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AS AÇÕES PARA A CORREÇÃO DOS LIMITES NUM CONTEXTO DE RIVALIDADE POLÍTICA ENTRE OS MUNICÍPIOS.

OBJETIVO GERAL OBJETIVOS ESPECÍFICOS

5.2 AS AÇÕES PARA A CORREÇÃO DOS LIMITES NUM CONTEXTO DE RIVALIDADE POLÍTICA ENTRE OS MUNICÍPIOS.

É comum dentre os políticos brasileiros a continuidade política familiar. O poder político é repassado entre as gerações, perpetuando a manutenção de representantes das mesmas famílias em cargos executivos e legislativos. Neste sentido, o Município de São Miguel do Gostoso foi, a partir de sua emancipação, administrado pelo mesmo núcleo familiar, o Teixeira Neri, que desde 1996 vem conquistando os pleitos eleitorais. A liderança dessa família junto ao processo de emancipação é destacada pelos próprios membros, como explicita Emanuel Neri (2013, p. 59) ao se referir à candidatura do seu irmão João Wilson Teixeira, prefeito eleito em 1995: “João Wilson tinha liderado o movimento que resultou na emancipação de São Miguel do Gostoso do município de Touros, um ano antes. Então nada mais do que natural que ele se apresentasse como candidato a prefeito”.

A referida família, através do patriarca Nilo Ribeiro Neri, frustrou-se na tentativa de assumir o cargo de prefeito de Touros nos anos de 1970, apesar de sucessivos cargos de vereador. Ao longo da década de 1980 a família volta sua atenção para o projeto emancipatório de São Miguel do Gostoso, assumindo a dianteira do processo de desmembramento, utilizando esse objetivo em campanhas eleitorais ao legislativo de Touros. Mesmo que a penetração política não tenha sido possível, obteve-se êxito no projeto de desmembramento. Com isso, a definição de cargos políticos locais propiciou que seus membros ocupassem o vácuo deixado pela emancipação.

Ademais, as questões eleitorais são frequentemente discutidas na esfera pública, sejam ligadas ao domínio político, acadêmico, econômico, entre outros. A reabertura política proporcionada pela constituição de 1988 permitiu a criação de novos partidos e a formação de coligações partidárias, cujo objetivo é somar esforços na conquista de votos para os cargos majoritários. Nesse contexto, a cada eleição, os partidos tornam-se aliados ou rivais, mudando de coligação com a conveniência dos próprios interesses.

165 Por isso, além de considerar que a fragmentação do território garantiu a influência política e o exercício do poder no município recém-criado pelo grupo familiar citado, o resgate das disputas eleitorais ocorridas após a emancipação política de São Miguel do Gostoso mostra um contexto pendular de rivalidade e afinidade político partidária dos integrantes da família Teixeira Neri com os prefeitos eleitos de Touros (Quadro 09).

Os primeiros mandatos de prefeito do Sr. João Wilson Teixeira (1997-2000 e 2001-2004) em São Miguel do Gostoso foram exercidos sob a legenda do PMDB. Este partido foi derrotado em Touros, nas mesmas eleições, pelo candidato Josemar França, do partido PFL. Até o ano de 2008, a questão da demarcação dos limites não tinha vindo à tona, porém, o período de 1996 a 2008, foi marcado pelo oposicionismo político entre os dois municípios.

A situação de rivalidade mudou na legislatura de 2005-2008 e 2009-2012, posto que os prefeitos de São Miguel do Gostoso (Miguel Rodrigues Teixeira) e Touros (Heriberto Ribeiro de Oliveira, e depois Luciana Vieira da Silva Farias) pertenciam ao mesmo partido, o PPS. Uma vez que foi no ano de 2010 que se constatou a inconformidade na demarcação dos limites, a relação político-partidária oferecia condição favorável a um acordo.

Em ocorrência de dúvidas sobre os limites municipais, as prefeituras devem providenciar a devida demarcação e submetê-la à aprovação da ALRN. Apesar dos esforços do IBGE e da SEARA/RN em fornecer suporte técnico para que haja um acordo entre os dois municípios, não houve avanços nas negociações quanto aos limites do município. Ainda previsto na Lei, se a dúvida sobre os limites decorrer de imprecisão na redação da Lei Estadual, devem os municípios recorrer à Casa Legislativa para promulgação de uma nova Lei com texto mais preciso.

166 Quadro 09 - Relação de prefeitos, partidos e coligações em São Miguel do Gostoso e Touros.

Fonte: Dados do Superior Tribunal Eleitoral, 2017.

