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Caixa I: “Assim começou o trabalho”

Caixa 4 “Vamos ver se levanta este grupo ”

GRUPO D

- Eu comecei a participar deste trabalho faz uns dezesseis anos, no grupo comunitário de saúde, da comunidade mesmo. A gente começou com Pe. B., lá em cima em V. C. A gente, junto com outros grupos, assim a gente se reunia com outros grupos daqui e de outras áreas. Tinha uma turma grande mesmo. Depois a gente conheceu o Pe. I., aí foi, A gente sentiu mesmo assim a necessidade da comunidade. Era um grupo assim evangelizando e conscientizando as pessoas. O nosso trabalho era um trabalho assim mesmo com o Encontro de Irmãos, mesmo um trabalho ativo... Ai a gente se reunia assim, não era um grupo só de saúde, era um grupo de trabalho, trabalho mesmo ... Era todo mundo junto, era Encontro de Irmãos, era Igreja Católica, Apostolado da Oração, Mães Cristãs, todo mundo envolvido na comunidade neste trabalho ... Pra mim foi muito importante. Sabe por que? Porque desde que a gente está assim servindo, está fazendo uma coisa que a gente sabe que vai ajudar outras pessoas, pra gente é muito bom. É muito importante ... Faz 16 anos que começamos e a gente saia. Pra começar este grupo mesmo aqui com Pe.I., também B. viajou, Pe. M.viajou, aí ficou Pe. I.. com a gente. Aí a gente ia nas casas, via as necessidades do pessoal e o grupo de saúde foi aumentando... depois Pe. I. foi embora pra Paulista, a gente ficamos ai no B. N., mas a gente sentiu assim muita dificuldade depois (da saída) do Pe. I.. O pessoal foram se desgostando, a gente tinha o apoio do Centro Nordestino, se reunia com a gente aqui, fazia comida alternativa, vinha um farmacêutico, ensinava como a gente fazer aqueles remédios, assim, sabe? Depois foi sentindo a necessidade, foi caindo todo mundo... Aí o pessoal foi se desgostando mais que foi cinco ou seis pessoas só, trabalhando no grupo. Já fui trabalhar como agente de saúde ... Tinha outros grupos, uns existem, digamos assim, uma pessoa duas que é V. C. que ainda, acho que ainda tem umas pessoas assim, feito eu mesma. Não estão bem atuantes. Não têm, acho que, onde se reunir. Tinha S. R., também na Igreja, mas acabou. Eu não sei. Era um povo assim que só trabalhava mais com o padre. Pe. I. foi embora o grupo acabou... O Centro Nordestino aqui deixou de apoiar porque em tudo que acabou mais o grupo, não ficou assim com esta força assim do pessoal se reunindo ... Depois o Pe. I. veio pra aqui novamente, está na V. F., e ele dá muito valor a este grupo, ele gosta muito, mas a gente está junto com ele, participando da reunião da V.F. e vamos nos unir e vamos ver se levanta este grupo.(Entrevista D8)

- Eu comecei quando B., o seminarista, veio pra aqui, passou uns dois anos aqui, e aí formou este grupo e convidou a gente, eu moro bem pertinho onde ele estava formando este grupo. Ai saiu convidando a gente, a gente convidando outros. Eu sei que a gente formou o grupo. A gente se reunia toda a semana, ai passava as experiências dele de plantas medicinais pra gente e o que a gente também sabia passava pra ele. Onde começou, o grupo e foi aumentando, tinha muita gente participando, era muito animado. Quando as pessoas não iam a gente ia buscar nas casas com ele, animava muito porque tinha ele de dentro. Ele sempre estava com a gente. A gente fazia as reunião nas casas, as pessoas não podiam vim, a gente ia, se encontrava nas casas ... A gente fazia mutirão pra limpar a horta, passava a tarde todinha limpando, convidava as pessoas da comunidade pra vir limpar. Depois que ele foi embora, aí as pessoas também foram saindo, se afastando. Depois veio o seminarista M., também passou um tempo aqui com a gente, deu uma grande força também, ensinou bastante coisa a gente. Depois foi embora também e a gente ficou se arrastando. Ficou se arrastando, a gente passou, já faz uns doze a treze anos se arrastando ... Agora com Pe.I., ou vai ou acaba de vez. (risos).

