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Os conhecidos Kayapó, autodenominados Mẽbêngôkre o que significa “homens do olho de água” (FUERST, 1971; POSEY, 2002), são um povo indígena pertencente ao tronco linguístico Macro-Jê, família linguística Jê junto com os Akwén (Xakriabá, Xavante e Xerente), Apinayé, Kaigang, Panará, Suyá (Tapayuna) e Timbira (Canela, Gavião Parkateyé, Gavião Pukobiyé, Krahô e Krikati) (ISA, 2016).

Ocupam atualmente uma área total de 13 milhões de hectares em ambas as margens do Rio Xingu, repartidas entre floresta contínua primária e savanas (campo cerrado) ao sul do estado do Pará e ao norte do estado do Mato Grosso (Zimmerman et al., 2001; Schwartzman & Zimmerman, 2005). Por esta razão se encontram espalhados entre as florestas amazônica s e as savanas do Cerrado, porem habitam também nas áreas de transição entre estes dois biomas (LEA, 2012). A área habitada por eles se constitui de dez terras indígenas, entre estas, pelo menos seis são contiguas e as outras quatro se encontram isoladas do resto. Entre as Terras Indígenas (TIs) ocupadas; Badjonkôre, Las Casas, Kararaô, Baú, Kayapó, Xikrin do Cateté, e Trincheira Bacajá estão localizadas no estado do Pará habitadas apenas pelo povo Mẽbêngôkre, as TIs Menkragnotí, Kapôt Nhinore estão localizadas no estado do Pará e Mato Grosso, apenas a TI Capoto/Jarina está localizada só no estado de Mato Grosso e habitada além do povo Kayapó, pelo povo Tapayuna. Destas TIs apenas a TI Kapôt Nhino re está ainda em processo de identificação e além do povo Kayapó, está habitada pelos Yudjá, as TIs restantes já foram homologadas.

Diversos autores que trabalharam com o povo Mẽbêngôkre destacam os diferentes subgrupos que resultaram a partir das cisões de um grupo principal a partir de 18805.

Verswijver (2002) e Jerozolimski et al. (2010) destacam que a inícios do século XIX estavam divididos em três grandes subgrupos, entre os que destacam os Irã'ãmranh-re "os que passeiam nas planícies" que foram extintos na década de 1940, os Goroti Kumrenhtx, ancestrais dos atuais subgrupos Gorotire, Kuben-KranKen, Kokraimoro, Kararaô, Menkragnotí e Metuktire ou "os homens do verdadeiro grande grupo", e os Porekry "os homens dos pequenos bambus" ancestrais do atuais Xikrin. Relatam Jerozolimski et al. (2011) que a origem do povo Mẽbêngôkre parece ter ocorrido na região entre os Rios

5 Para aprofundar sobre a cisão dos Mẽbêngôkre nos diferentes subgrupos ver também Vidal (1977), Turner

Araguaia e Tocantins e a separação dos atuais Xikrin6 do ancestral, dos demais grupos

atuais Mẽbêngôkre, denominados de forma geral Kayapó provavelmente ocorreu há cerca de três séculos, todas as cisões que originaram os atuais subgrupos dos Mẽbêngôkre, ocorreram apenas no início do século XX. Estas cisões fazem parte da dinâmica deste povo, e continuam dando origem a novas aldeias, em todo o território tradicional dos Mẽbêngôkre.

A população estimada dos Mẽbêngôkre, segundo os dados da Funasa em 20107,

incluindo todos os subgrupos, era de aproximadamente 10.456 habitantes (ISA, 2016). Mesmo assim segundo Verswijver (2002) os Kayapó apresentam fortes flutua çõe s demográficas. Segundo ele há pelo menos três décadas que a população Kayapó aume nta de forma constante. Em alguns grupos a população tem aumentado cerca do 5% ao ano. Mesmo assim, este crescimento pode se ver comprometido com a ocorrência de doenças ocidentais que podem se transformar em verdadeiras epidemias. Segundo Villas-Bôas et al. (2014) esta população estava distribuída em mais de 50 aldeias existentes nas TIs ocupadas por eles.

