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6 A ECONOMIA DOS M ẼBENGÔKRE-KAYAPÓ DA ALDEIA LAS CASAS: DOS

6.4 Experiências na aldeia Las Casas com a comercialização do artesanato: das parcerias com o Museu Paraense Emilio Goeldi, a Funai e o Museu do Índio aos

projetos Mẽkunhêre e Me à yry Las Casas

6.4.1As parcerias estabelecidas através do Museu Paraense Emilio Goeldi

A partir da primeira visita na aldeia Las Casas em agosto de 2010 para começar os contatos pensando em desenvolver pesquisas no âmbito do projeto INCT “Laboratório de Práticas sustentáveis em Terras Indígenas próximas ao arco do desmatamento” desenvolvido através do MPEG, as solicitações de contrapartidas da comunidade para a

realização da pesquisa foram sempre as mesmas, ajudas na comunidade para encaminhar projetos de geração de renda com os recursos abundantes na TI Las Casas.

Em 2010, só havia uma aldeia na TI Las Casas53, a aldeia Las Casas ou como

denominada pelos Kayapó Tekrejarôti-re, então o planejamento era mais tranquilo no sentido da organização de algum projeto para as demandas da comunidade. Desta maneira, foi solicitado apoio para criar algum projeto para a comercialização de artesanato, babaçu, pequi e buriti.

Por esta razão, a minha pesquisa de mestrado foi direcionada ao levantamento PFNMs e seus usos na TI Las Casas principalmente os usos relacionados à subsistência e as espécies usadas na cultura material e o artesanato comercializado de maneira esporádica, dando ênfase às sementes já que nesse momento havia uma forte tendência à utilização de sementes principalmente nos colares confeccionados e misturados com miçangas; tendência que no decorrer do tempo foi diminuindo principalmente na aldeia Las Casas, ao contrário que na aldeia Moikarakô (TIK) onde ainda os artesãos e artesãs confeccionam colares principalme nte de tento negro o pyxanh-y tykre (Ormosia flava (Ducke) Rudd.). Estas mudanças fazem parte da dinâmica destas atividades entre os Mẽbêngôkre, pois é comum que em ambas as aldeias sejam criados estilos específicos por épocas ou eventos54, mas onde predomina o estilo

distintivo ou a marca Mẽbêngôkre- Kayapó (GONZÁLEZ-PÉREZ et al. 2013; LÓPEZ GARCÉS et al. 2015).

Neste momento que começava a relação com a aldeia Las Casas e visand o estabelecer relações para a comercialização do artesanato em principio na cidade de Belé m, tivemos várias reuniões na comunidade pensando como se poderia organizar o envio de artesanato pelo menos para o Polo Joalheiro São José Liberto onde funciona a Casa do Artesão55, pois nessa loja os Ka'apor da TI alto Turiaçu já comercializavam artesana to

através da associação indígena e com apoio do MPEG. Em São Jose Liberto, os artesãos podem se cadastrar de forma individual através de CPF e conta corrente, ou através pessoa jurídica, geralmente uma associação de artesãos e a conta corrente da associaçã o, que no caso de Las Casas e os Ka'apor da aldeia Xiepihu-rena (TI Alto Turiaçu) é através

53 Atualmente há três aldeias, toda a pesquisa tanto através do MPEG no âmbito no INCT, quanto à pesquisa de

doutorado foi desenvolvida apenas na aldeia Las Casas, isto devido tanto à falt a de recursos, quanto à dificuldade que implicaria obter autorizações perante a FUNAI e IPHAN para trabalhar nas outras aldeias.

54 Como por exemplo, colares criados para as danças durante o aniversário da aldeia, ou os criados para as festas

da virada do ano, onde todas as mulheres confeccionam e usam o mesmo modelo de colar, os quais depois são oferecidos à venda (LÓPEZ GARCÉS et al., 2015).

55 Neste espaço estão cadastrados mais de 600 artesãos do estado do Pará, o objeto deste local é a venda de produtos

da associação indígena que representa a comunidade. Para este primeiro momento, a comunidade de Las Casas não estava convencida de comercializar artesanato através da associação da aldeia Ngonh-rôrô-kre56, pois desde que fundada a associação em 2004, esta

tinha funcionado principalmente para projetos relacionados à saúde, educação, construç ão de hortas comunitárias, e oficinas de costura em parceria com as missionárias católica s estabelecidas em Redenção. Por outro lado, as mulheres até esse momento não tinha m participado dos projetos diretamente ligados à associação. Desta maneira a comercialização de artesanato na aldeia Las Casas continuava sendo uma ativida de esporádica e sem organização. Porém, as contrapartidas e as relações durante o prime iro ano de pesquisa se mantiveram através da troca de presentes que recebemos dos nossos primeiros amigos e parceiros da aldeia.

