) como uma “fantasia de salão”. Já vimos acima, inclusive, menções à inclusão do maxixe entra as danças com as quais se realizavam concursos78. Não sei a que vem a inclusão, na nota, de gatos no repertório dos Oito Batutas.

Ainda no dia 19, a seção “Espectáculos” dá a programação completa do Cine del Plata, com destaque para os Batutas:

“Cine del Plata – Para las funciones de hoy se ha confeccionado un interessante programa de notables films y más del sensacional debut de la troupe 'Los Batutos' interesante número de varietés en cantos, bailes y música regional del Brasil.

En la sección café, 'El telón de seguridad', drama en 7 actos por Norma Talmadge.

En la seción vermouth, 'La línea del corazón' drama en 7 actos por Leah Baird y el muy interesante debut de 'Los Batutos', número de bailes, cantos música regional [sic].

Por la noche, 'Noticiario Universal' natural en 1 acto; 'La línea del corazón' y a continuación se presentarán nuevamente 'Los Batutos'” (La Voz del Interior, Córdoba, 19/01/1923).

Os Batutas seguem em Córdoba, em cartaz nas seções vermouth e noite79 do Cine El Plata, até o dia 23 de janeiro, sendo que no dia 20, na seção noite, anuncia-se uma renovação do repertório. No cabo da temporada, a programação daquela sala de espetáculos aparece assim:

“Cine del Plaza [sic] – En las funciones de hoy, se pasará el siguiente programa de films:

En seción café, 'Elegancia a plazos', cómica en 1 acto y 'Bajando los humos', comedia en 6 actos por Wanda Hawley.

En seción vermouth, 'Bien por bien', drama en 3 actos, por Neal Hart. 'La señal de peligro', drama en 3 actos por Helen Gibson, y última función de

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Neste ponto, há uma diferença com relação ao contexto europeu, onde o maxixe, não era classificado como uma dança “standard”, ou seja, apropriada para concursos (Menezes Bastos, comunicação pessoal).

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A seqüência café – vermouth – noite parece marcar uma periodização seqüencial da jornada de espetáculos. Não disponho de mais dados sobre a que horas do dia correspondem estas seções.

'Los Batutas' [sic] celebrado número de cantos, bailes y música regional brasileña.

Por la noche, 'Elegancia a plazo', muy cómica en 1 acto; 'El emporio balneario', cómica en 2 actos; 'Bien por bien', drama en 3 actos por Neal Hart; 'La señal del peligro', notable drama en 3 actos por Helen Gibson y por última vez se presentarán 'Los Batutas' número de cantos, bailes y música regional del Brasil” (La Voz del Interior, Córdoba, 23/01/1923). Note-se que os artistas brasileiros são anunciados apenas como “Los Batutas” (sem o “8”). Esta designação do grupo, sem precisar o número de integrantes, permanecerá aparecendo assim nos jornais até que a troupe deixe a província de Córdoba, depois de passar por Río Cuarto, e reapareça na de Buenos Aires. Com isto, estão todas as referências que pude obter sobre os Batutas – e Les Zuts – na cidade de Córdoba. De maneira semelhante aos registros da passagem do grupo por Rosario, nota-se que não houve, além dos anúncios de caráter publicitário, um maior interesse dos jornais locais em fazer críticas e comentários à maneira daqueles que apareceram na imprensa portenha quando de sua estréia no Empire.