Segundo mencionam Turner (1992) e Lea (2012), os Kayapó tradicionalmente são de hábitos seminômades. No passado havia deslocamentos frequentes entre as aldeia s, principalmente porque estes deslocamentos garantiam o aproveitamento de roças antiga s que não ficassem muito distantes para poder aproveitar os recursos que estas podem oferecer. Estes deslocamentos também estavam associados à vida ritual. Segundo menciona Lea (2012) antigamente as expedições para os acampamentos de caça e coleta poderiam demorar de uma semana a meses, pois as saídas tinham que garantir alime nto durante a festa para a aldeia inteira.

Na atualidade as aldeias Mẽbêngôkre tendem a ser grandes em comparação aos padrões amazônicos, superando hoje uma população de mil habitantes em Gorotire, a maior aldeia deste povo. Organizam-se em aldeias cujo padrão tradicional é um círculo de casas familiares dispostas ao redor de uma praça central na qual se encontra a casa dos homens ou casa dos guerreiros, denominado ngà8, que representa dentro das comunidades o centro

político onde acontecem as reuniões para tomadas de decisão da comunidade, assim como

6 Estabelecidos nas TIs Xikrin do Cateté e Trincheira/Bacajá. 7 Dados atualizados ainda não foram publicados.

8O ngà além de ser o é um espaço masculino onde os homens velhos ensinam aos jovens os trabalhos do seu

também onde é o centro das reuniões quando há festas na aldeia. Em algumas aldeias, as casas são estabelecidas formando um quadro ou retângulo ao redor do ngà. As residênc ia s na aldeia são matri-uxorilocais, ou seja, quando casam, o casal deve morar na casa da esposa com os pais dela, suas irmãs e irmãos (TURNER, 1991; LAS CASAS, 2013).

Segundo Turner (1991) a casa dos homens é o local de residência dos jovens não iniciados e dos solteiros, assim como também o local de reuniões das associações dos homens maduros. É importante destacar aqui que a sociedade Mẽbêngôkre se organiza, como muitas outras sociedades, em diferentes categorias de idade ou como chama Turne r, faixas etárias. Estas categorias estão relacionadas ao tipo de atividades que podem ou sabem realizar, assim como também às diferentes etapas reprodutivas tanto das mulhe re s quanto dos homens.

Assim, numa primeira categoria entram as crianças chamadas mẽprim ou mẽprire; que inclui todas as crianças pequenas de ambos os sexos. Depois dos quatro anos e até seis anos de idade, os meninos entram na categoria mẽ-bokti, entre os oito e dez anos entram na categoria mẽ-be-ngo-dju, seguida da categoria menõrõnyre que contempla os jovens púberes e solteiros. Já as meninas passam da categoria mẽprire à categoria mẽprinti, ou mekurere que são as meninas púberes, consideradas aptas para se casar, mas que ainda são solteiras e não tiveram filhos. Depois do casamento, as mulheres (menire) se organiza m nas seguintes categorias: mekrapdjire, as mulheres que casaram e tiveram filhos, e as mebêngêjte, nesta categoria podem se considerar as mulheres idosas ou que tem vários filhos e netos. Entre os homens (memy) estão os mekrare os homens que já tiveram pelo menos o primeiro filho e considerados homens maduros, e os homens velhos, os mebêngêt que já tiveram vários filhos e netos (VIDAL, 1977; LAS CASAS, 2013).

Lux Vidal (1977) antropóloga que trabalhou desde o final da década de 1960 com os Xikrin de Cateté, um subgrupo Mẽbêngôkre, descreve diferentes subcategorias de idade que vão depender tanto da experiência dentro das atividades a serem executadas na vida cotidiana e no que se refere à vida ritual, assim como também à idade em que é concebido o primeiro filho e os posteriores.

