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2 CARACTERÍSTICAS DO INÍCIO DA CARREIRA:

2.5 A AÇÃO DOCENTE NA “SALA DE AULA” DA EDUCAÇÃO

Ao investigar a prática pedagógica de professores de educação física, sinto a necessidade de realizar um breve apanhado histórico sobre os problemas e as tendências ligadas à formação humana e às propostas pedagógicas desenvolvidas nesta área do conhecimento, sobretudo nas últimas três décadas.

Ghiraldelli Jr. (2001) evidencia em seus estudos que a primeira tendência que norteou a prática pedagógica da educação física foi a higienista. Esta tendência na educação brasileira foi fortemente alicerçada nos anos finais do Império e no período da primeira República. O desenvolvimento da educação física higienista esteve atrelado às preocupações das elites com aumento significativo da população nos centros urbanos, ocasionado devido ao processo de industrialização. Sem planejamento prévio na infraestrutura da cidade, para a nova demanda populacional, surge uma gama de doenças infecciosas, originadas segundo o pensamento liberal que regia as elites, pelas classes menos favorecidas.

Buscando resolver esta problemática, o autor afirma que foi designada à escola, e consequentemente à educação física, o papel de reeducação higienizadora, principalmente à classe trabalhadora. Nessa perspectiva, a educação física higienista é condicionada a resolver o problema de saúde pública, atribuindo à população hábitos saudáveis, independente de sua condição econômica. Este projeto higienizador é reforçado pela figura do médico, considerado idealizador de ações preventivas da sociedade, com o objetivo da construção de um novo cidadão para uma nova sociedade (GHIRALDELLI Jr., 2001).

Ghiraldelli Jr. (2001) ressalta que, preocupada com a saúde individual e pública, assim como a higienista, surge a educação física militarista. Esta perspectiva, no entanto, é influenciada pelo sistema militar vigente da década, que tinha como principal objetivo obter por meio da educação física escolar padrões comportamentais de um cidadão com um corpo produtivo, saudável, moral e dócil, designado a servir sua nação.

De forma paulatina, a educação física, antes voltada para o controle do corpo por meio da racionalização, coerção, com enfoque para o biológico, passa no século XX a enaltecer o controle do corpo via estimulação, prazer corporal, com enfoque no psicológico. É atrelado a

essa perspectiva o paradigma da aptidão física, baseado na tendência pedagógica liberal tradicional, influenciado pela esportivização na escola (BRATCH, 1999).

Ganha destaque nesse cenário o decreto do governo nº 69.450 de 1971 (Brasil, 1971) que estabeleceu como norma e funcionamento da educação física a prática da recreação, e principalmente dos esportes, como atividades curriculares a serem desenvolvidas em todos os níveis de ensino. Outro marco relevante nesse período é a criação do Plano Nacional de Educação Física e Desportos (PNED), criado pelo Ministério da Educação e Cultura, que visava o desporto infantil, de massa e de alto nível, buscando aumentar o quadro de medalhas brasileiras, ascendendo a política brasileira para o exterior (CUNHA e NASCIMENTO, 2012).

Bracht (1999) destaca que, após a década de 1980 até os dias atuais, verifica-se uma mudança de paradigmas na produção do conhecimento da educação física escolar. Durante esse processo, estudiosos da área das ciências humanas e sociais fizeram críticas a este paradigma, alegando que a função social da educação física no ambiente escolar era sustentada pela utilização de suas atividades corporais como forma utilitária de exclusão dos sujeitos menos habilidosos e que, por este motivo, faltava para esta disciplina a base de conhecimento científico na prática pedagógica. A partir dessas críticas, surgem algumas propostas pedagógicas na educação física voltadas para as ciências humanas e sociais.

Uma dessas propostas é chamada pelo autor de abordagem desenvolvimentista, que centrou sua prática pedagógica no desenvolvimento motor infantil (séries iniciais do primeiro grau). Darido (2003, p. 4) reforça que a proposta desenvolvimentista

[...] é uma tentativa de caracterizar a progressão normal do crescimento físico, do desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social, na aprendizagem motora e, em função destas características, sugerir aspectos ou elementos relevantes para a estruturação da EF escolar.