Desta maneira, no início da pesquisa em Las Casas, cada vez que íamos embora de volta para Belém, recebíamos um presente ou neste caso dádivas, que neste contexto adquiriam o caráter de troca. Comumente recebíamos cestos, colares ou pulseiras em miçangas, prendedores de cabelo, assim como mencionam López Garcés et al. (2015), quem dava o presente manifestava o desejo de possuir algum objeto em troca. Estes eram principalmente dados por mulheres que desejavam vestidos ou bolsas de tecido e mochila s como as que utilizávamos nas nossas saídas pela aldeia, roças e babaçuais.

Desta maneira se fortaleceram amizades e "parcerias", pois segundo destacam López Garcés et al. (2015 p. 674): “mas do que o fato explícito da troca de objetos, este é, fundamentalmente, um ato social na procura por parcerias ou a expressão da perspectiva de continuidade da relação ao longo do tempo”. Porém, ao se consolidarem estas relações já não recebemos presentes com a mesma frequência, mas recebíamos diretamente colares, cestos e outros objetos à venda.

Mesmo que havia um grande interesse pelo planejamento de projetos para a venda de pequi, babaçu e buriti, desde o início das relações com Las Casas, a comunidad e mostrava o interesse de fortalecer a venda do artesanato. Nas primeiras conversações com os moradores da aldeia, em uma conversa com Beti Kayapó, ele manifestou que a melho r ajuda para a comunidade era fortalecer a venda de artesanato, pois era a melhor mane ira para ganhar renda, e por outro lado não precisavam capacitações dos kuben, como acontec ia com os projetos de hortas familiares e as capacitações com os agrônomos, pois depois de

56 Em 2011 a TI Las Casas ainda não tinha sido integrada ao grupo de aldeias que são representadas pela associação

um tempo esses projetos tinham sido abandonados. Segundo ele, desta maneira eles ganhavam dinheiro com o que sabem fazer, aproveitando os recursos que eles têm na TI, e ainda fortalecendo a cultura.

Este pensamento é recorrente também em outros povos indígenas, como é o caso dos Ka'apor da aldeia Xiepihu-rena (TI Alto Turiaçu): o artesanato é o que eles gostam de fazer e não são necessárias as capacitações (LÓPEZ GARCÉS et al. 2015). Na TIK onde são abundantes os castanhais, a coleta da castanha também entra nesta discussão no que se refere à geração de renda. Pois segundo mencionam Jerozolimski e Ribeiro (2011), a coleta da castanha é uma atividade tradicional, sobre a qual os Kayapó têm total conhecimento e domínio, não exigindo como alternativas de geração de renda, processos de capacitação.

Assim, o fato de pensar na geração de renda com o que eles sabem fazer, seja a confecção de artesanato ou coleta de PFNMs como, por exemplo, a castanha ou o babaçu no caso de Las Casas, demonstra a valorização endógena dos saberes e práticas tradicionais tais como a coleta de babaçu e a produção de artesanato como estilo de vida, o que possibilita neste caso as formas de expressão cultural, e de afirmação como sujeitos (LÓPEZ GARCÉS et al., 2015). Por outro lado, a procura de geração de renda se relaciona além da valoração da cultura material destes povos, diz respeito aos contextos ambientais e à disponibilidade de recursos nos diferentes territórios habitados por eles, sejam áreas de floresta de terra firme como é caso da TIK, no Cerrado, ou na transição das florestas amazônicas para o Cerrado no caso da TI Las Casas.

6.4.2 Novas parcerias: A FUNAI, o Museu do Índio e os Projetos Mẽkunhêre e Me à yry Las Casas

6.4.2.1 Mẽkunhêre Las Casas

Em maio de 2011, um representante da FUNAI da Coordenação Regional do Baixo Tocantins em Marabá entrou em contato o MPEG57, devido ao interesse no projeto

desenvolvido por esta instituição nesse momento em Las Casas. Nesse momento o Museu do Índio em parceria com a FUNAI tinha lançado os editais de "Ação de Promoção do Patrimônio Cultural dos povos Indígenas". Já que a proposta do edital era compatível com a pesquisa do MPEG visando práticas sustentáveis e geração de renda, a FUNAI propôs uma conversa com a comunidade da aldeia Las Casas para ver se estavam interessados em

57A FUNAI entrou em contato especificamente com a Antropóloga Dra. Claudia López Garcés, pesquisadora do

CCH-MPEG e coordenadora do Projeto Laboratório de Práticas sustentáveis em Terras Indígenas próximas ao arco do desmatamento”. O qual foi desenvolvido na TI Las Casas, aldeia Las Casas, TIK aldeia Moikarakô e na TI alto Turiaçu aldeias Xiepihu-rena e Paracuí-rena.

participar do Edital e desta maneira construir juntos um projeto. Este edital visava apoiar projetos para resgate da cultura e numa segunda oportunidade poderia se pensar na geração de renda através da comercialização de artesanato para geração de renda. Desta mane ira através das atividades de campo do projeto desenvolvido pelo MPEG; começaram as discussões para participar nele.