Segundo explicou Patykre Kayapó pertencente à categoria mebêngêt, numa conversa na sua casa: entre os Mẽbêngôkre, o fato de um casal ter muitos filhos e permanecerem juntos até chegar à categoria mebêngêt (no caso dele) e mebêngêjte (sua

esposa) é uma razão para ter orgulho dentro da sociedade Mẽbêngôkre, pois denota que o casal tem muita força, experiência, são fortes (tyx), ou seja, no decorrer das suas vidas os dois têm adquirido muitos conhecimentos que podem repassar aos mais novos, e desta maneira contribuem à manutenção e fortalecimento da cultura. Também o fato de uma mulher parir muitos filhos demonstra que é uma mulher muito forte e conseguiu criar bem seus filhos. No caso dos homens, o fato de manter todos seus filhos está relacionado a que o pai conseguiu prover de proteínas a família. Por estas razões ganham respeito na aldeia, e são considerados maduros e com experiência. O fato contrário pode ser motivo de desprestigio.

Segundo Lea (2012) no passado, as aldeias na sua estrutura apresentavam duas casas dos homens, as duas localizadas dentro da aldeia nos lados oriental e ocidental do centro da mesma; organização que poderia estar relacionada aos diferentes grupos ou turmas de homens encabeçados por um líder ou cacique pertencendo cada grupo a uma "turma", o que poderia estar relacionado a facções ou simplesmente separação entre categorias de idade. Destaca a autora que este padrão não se observa mais nas aldeias atuais9, e

argumenta que este fato pode se dever a que ao iniciar uma nova aldeia a partir de uma cisão, as aldeias não costumam ser populosas, razão pela qual não é necessária a construç ão de duas casas dos homens.

Jerozolimski et al. (2011) ressaltam que no passado as cisões das aldeias eram ocasionadas por conflitos entre grupos sob o comando de algumas lideranças, que em geral foram desencadeados por acusações de feitiçaria, ciúmes, conflitos sobre decisões relacionadas a guerras com outros subgrupos Kayapó ou outras etnias. Também se relacionam com as decisões sobre mudanças das aldeias procurando localidades com maior abundância recursos.

Ressalte-se que depois do contato regular com a sociedade envolvente, novas tensões passaram a influenciar a dinâmica das cisões entre as aldeias (JEROZOLIMSKI et al., 2011; LEA, 2012). Estas relações com a sociedade envolvente verificaram-se a partir das primeiras relações com o mercado.

Lux Vidal (1977) menciona que já na década de 1970 os Xikrin do Cateté comercializavam a castanha-do-Brasil. Esta comercialização era possível através do

auxílio da Funai, o que representava para eles uma oportunidade para a aquisição de bens não indígenas. Mesmo assim, todo o processo de venda e aquisição de objetos era mediado pelo órgão indigenista (JEROZOLIMSKI et al., 2011).

Por outro lado, os autores citados acima destacam, que com a expansão das frente s nacionais, e o início da ocupação dos territórios em torno de suas aldeias, alguns Kayapó começaram a trocar artesanatos e outros produtos da floresta, com os ocupantes das fazendas estabelecidas no entorno das aldeias. Assim, o acesso a recursos naturais com valor comercial ou de troca passaram a influenciar novos processos de cisão (JEROZOLIMSKI et al., 2011).

As mudanças nas dinâmicas territoriais se acentuaram no começo da década de 1980, pois começou nos territórios ocupados pelos Kayapó, principalmente na TI homônima, o auge das atividades garimpeira e madeireira. A exploração de ouro teve uma retração no início da década de 1990. Porém, com uma intensificação da exploração do mogno (Swietenia macrophylla King) voltou a crescer rapidamente. Como consequê nc ia deste rápido crescimento, até as comunidades mais isoladas geograficamente se envolveram nestas atividades (JEROZOLIMSKI et al., 2011).

A participação dos Kayapó em atividades predatórias como a extração de ouro e madeira, levantou muitas polêmicas, principalmente porque os Kayapó eram considerado s um "povo ecológico" pela luta para o reconhecimento dos direitos indígenas , assim como também da conservação tanto ambiental quanto dos territórios tradicionais onde tivera m uma participação emblemática em oposição à construção da Usina Hidroelétrica (UHE) Kararaô, hoje UHE Belo Monte (LÓPEZ GARCÉS et al., 2015; DE ROBERT, 2006). Mesmo assim, segundo de Robert (2006), os Kayapó se envolveram em ditas ativid ade s porque quando a madeira explorada não era vendida, muitas vezes os madeireiros a roubaram. Depois de vários anos estas atividades pararam, tanto pela vontade dos próprios Mẽbêngôkre, como também pela escassez dos recursos.

