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4. REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA

4.1 O ENSINO DE MÚSICA NO BRASIL ATÉ FINAIS DO SÉCULO X

Os primeiros jesuítas no Brasil, chegados em 1549 com Tomé de Souza, por volta da segunda metade do século XVI, com a intenção de converter os nativos ao cristianismo, usaram a música e o seu ensino, no processo de catequização dos índios, em que lhes foram

ensinadas ―orações e outros textos cristãos cantados, tanto na ‗língua brasílica‘ quanto em línguas ibéricas, ou seja, o português e o espanhol‖. (CASTAGNA, 2004, p. 2)

De acordo com Perrone e Cruz, o padre Antônio Rodrigues (Lisboa, 1516 – Rio de Janeiro, 1568), um jesuíta que veio para a Bahia no ano de 1556, foi um dos iniciadores no processo de transmissão de conhecimentos musicais para os índios, em virtude de ter fundado diversos aldeamentos nas vizinhanças de Salvador10. (Cf. PERRONE; CRUZ, 1997, p. 1)

Por esse tempo, os tupinambás treinados nas escolas de cantar, ler e contar já vinham dos aldeamentos para fazer música polifônica no Colégio de Salvador, sendo capazes de ler música e de tocar instrumentos diversos, além de cantar em solo ou em conjunto, misturando música vocal com instrumental, no que tudo indica semelhante à maneira renascentista européia. (PEIXOTO, 1946, p. 22)

Segundo Azevedo, a tradição do ensino de música no Brasil, desenvolvida nos estabelecimentos da Companhia de Jesus foi uma prática que perdurou por durante duzentos anos. Padres como Antônio Rodrigues e Antônio Dias, no século XVI, e Diogo da Costa, no século XVII, foram considerados como excelentes professores de música. Ainda segundo o autor, tal ensino ―atingiu maior complexidade e perfeição na Fazenda de Santa Cruz11

, situada perto do Rio de Janeiro‖. (AZEVEDO, 1956, p. 13)

No período colonial, segundo Duprat o músico instrumentista, compositor, cantor e mestre de capela tinha como mercado de trabalho as igrejas, onde tinham como principal atividade profissional a música religiosa, que poderia acontecer dentro ou fora da igreja e estar ou não, ligada a algum tipo de cerimônia. Nesse contexto o autor ressalta que o centro de todas as atividades era o mestre de capela que exercia as funções de compositor, regente, executante e responsável pelo ensino dos moços do coro. (Cf. DUPRAT, 1975, p. 98)

Segundo Diniz, os mestres de capela eram responsáveis por preparar as vozes e os instrumentos que iriam se apresentar em celebrações religiosas de caráter litúrgico ou não, além de organizar a participação dos referidos grupos em diversas ocasiões, bem como as

10 Segundo Almeida, outras ordens religiosas também contribuíram para o ensino de música no Brasil, a exemplo dos Carmelitas e Mercedários, que atuaram como professores, sobretudo na Amazônia a exemplo de Tefé e Barcelos. (Cf. ALMEIDA, 1942, p. 290)

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A Fazenda de Santa Cruz teve origem na sesmaria de Guaratiba, doada em 1567, ao primeiro ouvidor do Rio de Janeiro, Cristóvão Monteiro. Com sua morte, parte das terras foi doada aos jesuítas em 1589. Localizada em uma região estratégica, a fazenda se tornou um centro de atividades agrícolas e pecuárias no final do século XVIII, fornecendo gêneros alimentícios tanto para o colégio dos jesuítas em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, quanto para serem comercializados no mercado local e europeu. ARQUIVO NACIONAL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Coordenação-Geral de Gestão de Documentos-Coged. MAPA – Memória da Administração Pública Brasileira. Disponível em: < http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2242>. Acesso em 13 Fev. 2012.

orquestras que geralmente estavam sob a responsabilidade do mestre, geralmente se desempenhavam bem. (Cf. DINIZ, 1986, p. 23)

A orquestra do mestre de capela, ou mesmo de diretores de música, pertencentes à Irmandade de S. Cecília, conseguia sempre satisfatório desempenho em suas apresentações em Missas solenes, ou apenas cantadas, em Te Deum, em ofícios de Vésperas e Matinas, em motetos dos Sermões Quaresmais, em procissões de oragos ou padroeiros, ou procissões outras como a do Triunfo, dos Ossos, dos Fogaréus, em Mementos fúnebres, em funerais e ofícios exequiais. (DINIZ, 1986, p. 23)

Tal resultado foi obtido a partir da organização e execução de um repertório que era renovado, em virtude de certa competitividade entre as muitas orquestras que estavam sob a responsabilidade de um mestre de capela. Ainda segundo Diniz, em locais onde não tinha um mestre de capela, este geralmente era substituído por um organista ou um diretor, que exercia a mesma função do mestre. (Cf. DINIZ, 1986, p. 23)

De acordo com José Maria Neves ―No período colonial, a atividade musical era diretamente sustentada por organismos atuantes no plano civil e religioso‖ (NEVES, 1979, p. 94), embora o ensino de música parecesse ser realizado apenas no âmbito das instituições eclesiásticas. De acordo com Almeida ―em 1739, fundou-se no Rio de Janeiro um Seminário de órfãos e nele se estabeleceram cursos de latim, música e cantochão. Em todos os colégios de padres havia aula de música e a Artinha acompanhava a Cartilha do A. B. C.‖ (ALMEIDA, 1942, p. 293).

