• Nenhum resultado encontrado

A CASA PIA DE ÓRFÃOS DE SÃO JOSÉ (CASA PIA E COLÉGIO DOS ÓRFÃOS DE SÃO JOAQUIM)

4. REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA

4.2 A CASA PIA DE ÓRFÃOS DE SÃO JOSÉ (CASA PIA E COLÉGIO DOS ÓRFÃOS DE SÃO JOAQUIM)

Na Bahia, a Casa Pia de Órfãos de São José foi uma instituição criada no final do século XVIII por iniciativa do Irmão Joaquim,15 para acolher crianças sem amparo familiar, proporcionar um ofício, além de oferecer o ensino de música. Tal ensino musical se iniciou de

14

Luiz Edmundo, A Corte de d. João no Rio de Janeiro (1808-1821), Rio de Janeiro, Conquista, 1957.

15 O catarinense Joaquim Francisco do Livramento tornou-se muito conhecido na Bahia, pelo vulto de sua obra. Muito cedo havia entrado para a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito (1782). Em seguida, requereu admissão na Ordem 3ª de São Francisco e alcançou do provincial a faculdade de andar de hábito descoberto, isto é sem capuz [ou seja, um leigo e não religioso]. Passou a ser conhecido então como Irmão Joaquim. Estudioso, desde muito jovem, da doutrina cristã e franciscana, dedicou toda a sua vida a andar pelo Brasil, exercitando a caridade para com os necessitados, comportamento muito valorizado em sua época. (MATTA, 1996, p. 33)

forma complementar ao aprendizado de um ofício e das regras de convívio social que eram transmitidas para os aprendizes da instituição. Segundo Fontes, o Irmão Joaquim, catarinense leigo, era membro da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito, assim como da Ordem 3ª de São Francisco.

Passando pela Bahia em 1796, comoveu-se com a situação de mendigos e vadios da cidade, especialmente crianças, e passou a trabalhar e pedir contribuição para a construção de um seminário ', que abrigaria órfãos. Sua proposta encontrou forte apoio da população de Salvador, especialmente dos comerciantes. Em pouco tempo, [...] o orfanato estava criado, com sede própria e recebendo asilados. O Colégio de órfãos recebeu apoio devido à sua proposta: transformar menores vadios e desordeiros em cidadãos e trabalhadores necessários úteis. (MATTA, 1996, p. 13)

A acolhida foi tão boa que, segundo Matta ―em apenas três anos, o Irmão Joaquim conseguiu ajuda de particulares, adesão de cidadãos influentes, autorização da Rainha D. Maria I e apoio do poder público‖ (MATTA, 1996, p. 34). Após conseguir a autorização da Rainha para recolhimento de donativos, percebeu como resultado o aumento de doações, o que possibilitou, no dia 16 de agosto de 1799, que o Irmão Joaquim comprasse e instalasse a Casa de Órfãos da Bahia ―numa casa próxima à capela de São José do Ribamar, freguesia de Santo Antônio Além do Carmo‖. (MATTA, 1996, p. 37)

O orfanato prosperou e, quatro anos mais tarde (16 de julho de 1803), recebeu um atestado do Cabido da Catedral Metropolitana que confirmava o zelo com que o Irmão Joaquim recebia as esmolas e administrava o orfanato, onde recolhia menores desamparados e, com a ajuda de um sacerdote, os instruía na doutrina cristã, fazendo-os aprender as primeiras letras com um professor pago. (MATTA, 1996, p. 34)

Matta também ressalta a importância do reconhecimento do trabalho desenvolvido pelo Irmão Joaquim por parte do Cabido da Catedral Metropolitana, o que provavelmente teria contribuído para o reconhecimento oficial, a autorização e aprovação do Príncipe Regente D. João, para o funcionamento da Casa,

E, mais ainda pedisse ao governador que dispensasse cuidados ao orfanato (17 de outubro de 1803). Em decorrência o governador, D. Fernando José de Portugal, nomeou no ano seguinte, o Irmão Joaquim administrador da Capela de São José do Ribamar e das seis casas do seu patrimônio, vizinha à sede até então utilizada pelos órfãos. Quando o Irmão se transferiu para a Capela, levou consigo 40 meninos do orfanato. (MATTA, 1996, p. 40)

Depois de a Casa Pia ser reconhecida pela Coroa em 1803 e do Irmão Joaquim ser promovido a Diretor da mesma em 1807, ele requereu que a administração da instituição fosse transferida para o Arcebispado Soteropolitano. Segundo Matta, uma carta régia de dezembro de 1808 informa que a instituição ―passou a se chamar Casa Pia de Órfãos de São José e a ter sua administração confiada à Ordem Religiosa do Arcebispado da Bahia‖ (MATTA, 1996, p. 41). Mesmo desconhecendo as motivações que levaram o Irmão Joaquim a tal requerimento a Casa Pia permaneceu sob a administração do poder eclesiástico por um período de dez anos, de 1808 até 1818.

