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Ação Civil Pública n 0001618-57.2011.4.01.3903 – MPF versus UNIÃO e Norte

3. Descumprimento de Condicionantes

3.2. Ação Civil Pública n 0001618-57.2011.4.01.3903 – MPF versus UNIÃO e Norte

Em setembro de 2011, o Ministério Público Federal propôs ação civil pública contra a União e a Norte Energia S/A. objetivando a suspensão das obras de Belo Monte até a finalização do cadastro socioeconômico da população atingida pelo empreendimento, devendo ocorrer no prazo de sessenta dias; bem como que a NESA, no que se refere ao ingresso de seus funcionários, obedeça o direito à inviolabilidade do domícilio dos agricultores/ribeirinhos; e que seja finalizada a regularização fundiária de todas as pessoas, no prazo de cento e vinte dias.

Segundo o MPF, o processo de identificação, previsto na Licença de Instalação n. 795 expedida pelo IBAMA, das famílias atingidas pelo empreendimento

68 O magistrado asseverou, na sentença, que a simples suspensão ou declaração de nulidade da LI

n. 795/2011 em nada contribuiria para a melhora da situação da população, haja vista que a paralisação do empreendimento não redundaria na superação de questões sociais historicamente carentes de solução.

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encontra-se muito lento, trazendo incertezas para a população local, inexistindo informações suficientes a respeito de quem será atingido, quando isso ocorrerá, quando receberá(ão) indenização, quais os critérios para esta, entre outras questões. Reputou, assim, violado o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o direito à informação.

Além disso, suscitou que a NESA vem desrespeitando a inviolabilidade de domicílio prevista no art. 5, inc. XI da Constituição Federal69, uma vez que, segundo

relatos da população, técnicos das empresas contratadas pela NESA estariam ingressando em domicílios da região, sem autorização de seus moradores, a pretexto de fazer o levantamento fundiário.

Por fim, afirmou que é extremamente urgente e necessária a regularização fundiária70 das áreas afetadas pelo empreendimento, para fins de garantir a justa indenização das famílias afetadas.

O Juízo Federal da 9ª. Vara da Seção Judiciária do Pará indeferiu o pedido de liminar, argumentando que não restou suficientemente demonstrada pelo MPF a necessidade urgente de conclusão do cadastro socioeconômico no prazo de sessenta dias e de finalização da regularização fundiária da região afetada.

Informou que nem a própria Licença de Instalação do AHE de Belo Monte estabeleceu prazo específico para cumprimento da primeira condicionante, e que o programa de regularização fundiária da área, não foi concebido apenas para a área do Rio Xingu, objeto da presente ação, mas para toda a Amazônia Legal, de modo que a imposição de prazo pleiteada é manifestamente inexequível, dada a complexidade da tarefa de execução de tal programa público.

69 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Constituição Federal.

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A regularização fundiária da região está prevista na lei federal n. 11.952/2009, que instituiu o programa “Terra Legal Amazônia” que tem o objetivo de regularizar as ocupações de terras públicas no âmbito da Amazônia Legal.

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Por fim, a decisão judicial extingiuiu o processo no tocante ao pedido de que seja determinado à NESA a abstenção de ingressar no domicílio dos moradores da região, observando o art. 5°, inc. XI, da Constituição Federal, em virtude da ausência de utilidade processual no referido pedido71.

A Norte Energia S.A. arguiu, em defesa, a perda do objeto da ação quanto à conclusão, em sessenta dias, do cadastro socioeconômico da população atingida na região da Volta Grande do Xingu (VGX), uma vez que este foi finalizado.

No mérito, sustentou a inexistência de norma fixando o referido prazo para o levantamento completo sobre a população e as propriedades atingidas pelo AHE de Belo Monte. Afirmou que o empreendimento encontra-se devidamente licenciado,e que todas as exigências constantes no EIA/RIMA e do PBA vêm sendo cumpridas. Rechaçou as alegações de violação a direitos humanos por ausência de informações acerca dos critérios para indenização, pois foi realizado trabalho esclarecimento da população atingida mediante reuniões e distribuição de material informativo.

Informou que os projetos de aquisição, indenização e reassentamento rural estão inclusos no PBA, tendo este sido devidamente aprovado pelo IBAMA, esclarecendo que a população rural afetada poderá ser indenizada em moeda corrente, realocada com assistência técnica, ou reassentada em área remanescente ou a ser adquirida. Para a população urbana, as opções são: unidade habitacional a ser construída pelo empreendedor, reassentamento de assistência social, aluguel social transitório, lote rural, indenização, carta de crédito, bônus mudança72.

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De acordo com a decisão, o pedido formulado pelo MPF, é inviável do ponto de vista processual, pois consiste na pretensão de que o Poder Judiciário, determine, de forma genérica que a Norte Energia S.A. cumpra a Constituição, o que é desnecessário. Caberia, portanto, o Ministério Público fiscalizar e, diante de ilegalidades específicas e concretamente verificadas, acionar o Poder Judiciário com vistas a sanar tais ilegalidades.