(Entrevista D5).

- Antes eu participava só do movimento da igreja. Aí chegou B., ele era até seminarista na época, aí ele quando ele veio aqui ele começou o trabalho sobre a pastoral da saúde e tal e me convidou pra participar. Eu comecei participando. B. era seminarista e médico. É um francês. Ele passou aqui na comunidade com a gente dois anos, aí ele fundou este grupo daqui do sítio V. C. e Camaragibe. Aí B viajou e disse que a gente continuasse com o grupo, não deixasse o grupo desanimar. Tudo bem, a gente continuou com o grupo. A gente fez até horta e Pe. L. W. A gente fazia medicamento, fazia medicamento como a vick, pomada de confrei, de babatenon, lambedor. Tudo isto a gente fazia. A gente se encontrava lá no salão da Igreja. A gente sempre se reunia. De oito em oito dias a gente se reunia. Ai a gente marcava um dia. Numa semana a gente fazia medicamento, na outra semana a gente fazia reunião. Aquela reunião era uma reunião muito animada ... Agora quando era pra limpar a gente fazia mutirão, ai a gente convidava todos os que diziam que participavam do grupo, aí gente fazia aquele lanche reforçado e todo mundo ia. Aí era uma beleza, era a tarde toda de festa. Mas isto não continuou não. Aí o pessoal foram se desgostando.(Entrevista D6)

participava antes do Encontro de Irmãos. Encontro de Irmãos é um movimento parecido, a gente vai lutar pelas causas. Eu não gosto só de trabalho dentro da igreja, eu gosto de trabalhar fora. Bom é a gente lutar pelo menor, a gente procurar os nossos direitos lá fora. Saber das coisas. A política mesmo está envolvida, saber como e que deve se portar. A gente não fica desinformado das coisas. A gente sabe de tudo. Em casa a gente não sabe de nada. É muito bom, depende muito também do padre. Quando o padre é envolvido a gente também se envolve ...Este grupo, ele veio através do P. I., que ele já tem este trabalho em Paulista, ele já quis fundar um aqui, mas foi o tempo que ele foi transferido, aí ficou um pouquinho esquecido, mas a volta dele, aí retomamos de novo. Estamos levantado de novo o grupo ... Tem outros grupos ... mas estava assim sem uma pessoa para se animar, estavam soltas, estavam fazendo, mas precisava de uma pessoa que encaminhe mais, que dê direção, que faça reunião, que se encontre pra amarras. Estavam muito soltas. As pessoas estavam sem ter uma pessoa para incentivar. Com a chegada do nosso padre, aí até os outros grupos que estavam morrendo, estão se levantando de novo. Nos encontramos mensalmente, todos os grupos (Entrevista D7)

Nestes relatos evidencia-se um “tempo em branco” nas trajetórias destes grupos. Utilizando-nos da imagem da rede, a saída dos agentes significou o desatar de um nó, a partir do qual aquela rede se desfaz, permanecendo a lembrança e pessoas de referência nas áreas onde aqueles grupos se constituíram. É a volta de um daqueles agentes que passa a reconstituir-se numa rede, partindo das pessoas de referência, estabelecendo relações entre elas e destas com outros grupos e entidades. Retomam-se as atividades comunitárias, particularmente a partir das plantas medicinais, ainda no âmbito eclesial. Nas palavras de uma entrevistada, afirma-se que “nós ainda não partimos, estamos só aqui dentro ainda

da igreja” (Entrevista D7), onde o advérbio “ainda” deixa em aberto a trajetória futura.