Bracht (1999) destaca que próxima a essa abordagem encontra-se a chamada psicomotricidade, ou educação psicomotora. Essa proposta concebe ao papel da educação física uma subordinação às demais disciplinas escolares, ou seja, o movimento não é considerado o saber a

ser desenvolvido na educação física escolar, mas um mero instrumento que auxilia as outras disciplinas.

Outra proposta apontada pelo autor é vinculada ao movimento de renovação do paradigma da aptidão física, promovendo a saúde dentro da escola, por meio das aulas de educação física. Os avanços do conhecimento biológico, as relações benéficas da atividade física sobre a saúde dos indivíduos e o novo estilo de vida sedentário dos cidadãos condicionaram esta abordagem a ressurgir com força no âmbito escolar, buscando a produção da saúde.

Bracht (1999) reforça que as propostas abordadas até o momento possuem em comum o fato de não aproximarem suas abordagens a uma perspectiva crítica de educação. Para tanto, o autor apresenta duas outras propostas que se alimentam da pedagogia crítica brasileira.

A primeira delas é a proposta crítica superadora, descrita no livro Metodologia do ensino da educação física, de um coletivo de autores, publicado em 1992. Essa proposta é a primeira que lança críticas à educação, buscando quebrar a hegemonia do esporte, trazendo outras metodologias para serem trabalhadas nas aulas de educação física, com o objetivo de superar o conhecimento que a sociedade utiliza e quebrar o modelo capitalista. Esta proposta está baseada na tendência crítico- social dos conteúdos, entendendo que o objeto da área de conhecimento educação física escolar é a cultura corporal do movimento, concretizada nos seus diversificados temas (o esporte, a ginástica, o jogo, as lutas, a dança e a mímica). A sistematização deste conhecimento é estruturado em ciclos de desenvolvimento: o 1º ciclo refere-se à organização da identidade dos dados da realidade; o 2º destina-se iniciar à sistematização do conhecimento; o 3º engloba a ampliação da sistematização do conhecimento; e o 4º ciclo é voltado para o aprofundamento da sistematização do conhecimento. Nessa perspectiva, os autores (1992) apontam que a forma de trabalho e intervenção dessa concepção é dialógica, comunicativa, produtivo-criativa, reiterativa e participativa, mediada pelo conhecimento cientificamente e a historicidade que é advinda do sujeito.

A segunda abordagem teórica que embasa a educação física escolar dentro de uma perspectiva crítica é a proposta elaborada por Kunz (1996), denominada crítico-emancipatória. Esta proposta entende a formação do sujeito enquanto ser pensante, atuante e crítico, apontando para uma tematização de elementos culturais. Está baseada na tendência pedagógica libertadora. O autor caracteriza essa corrente por ser um processo contínuo de libertação do aluno diante de suas

capacidades críticas em relação ao seu contexto sociocultural, desenvolvido pedagogicamente pela prática do movimento.

É imperioso fazer menção à corrente pedagógica, que defende as aulas abertas, em que o aluno constrói sua autonomia, perante o mundo e suas implicações sociais, por meio de sua autogestão, baseada na tendência pedagógica libertária. Hildebrandt e Laging (1986) acrescentam que a concepção de ensino das aulas abertas visa a participação dos alunos nas resoluções dos objetivos, conteúdos e complexidade de decisões sob as quais eles sofrem influência, de acordo com as possibilidades de co-decisão previamente determinada pelo docente.

Conforme Bracht (1999), essas propostas propiciaram a indagação para o entendimento da educação física escolar, desmistificando que o movimentar-se humano deve ser apenas baseado no biológico ou psicológico, constituindo a prática pedagógica dentro da aprendizagem histórico-cultural do aluno.

Após esta breve exposição, e considero que ainda insuficiente, das diferentes propostas, e não todas, que se colocam como alternativas ao paradigma dominante, pretendo ressaltar alguns pontos que se tornam significativos perante a compreensão de tais perspectivas educativas.