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A Norte Energia S.A. infomou ainda, que o processo indenizatórios obedecem as seguintes fases: determinação da área; elaboração do cadastro físico-territorial e socioeconômico; avaliação de terras e benfeitorias; levantamento físico do imóvel; apresentação de laudo de avaliação e opções de reassentamento; análise da avaliação e das opções pelos impactados; novo contato para oitiva do interessado e possível celebração de acordo. Quanto aos critérios para avaliação dos bens atingidos, expôs que estes se encontram delineados de forma objetiva nos Cadernos de Preços, os quais todavia podem ser revistos de acordo com a situação específica de cada imóvel, servindo apenas como instrumento de apoio. Tais cadernos, segundo a defesa, foram elaborados segundo as regras da ABNT e levando em conta os valores de mercado, sendo objeto de ampla divulgação.

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Por fim, rechaçou as ilegalidades contra si imputadas, no que diz respeito a coação e desrespeito à inviolabilidade domiciliar.

Em sua defesa, a União informou que o programa Terra Legal atua na área objeto da demanda, assim como em outras diversas áreas ligadas ao Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu (PDRS Xingu), desenvolvendo-se regulamente. Nesse sentido, inclusive, foi firmado Acordo de Cooperação Técnica (ACT), entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) , a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e a NESA, com a finalidade de regularização fundiária da área afetada pelo empreendimento, afigurando-se absurda a fixação de prazo de cento e vinte dias para conclusão, dada a complexidade da tarefa. Ademais, a legislação de regência não estabeleceu prazo para implantação do programa.

Em 27 de novembro de 2013, foi publicada sentença julgando improcedentes os pedidos da ação.

Rejeitando as questões preliminares suscitadas73, no mérito, amparado em precedente o STF74, considerou que a intervenção judicial em políticas públicas deve ocorrer tao somente em situações excepcionais, nas quais são constatadas uma omissão em grau elevado no cumprimento dos deveres constitucionais.

Assim, reputou que não é o caso da presente demanda, pois restou comprovado que, muito embora não tenha sido efetivado na área do empreendimento, o programa Terra Legal encontra-se seguindo seu curso regularmente, destacando-se do Acordo de Cooperação Técnica firmado entra MDA, SPU e NESA tendo por objeto um conjunto de ações voltadas à regularização fundiária em questão, bem como, a respectiva realocação da população impactada.

Quanto a alegação do MPF de que seria necessária a regularização fundiária para que as indenizações alcancem um valor justo, a sentença considerou que não há comprovação objetiva nos autos do processo de que a implementação do Programa Terra Legal repercutiria de fato no aumento dos preços de indenização a serem ofertados pela NESA. Reputou, ademais, irrazoável a fixação do prazo de

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Especificamente as preliminares de perda de objeto, em face da conclusão do cadastro socioeconômico, e a de ilegitimidade ativa do MPF.

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cento e vinte dias para implantação da política pública, dada a complexidade da tarefa, que inclui minuscioso levantamento a ser realizado em grande extensão, para identificação de todas as formas de ocupação e utilização ali existentes, bem como, em virtude da inexistência de prazo estipulado pela legislação que instituiu a política pública.

Quanto à finalização do cadastro socioeconômico, a sentença considerou incontestável que não há, na licença de instalação concedida ao empreendimento, assim como no Decreto n. 7.342/201075, um prazo a ser observado pelo

empreendedor para a sua finalização. Por outro lado, deve-se supor, por questão lógica, que a conclusão da tarefa deverá ocorrer antes de qualquer um dos atingidos pela barragem sofra seus efeitos, sob pena de suspensão das licenças concedidas e de não concessão da licença de operação. Ademais, a urgência mencionada pelo MPF não foi comprovada pois, inexiste, segundo a sentença, notícias de que algum morador da área da VGX já tenha sofrido efeitos adversos do empreendimento sobre a sua ocupação.

Quanto às alegadas violações a direitos humanos, o Juízo entendeu não estarem objetivamente provadas, verificando-se tao-somente, nos autos, relatos de contratempos causados pela NESA para realização do cadastro em questão76.

A sentença reputou inexistentes as alegadas violações aos princípios de publicidade e informação, pois considerou que os critérios indenizatórios foram divulgados regularmente, tendo ocorrido, inclusive, reuniões e visitas Às comunidades afetadas, o que evidenciaria que a população tem sido paulatinamente informada sobre a forma como ocorrerão as indenizações.

Contra a sentença o MPF interpôs recurso de apelação, que ainda não foi julgado.

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O referido Decreto institui o cadastro socioeconômico para identificação, qualificação e registro público da população atingida por empreendimentos de geração de energia hidrelétrica, cria o Comitê Interministerial de Cadastramento Socioeconômico, no âmbito do Ministério de Minas e Energia, e dá outras providências.

76 A sentença destaca pronunciamento do Procurador da República constante em ata de Reunião, do

dia 19/07/2011, com moradores da comunidade Cobra Choca, no qual afirma que “(...) ameaça é vocabulário técnico previsto no art. 47 do Código Penal e que requer mal injusto e grave, e que busca de direitos na justiça não pode ser considerada como um mal injusto e grave e que os relatos aqui feitos não se caracterizam como coação e ameaça.”.

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3.3. Ação Civil Pública n. 0000328-36.2013.4.01.3903 – MPF versus Norte