Isto contrasta com a perspectiva presente no grupo B, onde se afirma que “a coisa

Queremos salientar, aqui, dois aspectos presentes nos relatos referentes à reanimação do Grupo D, a partir da agregação de participantes dos grupos anteriores. O primeiro referente à volta do padre e o que isto representa e, segundo, a criação de um espaço onde se torna possível um processo articulatório para além do grupo à medida que cria relações entre os participantes e destes com outros grupos e entidades.

Quanto ao primeiro, é possível identificar representações sobrepostas, a do clérigo e a identificação deste com uma determinada perspectiva de trabalho. Daí que ser clérigo não é condição suficiente e nem necessária; o que estabelece um processo identificatório é sua orientação e neste sentido é uma referência de uma forma de trabalho, podemos dizer de um determinado discurso Daí a afirmação de que “é muito bom. Depende muito

também do padre. Quando o padre é envolvido, a gente também se envolve” (Entrevista

D7). É esta referência que serve de suporte para a memória presente nos relatos, o ponto de ligação entre o passado e o presente.

Diferentes entrevistados identificam o Pe. I. com uma forma específica de trabalho na área da saúde e uma ação na comunidade e é a partir desta ação que se assenta um processo de identificação. Isto é expresso, por exemplo, pela entrevistada D7 quando diz: “Eu não gosto só do trabalho dentro da igreja, eu gosto de trabalhar fora”. Este “trabalhar fora” é marcado pelo serviço na comunidade, cuja satisfação está em prestar um serviço: “a gente está assim servindo, está fazendo uma coisa que a gente sabe que vai

ajudar outras pessoas” (Entrevista D8). Ou ainda, como afirma a entrevistada

precedente, “eu achei muito bom este grupo, que um movimento, não só na igreja parado

e sim, a gente sai, vai lutar pra ajudar uma pessoa carente, a casa que está caindo, a gente faz aquela campanha. Isto é muito importante, não ficar parada”.

Nas falas acima se evidencia, assim, um discurso de auto-ajuda e da caridade, nas quais um discurso político está ausente. É a partir desta orientação que o trabalho se reestrutura e a partir do qual define-se o papel do padre, o de animar, encaminhar, amarrar e dar uma direção, conforme a expectativa expressa na última frase transcrita na caixa 4.

“Estamos levantado de novo o grupo ... Tem outros grupos ... mas estava assim sem

uma pessoa para se animar, estavam soltas, estavam fazendo, mas precisava de uma pessoa que encaminhe mais, que dê direção, que faça reunião, que se encontre pra amarrar. Estavam muito soltas. As pessoas estavam sem ter uma pessoa para incentivar. Com a chegada do nosso padre, aí até os outros grupos que estavam morrendo, estão se levantando de novo. Nos encontramos mensalmente, todos os grupos”. Isto leva a considerar o segundo aspecto presente nos relatos.

À medida que há uma reestruturação, abre-se um espaço para a articulação com outros grupos e é neste campo que os participantes se defrontam com outros discursos. Esta relação com outros grupos faz parte de uma programação, de um calendário. “E

também a gente tem um calendário, que a gente tem fora. A gente já foi assim pra Olinda faze, pra ter palestra a respeito de plantas. Aí tem palestras que é a farmacêutica, tem palestra assim sobre outros assuntos” (Entrevistada D9). Ou como afirma um

entrevistado,

“participamos do encontro de formação que é do CNMP, lá no grupo de Paulista...

O que anima, acho que não só o que anima todos os que participam é aquela coisa de solidariedade. Acho que seja isto, é você captando as propostas, buscando alguma coisa onde você possa levar aos outros” (Entrevista D3).

Fazemos referência aqui à epígrafe que abre este capítulo, de que as “histórias, resultado

da ação e do discurso, revelam um agente, mas esse agente não é autor nem produtor”,

trajetória futura. Com isto salientamos estes espaços de discussão a partir do qual são possíveis desdobramentos não previstos ou previsíveis.