Devido a estes eventos os Kayapó se sentiram ameaçados, fato que levou à criação com apoio da FUNAI de postos de vigilância (PVs), e que com o decorrer do tempo, alguns destes se converteram em aldeias. Desta maneira, também com apoio da FUNAI aos poucos foram introduzidos novos elementos às aldeias, como são, por exemplo, postos de saúde, escolas e pistas de pouso, o que acabou por estabelecer a sedentarização deste povo

(JEROZOLIMSKI et al., 2011; LEA, 2012). O fato da sedentarização, como também as novas relações com a sociedade envolvente, estimularam a aquisição de novos bens de consumo.

Depois de todos estes eventos com o envolvimento dos Kayapó com ativida de s predatórias, começaram a buscar apoio para geração de renda com atividades sustentáve is, principalmente através da criação de associações indígenas com as quais têm fortale c ido principalmente o comércio da castanha-do-Brasil e, na atualidade, o artesanato. Ao mesmo tempo, passaram a ter um maior controle destas atividades (JEROZOLIMSKI; RIBEIRO, 2011).

Para o desenvolvimento tanto de atividades sustentáveis que garantissem a geração de renda, quanto o desenvolvimento das comunidades em relação à saúde e educação, os Kayapó se organizaram em diferentes associações indígenas. Segundo Inglez de Sousa (2006) no Brasil na década de 1990 começou a criação de associações indígenas entre a maioria dos povos indígenas brasileiros. No caso dos Kayapó, foi apenas depois do ano 2000 que a maior parte das associações foram criadas, pois no ano 1998 apenas tinha sido formalizada uma associação na cidade de Redenção, no sudeste do Pará. De Robert (2010) menciona que houve uma "multiplicação de associações indígenas" na década de 2000 as quais se estabeleceram como novas alianças para o desenvolvimento local e sustentá ve l. Mesmo assim, foi levantado por Villas-Bôas et al. (2014) que atualmente há três associações desenvolvendo projetos com as aldeias das Terras Indígenas Kayapó: a Associação Floresta Protegida (AFP) que atua na TI LAS Casas nas três aldeias que a TI tem, na TIK em 20 aldeias e, uma aldeia da TI Menkragnoti representando no total 24 aldeias. O Instituto Kabu (IK) que representa duas aldeias da TI Baú e cinco na TI Menkragnoti, e o Instituto Raoni (IR) que representa três aldeias da TI Menkragnoti e 12 na TI Capoto/Jarina.

Mesmo assim, continuam existindo associações nas diferentes aldeias. Porém, como relataram Villas-Bôas et al. (2014), elas não possuem endereço físico ou estão inativas. A aldeia Las Casas, além de fazer parte da AFP, faz parte da associação indígena Ngonh- rôrô-kre, da aldeia Las Casas Tekrejarôti-re através da qual funcionam os projetos relacionados à saúde, à educação e venda de artesanato.

Outro papel importante das associações indígenas é o desenvolvimento dos planos de gestão territorial e ambiental das Terras Indígenas. Estes planos são executados nas terras indígenas através das associações, em cumprimento da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), fornecendo ferramentas tanto para a gestão de recursos quanto para a proteção do território ocupado pelos povos indíge na s que vem sofrendo ameaças pelas diferentes frentes de expansão, principalmente na Amazônia. As aldeias da TI Las Casas nos anos 2014 e 2015 iniciaram o plano de gestã o territorial através da AFP, o qual deve ser finalizado ainda em 2016.

4 OCUPAÇÃO E DINÂMICA DE USO DO SOLO NO TERRITÓRIO

TRADICIONAL DOS MẼBÊNGÔKRE-KAYAPÓ DE LAS CASAS: DO