Conforme Mello, o geógrafo italiano Adriano Balbi (1782-1846) afirmou que na Fazenda de Santa Cruz existia um Conservatório dos Jesuítas12, instituição resultante da atuação desses religiosos na fazenda. Era ―um tipo de conservatório de música estabelecido, já há muito tempo [...], destinado unicamente ao ensino de música aos escravos‖ (MELLO, 1908, p. 157). Azevedo ressalta que nessa instituição, não eram mais os índios os aprendizes, mas os ―negros escravos que tinham orquestra, coros, desincumbiam-se da parte musical dos ofícios sacros e representavam pequenas óperas‖ (AZEVEDO, 1956, p. 13). Segundo Cavalcanti, o Pe. José Maurício ―foi discípulo do Conservatório do Rio de Janeiro, fundado pelos Jesuítas e destinado a educação musical dos negros‖. (CAVALCANTI, 1898, p. 4)

12 A ―instituição‖ de ensino de música, estabelecido na Fazenda de Santa Cruz foi descrita por Antônio Balbi, se encontra em Mello (1908), com os nomes de Escola dos Jesuítas em Santa Cruz, bem como Conservatório dos Negros e Conservatório dos Jesuítas. (Cf. MELLO, 1908, p. 157)

Após a expulsão dos Jesuítas do Brasil, a referida fazenda entrou em declínio, e o Pe. José Maurício assumiu o ensino de música no Conservatório da Fazenda de Santa Cruz, que nesse período passou a ser propriedade da Coroa portuguesa, e, posteriormente casa de campo do Príncipe Regente D. João. Durante o período de festas pela chegada do Príncipe Regente e da Corte em 1808, os alunos do Conservatório se apresentaram, sob a regência do Pe. José Maurício causando a admiração dos ouvintes. (Cf. MELLO, 1908, p. 157-158; Cf. AZEVEDO, 1956, p. 13)

Ainda segundo Mello, após a apreciação e admiração pela perfeição com que ―a música vocal e instrumental era executada pelos negros dos dois sexos, que se haviam aperfeiçoado nesta arte, segundo o método introduzido muitos anos antes pelos antigos proprietários deste domínio‖, D. João e sua Corte ficaram admirados com uma missa realizada na igreja de Santo Inácio de Loyola, em Santa Cruz. (MELLO, 1908, p. 158)

Sua majestade que gosta muito de música, querendo tirar partido desta circunstância, estabelece escolas de primeiras letras, de composição musical, de canto e de muitos instrumentos ahi em Santa Cruz, e consegue em pouco tempo formar entre seus escravos tocadores de instrumentos e cantores habilíssimos. (MELLO, 1908, p. 158)

Ainda segundo Azevedo, algumas composições foram encomendadas especificamente para os músicos de Santa Cruz a Marcos Portugal, compositor português renomado, que tinha chegado ao Brasil em 1811. ―No catálogo de obras de Marcos Portugal, o famoso compositor que veio terminar seus dias no Rio de Janeiro, encontram-se óperas destinadas aos pretos de Santa Cruz, como A Saloia Namorada, de 1812‖. (AZEVEDO, 1956, p. 13)

Mello destaca que, a partir da perfeita execução das peças do referido autor, pelos músicos, alguns foram nomeados músicos das Capelas Reais de Santa Cruz e de São Cristóvão, em que se destacaram como executantes e cantores. (Cf. MELLO, 1908, p. 158)

Apesar de vários autores mencionarem informações sobre o Conservatório de Santa Cruz, e, após várias discussões sobre a existência e prática de tal instituição de ensino musical perdurar por muitos anos, novas pesquisas como a do professor André Cardoso retomam esse tema, trazendo novas informações encontradas em pesquisa documental. Segundo Cardoso (2008), autores como Mello (1908), Cernicchiaro (1926), Paranhos (1940)13, afirmaram a existência do Conservatório de Santa Cruz e sua já mencionada produção, contudo Cardoso ressalta que outros musicólogos questionaram a veracidade de tais informações, entre os quais

Luiz Heitor (1931), Almeida (1942), Edmundo (1957)14, em virtude de tal assunto, não ter comprovações documentais. (CARDOSO, 2008, p. 117)

Segundo Cardoso (2008, p. 118), ―as atividades musicais na fazenda de Santa Cruz sobeviveram à saída dos jesuítas. D. João, em sua primeira viagem à antiga Fazenda, deve ter ouvido algum tipo de conjunto musical. Provavelmente uma pequena banda, talvez um grupo misto não muito definido em sua formação‖. O autor afirma que as condições da fazenda e do grupo musical eram precárias quando, em 1808, D. João realizou tal viagem à fazenda. Também discorda da afirmação de Adriano Balbi, no que diz respeito à produção de composições musicais, porém concordando com a informação que ali existia um conjunto musical composto por negros dos dous sexos. (CARDOSO, 2008, p. 120)

Tanto na Bahia quanto no Rio, a ação dos jesuítas deixou profunda marca não apenas pela conversão dos índios e dos escravos, mas também pela qualidade do ensino de música por eles organizado e realizado. Enquanto na Bahia as aulas de música no Colégio dos Jesuítas atendiam a população indígena convertida ao cristianismo, no Rio de Janeiro os escravos de ambos os sexos eram os beneficiários de semelhante programa de ensino que, já no âmbito do poder eclesiástico ou do poder público, mostrou resultados que satisfizeram a Corte portuguesa de então. Assim, o impacto causado pelo Conservatório de Santa Cruz pode ser avaliado a partir das encomendadas de músicas aos compositores Marcos e Simão Portugal, assim como as contratações de músicos para integrar as Capelas Reais de Santa Cruz e de São Cristóvão.

4.2 A CASA PIA DE ÓRFÃOS DE SÃO JOSÉ (CASA PIA E COLÉGIO DOS ÓRFÃOS