A análise dos grupos B e D levou-nos a identificar momentos de chegada e de saída. No caso do último Grupo, ocorre um momento de retorno, o que aconteceu recentemente, a partir do qual se rearticulam as atividades com a perspectiva de reanimar o que havia sido interrompido. Tanto num caso como no outro, há uma “interrupção” de uma dinâmica, seja através de insulamento ou de um “tempo em branco”. Neste sentido, essas trajetórias distinguem-se daquela apresentada em relação ao Grupo A, apesar de terem surgido de uma mesma matriz discursiva e organizacional. A partir daquela matriz identificamos um momento comunitário que se constituiu num marco de referência84 e

que marcou todos os grupos até aqui abordados. Como vimos acima, esta referência, no caso do Grupo A, dá lugar a um discurso sócio-político que não tem peso nos outros dois grupos.

Para fechar este primeiro percurso da nossa análise, queremos situar o último grupo, o Grupo C, que abrirá caminho para retornar à análise daqueles momentos mencionados anteriormente – sócio-político, autonomista e pluriarticulatório - iniciando pelo momento sócio-político.

Uma primeira constatação é que o Grupo C foi constituído num contexto histórico distinto daquele que marcou os grupos anteriores. Como poderá ser acurado nos relatos abaixo, isto ocorre no final da década de 1980, cuja referência discursiva já não é o “desenvolvimento comunitário”, mas a participação política. Conforme afirmação de uma entrevistada o trabalho

84

Conforme propõe Goffman, o conceito marcos de referências (frame), refere-se a valores culturais, a experiências e a normas que possibilitam a interação

“já não era considerado de pastoral, a gente começava a fazer uma referência

maior sobre as plantas e sobre a situação de saúde em cima do município. Ai tinha vários aspectos políticos voltados à saúde e que de certa forma favorecia o crescimento do trabalho. Posso dizer assim ... Aí uma forma foi criar uma organização que atendesse isto” (Entrevista C8).

As circunstâncias em que o Grupo é criado lhe imprimem uma característica particular. A saúde torna-se um eixo a partir do qual se articulam diferentes atividades e o mesmo se constitui como espaço de articulação e formação em resposta a uma demanda não respondida pela pastoral. Deste modo afirma-se que “era outro tipo de grupo, que

tinham assim uma preocupação com outras coisas, não especificamente saúde” (C8). A

rede a partir da qual o Grupo se forma tinha como base diferentes paróquias e não apenas uma, como nos casos anteriormente apresentados, as quais correspondiam a um Setor Pastoral que congregava também a Pastoral da Juventude, a Ação Católica Operária; daí a presença de sindicalistas, e, finalmente, grupos de mulheres que desenvolviam também atividades de saúde85. Os relatos do Grupo C, além de situar as trajetórias dos participantes, revelam também suas diferentes perspectivas. Identificam-se, ainda, elementos de ligação precedentes através dos quais o Grupo se articula com outros grupos de saúde, fora do espaço geográfico de atuação e com o CNMP.

Não identificamos no Grupo C um momento comunitário, mesmo que encontremos marcas daquele discurso. Por essa razão e também para registrar diferentes perspectivas articuladas na sua criação, mantivemos as falas que fazem uma retrospectiva e localizam

85

Setor Pastoral designa uma subdivisão geográ fica da Diocese e que agrupa diferentes paróquias, podendo atingir diferentes municípios. Assim que a área de influência do Grupo não se restringe ao município do Cabo de Santo Agostinho. A Pastoral da Juventude tem sua origem na Juventude Católica Operária, cuja criação foi a de atingir jovens não operários, daí também fazer-se referência à Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP). Quanto à Ação Católica Operária, movimento bastante conhecido e que se redefine em Pernambuco na década de 90, passando a designar-se Movimento de Trabalhadores Cristãos, substituto do sentido restritivo de “católico”.

no tempo e especificam as redes a partir das quais foi criado. Como podemos observar, ainda, o grupo é legalizado, num segundo momento, como entidade civil, daí seus participantes utilizarem o nome da entidade, que aqui designamos apenas como Centro.