A comunidade de Las Casas concordou que esse era o caminho para resgata r costumes que estavam sendo perdidas entre os jovens da comunidade. Assim, em conjunto com a comunidade foi construído o projeto Mẽkunhêre Las Casas o qual tinha entre os objetivos principais promover a produção de cultura material, fortalecer aspectos da cultura material e imaterial Mẽbêngôkre que estavam debilitados ou em perigo de desaparecer, através de oficinas de cultura, assim como promover a geração de renda através da comercialização dos objetos produzidos nas oficinas.

O projeto foi aprovado, com um orçamento que incluía tanto o material para a produção de cultura material, quanto a alimentação durante as oficinas. Por outro lado, já que o projeto foi proposto através da associação indígena Ngonh-rôrô-kre que representa a aldeia nas áreas de saúde e educação, a comunidade chegou a um consenso e decidiu se cadastrar na casa do Artesão em São José Liberto através da associação. Portanto todos os objetos produzidos nas oficinas foram levados para comercializados na casa do artesão em Belém-PA. Assim em março de 2012 foram ministradas as oficinas transmissão de saberes locais sobre diversos aspectos materiais e imateriais da cultura Mẽbêngôkre na aldeia Las Casas.

Num primeiro momento foram organizadas as turmas e os "professores" e "professoras” que iriam ministrar as oficinas. Por outro lado, foram nomeados quatro coordenadores e quatro coordenadoras, que em princípio deveriam planejar e coordenar as oficinas. Assim como organizar as saídas para coleta de matérias-primas presentes na TI Las Casas.

As oficinas aconteceram seguindo as normas da organização social, no que se refere às categorias de idade e os espaços ocupados tanto por homens quanto por mulheres dentro dos espaços da aldeia nas diferentes categorias de idade.

Entre as atividades efetuadas pelas mulheres, foram realizadas oficinas de choros mémyry que incluíram os choros de boas-vindas e despedidas que são aspectos rituais muito importantes dentro da cultura dos Mẽbêngôkre-Kayapó. Cabe destacar, que é uma expressão

apenas feminina e em Las Casas esta prática tinha sido praticamente extinguida58. Neste

sentido, a comunidade considerou importante que as mulheres mais velhas ensinassem para as mais novas as retóricas de cada tipo de choro: do marido, do filho, da irmã, do cunhado. Estes choros são manifestados principalmente, quando alguém que tinha viajado volta na comunidade e é uma maneira de expressar a saudade e/ou de contar os diferentes eventos que aconteceram quando a pessoa estava ausente.

Também foram ministradas oficinas de pintura corporal em crianças Me ôk e enfeites tradicionais amirororo, tentando resgatar desta maneira grafismos que muitas mulheres jovens não conhecem. Desta maneira as mulheres da categoria de idade mekrapdjire dedicaram um dia para transmitir estes saberes a suas filhas, no caso dos enfeites ensinaram como deve ser raspada a cabeça, tirar os cílios e as sobrancelhas, nas crianças para pintá-la com breu misturado com carvão, onde são aplicados também grafismos tradicionais.

Pensando na geração de renda foram também realizadas oficinas de pintura tradiciona l Kayapó em tecidos de algodão, sendo esta uma maneira de transmitir o conhecimento dos grafismos tradicionais. Foi uma experiência muito interessante, pois muitas das mulheres que participaram aprenderam novos grafismos, que não conheciam principalmente os relacionados ao jabuti Kaprã entre os que contabilizaram pelo menos vinte desenhos diferentes, só para a representação deste animal. Outros animais representados foram os peixes, tatu, cobras, borboletas e tamanduá.

Outras oficinas ministradas foram as de trançados em algodão, onde foram confeccionados mepadjê kaigô (braçadeiras), Parikõn (tornozeleiras) e Tekanhô (enfeite utilizado embaixo do joelho para modelar as pernas), estes enfeites são tingidos com urucum e são utilizados pelas crianças. Vale destacar aqui que o desenvolvimento desta oficina incluiu também a coleta de plantas. Neste caso o tronco de uma planta (não identificada) que é utilizado como base para os trançados, e que segundo as mulheres é o melhor para trabalhar.

Finalmente, foram realizados e ensinados os trabalhos com miçanga angô as foram elaborados colares, pulseiras, porta celular e bolsas, figuras de animais como jacarés, emas, tatus, jabuti, escorpião e lagartos.

58 Na primeira visita que fiz numa aldeia Kayapó em 2009 em Moikarakô (TIK), minha primeira impressão foram

os choros das mulheres recebendo à antropóloga Pascale de Robert minha co -orientadora no Mestrado, os choros eram impressionantes, aconteciam normalmente na chegada das pessoas. Em Las Casas até o momento das oficinas, as mulheres não tinham chorado, talvez porque a relação não era tão estreita como a da Pascale com a aldeia Moikarakô que já somava 10 anos de relação com essa comunidade, mesmo assim esta manifestação não foi observada entre parentes da comunidade de Las Casas. Depois da realização das oficinas, quando vou na aldeia, ao retornar para Belém, as mulheres choram.