O primeiro ponto corresponde entender que mesmo que as propostas pedagógicas progressistas sejam, a meu ver, as mais adequadas a serem trabalhadas no âmbito escolar, elas possuem desafios relevantes a serem superados – questões de suma importância no currículo escolar, sua afirmação na hegemonia histórico-cultural na prática pedagógica, e a compreensão do corpo em seus aspectos históricos, filosóficos, sociológicos, antropológicos e psicológicos durante a aprendizagem.

O segundo ponto diz respeito ao que Cunha e Nascimento (2012) abordam como restrição acadêmico-científica ao entendimento das propostas pedagógicas. A produção acadêmica preocupava-se mais com os conteúdos a serem desenvolvidos e com a postura adotada pelo professor do que com as reflexões voltadas para a sua prática pedagógica no contexto escolar. Atualmente as reflexões sobre a abordagem pedagógica ganham mais forças, possibilitando fornecer aos professores diretrizes perante sua atuação pedagógica.

Os autores enaltecem que os professores, ao compreender a educação física enquanto disciplina escolar também responsável pela formação integral dos sujeitos, precisam mais do que domínio do conhecimento e práticas de técnicas de ensino regidas pelo sistema social vigente. Estes necessitam entender as singularidades de seus

alunos e do meio que os permeia. É nesta busca que Cunha (1995) define a prática pedagógica como preparação e execução do ensino no cotidiano do professor.

Cunha e Nascimento (2012) enfatizam que a prática pedagógica dos professores deve possibilitar reflexões que estabeleçam vínculos com suas práticas, alterando-as e aperfeiçoando-as, se necessário.

Além disso, é importante que estas reflexões

sejam amparadas por referenciais

epistemológicos, por teorias sobre ensino e aprendizagem, sobre homem e sociedade, vinculadas a sua realidade. As práticas pedagógicas desempenham, portanto, papel importante e diferencial de como o conhecimento é transmitido e recebido, quais significados que serão atribuídos e como serão assimilados (CUNHA; NASCIMENTO, 2012, p. 220).

Partindo desse princípio, entendo que o processo formativo do professor possui uma intencionalidade pedagógica, uma racionalidade prática. Pensar na prática e buscar uma ação apropriada para cada situação particular envolve a expressão adjacente dessa racionalidade prática, construída e constituinte do conhecimento experiencial da reflexão em sua ação (SCHON, 1992).

Januário (1996), ao enfocar o pensamento do professor de educação física perante seu conhecimento pedagógico, afirma que suas experiências de vida e de formação são parte constituinte do fazer pedagógico. Neste caso, o conhecimento se constrói por meio de apropriações individuais não podendo ser considerado único ou estático, possibilitando a comunicação entre os sujeitos e suas vivências. Nesta interação, o professor pode tanto interagir com o meio como influenciá- lo através de sua ação.

Assim, pensar na pratica pedagógica dos professores de Educação Física faz refletir sobre como eles observam sua atuação no contexto de trabalho, suas expectativas, seus pensamentos, suas crenças, seus valores, entre outros aspectos que determinam o próprio desenvolvimento

profissional (FARIAS; SHIGUNOV;

Januário (1996) destaca que são utilizados modelos próprios de gestão de sala de aula, nos quais são criadas suas próprias rotinas de trabalho. Nessa perspectiva, Molina Neto (2003, p. 146) afirma que a atividade diária do professor de educação física não é solitária e está vinculada “(...) em um mundo de relações e de interações que se estabelecem em diferentes parcelas da comunidade escolar. Nesse sentido, o professorado de educação física ajusta seus procedimentos e projeta representações, crenças, pensamentos e sua atividade material- sua cultura docente”.

Em suma, um emaranhado de elementos que compõem a prática pedagógica – a influência dos cursos de formação inicial e continuada, a metodologia de ensino utilizada, o conteúdo a ser desenvolvido, as abordagens pedagógicas que norteiam suas ações, a organização do planejamento das aulas e a avaliação da disciplina – constitui o cenário que o professor se depara ao ingressar na carreira profissional. Este enfretamento é agravado pela falta de suporte, antes tida na formação inicial, e agora desconectada da realidade e prática docentes. Nesse sentido, pretendo no próximo capítulo apresentar a importância de programas de acompanhamento docente no início da carreira.

3 ACOMPANHAMENTO DOCENTE NO INÍCIO DA