24 A sigla em negrito corresponde ao partido do prefeito eleito. Mandato

São Miguel do Gostoso Touros

Situação Prefeito Coligação/Partid o vencedor Coligação/Partid o vencido Prefeito Coligação/Partid o vencedor Coligação/Partido vencido 1997-2000 João Wilson Teixeira Neri PMDB

24 Não houve Josemar Franca PFL PMDB Os prefeitos eleitos são

de partidos oponentes. 2001-2004 João Wilson

Teixeira Neri PMDB/PPB/PT PFL Josemar França PFL PMDB

Os prefeitos eleitos são de partidos oponentes. 2005-2008 Miguel Rodrigues Teixeira PPS/PSB/PMN/PTB PMDB/PL Heriberto Ribeiro de Oliveira PT/PL/PPS/PMN/PS B PTB/PMDB/PFL Os prefeitos pertenciam ao mesmo partido e coligação. 2009-2012 Miguel Rodrigues Teixeira PPS PMDB Luciana Vieira da

Silva Farias PPS DEM

Os prefeitos pertenciam ao mesmo partido. 2013-2016 Maria de Fatima Tertulino Dantas Neri

PMDB PSD Ney Rocha Leite PSD PPS

Os prefeitos eleitos são de partidos oponentes. 2017-2020 Jose Renato Teixeira de Souza PSD/PTN/PSDB/PT do B/PV/PMDB/DEM PR/PPS/PC do B/PSB/PP/PT/PHS/P RP/PEN Francisco de Assis Pinheiro de Andrade PP/PTN/PR/PPS/DE M/PHS/PMB/PSDB/ PC do B/SD REDE Os prefeitos eleitos estão em coligações oponentes.

167 Assim, no ano de 2010, ao tomar conhecimento do problema que atingiu o território do São Miguel do Gostoso, o então prefeito José Wilson Teixeira procurou o IBGE para tomar explicações. Na ocasião foram ratificados os motivos da frustração populacional e orientou-se que procurasse a SEARA/RN, órgão estadual, que a partir de 2001 é o representante legal para intermediar questões referentes à divisão política-administrativa do Rio Grande do Norte, de acordo com um convênio firmado entre o IBGE/RJ e o Governo do Estado.

A revisão de limites é feita nessa Secretaria, através de um acordo firmado pelos prefeitos dos municípios envolvidos25. Ações como essas costumam obter êxito a partir de um consenso que contemple os interesses das lideranças municipais envolvidas no caso, ajustando, com o apoio de trabalho cartográfico desenvolvido pela secretaria, os limites territoriais. Ao buscar a SEARA/RN para redefinir os limites, houve um trabalho de campo com a participação do próprio prefeito de São Miguel do Gostoso em 2010, integrantes da SEARA/RN e do IBGE. O intuito era verificar as inconsistências e demarcar novos limites, incorporando áreas que eram assistidas pela prefeitura.

Por envolver diferentes esferas de governo, existe um fluxo burocrático a ser seguido (Figura 25). Respeita-se a hierarquia e a autonomia das esferas e dos poderes até que os novos limites sejam enviados à seccional do IBGE no estado do Rio de Janeiro e a nova base cartográfica possa ser aplicada aos municípios.

25 Situações como essas são frequentemente divulgadas através do sitio eletrônico da Secretaria. Em 2015 ocorreram duas situações de correções de limites dos municípios. Um envolvendo Santana do Matos, Tenente Laurentino Cruz e Florânia e outro envolvendo Parazinho, Jandaíra e Caiçara do Norte; a SEARA/RN regularizou em 2012 e 2013 a situação territorial dos municípios de Caraúbas com Upanema, Jandaíra com Caiçara do Norte e Mossoró com Baraúnas.

168 Figura 25 - Fluxograma para revisão de limites com efeito para o IBGE

*Na fase 1 pode haver intervenção da SEARA/RN para negociar um acordo.

Fonte: Dados da pesquisa, 2017

Resultou dessa ação uma proposta de demarcação, redigida com coordenadas apropriadas ao território municipal, e a ser discutida com a prefeitura municipal de Touros, correspondendo ao início da primeira fase de revisão de limites municipais sugeridos pela SEARA/RN, como expresso na Figura 25. Nessa primeira tentativa, ocorrida em 2011, ocorreram sete reuniões, sendo duas delas envolvendo os dois prefeitos e a SEARA/RN. Pelas informações coletadas, num primeiro momento, após exposição da incongruência, houve sinal positivo do executivo municipal de Touros para a revisão dos limites.

Porém, na reunião final, a prefeita, sem a aprovação dos vereadores desse município, recuou, e as negociações cessaram (Figura 26).

169 Figura 26 - Medidas para revisão dos limites entre São Miguel do Gostoso e Touros em 2011

*Nessa fase houve a intervenção da SEARA/RN para negociar um acordo.