Sempre de acordo com Matta (1996, p. 42), em 1811 já acontecia o ensino de música na Casa Pia de Órfãos de São José, juntamente com o ensino das primeiras letras e gramática latina. Porém o referido ensino foi suspenso durante o período em que a instituição passou por dificuldades econômicas levando à demissão do professor de música. (Cf. MATTA, 1996, p. 60)

Confirmando a presença do referido ensino de música, a edição fac-simile do

Almanach para a cidade da Bahia, de 1812, ainda informa que o Reitor nomeado pela

Diocese foi ―o Padre Mestre Fr. Sebastião de S. Anna, Missionario Apostolico, e Religioso dos Menores Reformados de S. Antonio‖ (ALMANACH, 1812, p. 239) sendo o seu substituto o Pe. Francisco Gomes de Souza. O Almanach acrescenta que ―O número de Meninos órfãos actualmente sustentados pela Casa he 24. Admittem-se também Porcionistas [sic] de que actualmente ha cinco, e estes pagão annualmente 120$000 reis, sendo sustentados, e ensinados como os órfãos‖. (ALMANACH, 1812, p. 239)

Posteriormente, em 1818 D. João VI revogou a carta régia de 1808, o que fez com que a Casa Pia passasse a ser administrada pelo governo da Província, o que contou com o apoio dos comerciantes de Salvador que já estavam interessados na existência e atuação da Casa Pia. Ainda segundo Matta, ―O Colégio teria tido uma grande importância na formação dos novos trabalhadores e de um novo conceito de trabalho na cidade, o que torna clara sua importância para as classes dominantes da época e explica todo o interesse manifestado pelos governantes e poderosos sobre ele‖. (MATTA, 1996, p. 175)

Ainda segundo Matta, ―com exceção das aulas de desenho e música, a formação profissionalizante dos menores estava a cargo de mestres particulares em suas oficinas, que os treinavam sob o ‗pátrio poder da Casa‘, pois a Casa continuava responsável legal pelos menores até sua maioridade‖. (MATTA, 1996, p. 132-133)

No ano de 1819 foram organizados os primeiros estatutos da instituição, nesse período foi eleita a primeira Mesa Administrativa da Casa, na qual fazia parte deste grupo o Governador da Bahia, o Conde da Palma. Os referidos estatutos foram aprovados em 17 de fevereiro de 1821 e, em 1825, inaugurou-se a nova sede do orfanato no antigo prédio do noviciato dos Jesuítas, um prédio abandonado, mas suntuoso. A partir desta época o orfanato passou a se chamar Casa Pia e Colégio de Órfão de São Joaquim, em homenagem ao seu fundador. (Cf. MATTA, 1996, p. 44-45)

Sobre este período Matta afirma que

A partir de 1825, quando da mudança dos 28 menores de São José para São Joaquim, os dados relativos às crianças, seu ingresso, sua formação e destino, são detalhados e contínuos. Pode-se então examinar o papel da Casa Pia como formadora e fornecedora de mão-de-obra especializada. (MATTA, 1996, p. 48)

Assim, a Casa Pia passou a receber mais recursos do Estado a partir do ano de 1828, época em que foi organizado o seu segundo estatuto. Nesse sentido, o autor afirma que para o aumento dos recursos também poderia ser citada a administração de vários bens imóveis, ―Foi assim que o orfanato passou a administrar os bens das religiosas de Santa Tereza (06 out. 1837) e os do Hospício de Jerusalém (10 set. 1831)‖ (MATTA, 1996, p. 51). Tal situação de benefícios concedidos por parte da então Corte Imperial, parece ser a causa da aclamação do Imperador Pedro I, no início do Estatuto de 1828, como ―protetor da Casa Pia de órfãos de São Joaquim‖. (MATTA, 1996, p. 50)

Em 1832, o orfanato passou por grande crise financeira, que foi reflexo da crise que atravessava o País e a Província. Em 1859 recebeu a visita de D. Pedro II, o que demonstrava o prestígio da instituição. Em 1863, os Estatutos foram alterados, sem alterar a relação da instituição com o Governo da Província. (Cf. MATTA, 1996, p. 54)

As aulas de música só se tornaram mais importantes a partir da década de 1870 quando foi criada uma banda de música. ―A fundação das oficinas [de tipografia e sapataria] coincidiu com o crescimento da importância das aulas de música, e a formação de uma banda. Era o início de uma nova fase da Casa Pia, com oficinas para treinar os órfãos dentro do Colégio‖ (MATTA, 1996, p. 133). Essa banda se tornou bastante conceituada, o que conseqüentemente fazia com que ela fosse convidada para se apresentar em eventos importantes como no hipódromo da cidade de Salvador, ou no Recôncavo.

Acerca do ensino de música, Mello (1908) comenta que a Casa Pia e Collegio dos Órphãos de S. Joaquim foi uma escola que tanto formou célebres músicos executantes de instrumentos de sopro, quanto mestres de banda, bem como compositores de música militar. O autor se refere a esta casa como sendo o estabelecimento onde recebeu a sua formação musical, tornando-se, posteriormente, professor da instituição quando introduziu o ensino de violino e noções de canto. (Cf. MELLO, 1908, p. 293-294)

A Casa Pia dos Órfãos de São Joaquim foi uma instituição criada em âmbito leigo e que logo conquistou o reconhecimento e apoio da Coroa, o que a tornou uma instituição amparada pelo poder público. Posteriormente a administração dessa instituição passou por um período sob a gestão da igreja católica, o que a transferiu para o âmbito eclesiástico. Em seguida, a instituição voltou para a administração do Governo da Província, quando recebeu o apoio dos comerciantes de Salvador, retornando para o âmbito público. Considerando o reconhecido gosto pela música historicamente manifesto pelos monarcas da Casa de Bragança, esse ir e vir da administração de uma instituição que incluía o ensino de música entre o poder público e o eclesiástico, pode ter sido uma das motivações que, segundo discutiremos a seguir, levaram D. João a criar a Cadeira de Música na Bahia exclusivamente em âmbito público, desvinculada assim da Igreja e, como veremos, assim mantida até a sua extinção.