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Os Estados-Nação desempenharam papel fundamental naquele período a partir de dois eixos: a intervenção na economia e a institucionalização dos

MOVIMENTOS SOCIAIS, UM FENÔMENO ANTIGO COM NOVOS SIGNIFICADOS

3. Ação racional e contingência

A questão da organização e institucionalização de grupos e movimentos tem sido também a referência para análises que retomam alguns aspectos da sociologia de Max Weber. A discussão sobre os movimentos sociais e a sociologia de Weber ocorre de forma indireta e está referida à sociologia interpretativa, no caso da análise da ação coletiva, por um lado, e, por outro, aos conceitos de racionalidade, burocracia e formas de dominação, em particular à dominação carismática. No caso do conceito de burocracia, salienta-se a tendência ao processo de burocratização e mudanças dos objetivos iniciais de um movimento social, ligados à quebra da rotina que caracterizam a dominação carismática. Esta perspectiva é paralela à perspectiva de Roberto Michels. Isto é, a tendência de distorção dos fins, os quais se voltam para a manutenção da organização e tende perder a força dinâmica e o impulso da liderança carismática, processo que Michels denomina oligarquização das lideranças. (Melucci 1990: 17; 1996: 121; Neveu 1996: 24).

A partir da crítica ao funcionalismo, a Teoria da Mobilização de Recursos retomou o conceito de racionalidade na perspectiva da sociologia das organizações. O conceito de “grupo associativo”, elaborado por Weber, caracterizado pela motivação/orientação racional para associação, é central na origem da TMR (Olson 1971). Pode afirmar-se que as análises centradas na organização formal e na ação racional ficaram presas à lógica da

“prisão de ferro”. As críticas feitas à Teoria da Mobilização de Recursos levaram autores desta corrente, como McCarthy, Zalt, McAdam e Tilly, a efetuar uma revisão, integrando contribuições do interacionismo e da Teoria dos Novos Movimentos Sociais (Laraña e Gusfield, 1994).

Consideramos, no entanto, a influência de Max Weber sob uma outra ótica, cujo peso é maior do que a explicitação de tal influência, que está relacionada às teses macro- históricas e macro-sociológicas.

A vasta obra de Max Weber, como nos demais autores do final do século XIX e início do século XX, defronta-se com o desenvolvimento ocorrido no Ocidente. O ponto de partida é a indagação, que é ponto de partido da A ética protestante e o espírito do

capitalismo30, sobre “a combinação de fatores a que se pode atribuir o fato de na

Civilização Ocidental, e somente na Civilização Ocidental, haverem aparecido fenômenos culturais dotados (como queremos crer) de um desenvolvimento universal em seu valor e significado” (Weber, 1994: 1). Para Max Weber, no desenvolvimento científico, artístico,

político e econômico no Ocidente, distingue-se uma forma peculiar de racionalidade e desenvolvimento de uma “ética racional na conduta da vida” (Schluchter 1990: 230). Os processos de modernização são resultados não intencionais, mas uma composição de fatores e circunstâncias desprovidas de um sujeito. Para Weber, no entanto, a forma específica de racionalidade, desenvolvida no Ocidente, coloca-se como um fator primordial, sem o qual não se poderia entender a especificidade do capitalismo ai ocidental. A influência da concepção de vida puritana, de origem calvinista, favoreceu, 30 Como se sabe, este texto trata-se de “observações preliminares” (Vorbemerkungen) ao conjunto dos

Ensaios Reunidos sobre a Sociologia da Religião, voltados para as grandes religiões mundiais e cuja questão é buscar a especificidade não das religiões em si, mas da sua influência econômica para a sua tese do desenvolvimento específico do Ocidente cujo fator distintivo encontra-se no ascetismo calvinista.

segundo Weber, uma vida econômica racional e representa o berço do moderno homo-

oeconomicus e “um dos elementos fundamentais do espírito do capitalismo moderno, e não apenas dele, mas da própria modernidade, a saber, a conduta racional fundada sobre a idéia de vocação, nasceu do espírito da ascese cristã” (Ibid: 125).

A gênese deste espírito apóia-se num ethos, que se desgarra e se desenvolve independentemente e, lembrando a alienação apontada por Marx, onde os bens adquirem um poder crescente e inelutável sobre os homens (Ibid: 131). O capitalismo, ou a modernidade, é um processo de superação e passagem da magia, do rito, da ação afetiva ou emocional para a ação racional (Motta, 1995: 75). Neste sentido, como afirma Gabriel Cohn, “o processo de racionalização é expansivo e, abandonado à sua lógica própria,

irreversível e irresistível” (2000: 34).

Encontramos um sentido evolutivo, mas não na direção de uma lei única progressiva, significando o abandono de uma teoria do desenvolvimento histórico. Conforme analisa Claus Offe, para Weber as constelações relativamente estáveis e mesmo necessárias são decorrentes de uma concatenação de circunstâncias (Henrich et alli, 1990: 233). Diante do mundo moderno, da inexorabilidade da racionalidade, da nova servidão, de um aparato racional e impessoal, as últimas reservas para resistir a esta “servidão” encontrar-se-iam “no nível de uma ética heróica de cunho pessimista referida à

personalidade e à elite” (Ibid: 246). Estas últimas reservas, sendo de caráter pessoal, não

encontram um fundamento e não são reguladas institucionalmente.

“O destino de nossos tempos é caracterizado pela racionalização e intelectualização

e, acima de tudo, pelo desencantamento do mundo. Precisamente os valores últimos e mais sublimes retiraram-se da vida pública, seja para o reino transcendental de vida mística, seja para a fraternidade das relações humanas diretas e pessoais.”

No ensaio “O sentido da ‘Neutralidade Axiológica’ nas Ciências Sócias e

Econômicas”, Weber situa o antagonismo entre a tendência trivializadora da vida

cotidiana, onde o homem vegeta sem ter consciência de sua servidão, numa acomodação oportunista; um homem passivo, num processo naturalizado da consciência deste antagonismo e da possibilidade de escolha do destino, isto é do “sentido do seu fazer e de

seu ser” (Weber, 1992: 374). Para Weber, a possibilidade de fazer frente à servidão existe

através da tomada de consciência da servidão e de uma atitude baseada numa “ética da

responsabilidade” (Weber, 1992). Este antagonismo é retomado por Habermas, mas

situando-o entre uma racionalidade instrumental própria do sistema e uma racionalidade comunicativa própria do mundo da vida, em que a resistência não se dá a partir de uma resistência heróica pessoal, mas através da ação comunicativa.

Weber recoloca, em certo sentido, a angústia provocada pela doutrina da predestinação diante da incerteza da salvação, na direção das incertezas na tomada de decisões e atender “às exigências do momento nas relações humanas” (Weber 1963: 183).

Neste jogo entre o inexorável e o possível

“ninguém sabe ainda a quem caberá no futuro viver nessa prisão, ou se, no fim

desse tremendo desenvolvimento, não surgirão profetas inteiramente novos, ou ainda um vigoroso renascimento de velhos pensamentos e idéias, ou ainda nenhuma dessas duas – a eventualidade de uma petrificação mecanizada, caracterizada por esta convulsiva espécie de autojustificação. Nesse caso, os ‘últimos homens’ desse desenvolvimento cultural poderiam ser designados como ‘especialistas’ sem espírito, sensualistas sem coração, nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização nunca antes alcançado” (Weber, 1994: 131).

Esta visão pessimista marcará a perspectiva desenvolvida pela Escola de Frankfurt em suas análises do capitalismo tardio. Nesta “sociedade administrada” a racionalidade

resulta numa paralisia da crítica e onde, segundo Marcuse, a possibilidade de uma recusa ao sistema seria possível apenas a partir de fora dele. Nesta direção, os agentes sociais discordantes perdem seu poder de crítica e de contestação. Reencontramos esta perspectiva na sociedade de consumo descrita por Fredric Jamenson, onde os grupos emergentes são novos mercados para novos produtos ou apelos para imagens de anúncios, incapazes de totalizações ou de projetos coletivos (Jamenson, 1997: 335).

Há em Weber uma aguda percepção da dualidade e ambigüidade inerente à construção da modernidade, onde se confrontam o inexorável e o possível e as escolhas se colocam num repertório de valores propostos pela própria modernidade. Se na primeira metade do Século XX prevaleceu uma visão de um determinismo social, particularmente a partir da década de 1960 busca-se recuperar a visão que afirma um não determinismo. Nesta direção, como ilustração, podemos lembrar Castoriadis na afirmação de uma sociedade autônoma que se

“auto-institui, que sabe que é ela própria que estabelece suas instituições e

significações, isso também quer dizer que ela sabe que estas não têm nenhuma fonte além de sua própria atividade instituinte e doadora de significados, bem como nenhuma garantia extra-social.” (Castoriadis, 1982: 427).