Fonte: Dados da Pesquisa, 2017

Sobre essa tentativa de acordo, o gestor de São Miguel do Gostoso à época relatou:

Quando a SEARA/RN me orientou, eu fui ver com a prefeita de Touros. Touros nem sabia dessa questão, ficou sabendo através da contagem populacional que foi além da previsão do IBGE, e depois teve mais detalhes com a minha procura para solucionar o problema. A princípio a prefeita deu carta branca para resolver. Mas depois deu confusão. Os vereadores pressionaram, com olho no IPTU daquela região de Gotoso, por que realmente o que foi que cresceu do lado de cá de Gostoso foi a parte turística, em termos de habitantes não, são os mesmos. [...] a prefeita tinha até boa intenção em resolver, mas os vereadores fizeram pressão na intenção de cobrar impostos. Eles ficaram com interesse na área mais valorizada de São Miguel do Gostoso, para nós, é tida como área nobre. O metro quadrado lá é um, do outro lado da cidade é outro. (Ex-prefeito de São Miguel do Gostoso B, 2017)

Ou seja, a aproximação político-partidária entre as administrações municipais de São Miguel do Gostoso e Touros não foi suficiente para solucionar o impasse. O esforço não avançou na discussão com o legislativo municipal de Touros e um acordo não pôde ser firmado. Percebe-se na explicação do ex-prefeito que a relevância das atividades turístico- imobiliárias foi colocada como um dos interesses sobre o território em questão.

Nas eleições de 2012 (mandatos exercidos entre 2013 e 2016), em São Miguel do Gostoso, a Sra. Maria de Fátima Neri elegeu-se pelo PMDB derrotando um candidato do PSD. Por outro lado, em Touros, o Sr. Ney Rocha Leite, elegeu-se prefeito através do PSD. Ou seja, os prefeitos eleitos de São Miguel do Gostoso e Touros eram integrantes de partidos oponentes nos pleitos eleitorais. Este fato conduziu a um quadro de distanciamento de relações políticas, afastando ainda mais a possibilidade de revisão dos limites municipais.

170 Ao longo do primeiro semestre de 2013 a SEARA/RN tentou novamente intermediar as negociações entre as Prefeituras. Foram marcadas três reuniões. Nas duas primeiras compareceram secretários municipais (de articulação política e de Turismo) e o procurador do município de Touros. Pela natureza do processo, são agentes sem poder de decisão. Na terceira não houve envio de representante, nem o comparecimento do prefeito de Touros. Nas três ocasiões a prefeita de São Miguel do Gostoso esteve presente.

Entre os anos de 2013 e 2016 a questão territorial adquiriu ainda mais os contornos de um conflito, cujo interesse incidia sobre os tributos arrecadados pela esfera municipal. O ápice da tensão ocorreu pela tentativa da Prefeitura de Touros em efetuar a cobrança de impostos das empresas e imóveis situados na área de impasse.

Segundo o gestor da pasta de turismo de São Miguel do Gotoso, os empreendimentos turísticos foram o alvo da cobrança efetuada pela Prefeitura de Touros, gerando perplexidade e indignação aos que atuavam na administração. Sobre esse momento do litígio, o relato abaixo é representativo:

O problema ficou maior em 2013 quando o pessoal de lá (Touros) veio cobrar o IPTU e ISS daqui (São Miguel do Gostoso). Aí foi briga grande! E para tirar esse pessoal daqui de dentro foi briga [...]eles estavam dentro da lei deles e a gentes estava dentro de nossa lei. A gente não permitiu. Nós tomamos conhecimento porque uma pessoa ligou para a gente dizendo que havia funcionários de Touros no seu estabelecimento querendo emitir ISS. Pera aí! Isso não existe, isso aqui é São Miguel do Gostos! Mandar uma equipe cobrar impostos em São Miguel do Gostoso foi visto por nós como uma afronta! Nesse sentido os ânimos se acirraram. A partir desse momento houve maior mobilização para elaborar o dossiê e procurar o governo do estado. (Secretária de Turismo de São Miguel do Gostoso, 2017)

A ação de cobrança de impostos empregada pelo município vizinho ligou o alerta da gestão de São Miguel do Gostoso quanto um provável fracasso na sua demanda a depender da gestão de Touros. As ausências nas convocações de reuniões para discutir a revisão, somadas ao interesse sobre tributos, forçou que os políticos adotassem novas estratégias para resolver o impasse, agora de forma unilateral.

Com os esforços através de uma articulação da SEARA/RN esgotados, coube à administração municipal recorrer às instâncias estaduais na busca de uma solução. Em outubro de 2013 foi enviado à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, aos cuidados do presidente da casa um ofício acompanhado de uma declaração e de um novo estudo desenvolvido pela SEARA/RN e a gestão municipal. Os documentos foram encaminhados

171 junto com uma minuta de Lei com a indicação dos novos limites. Ou seja, sem a oportunidade de encaminhar o processo de forma consensual com a prefeitura de Touros, coube à gestão de São Miguel do Gostoso eliminar etapas no processo, tentando avançar de fase no fluxo de revisão de limites, diretamente e unilateralmente junto à casa legislativa do Rio Grande do Norte.

Sabendo das dificuldades que poderiam enfrentar na ALRN, os políticos de São Miguel do Gostoso buscaram apoio de deputados estaduais. As ligações partidárias foram acionadas para inserir essa pauta nas discussões legislativas. No entanto, essa tentativa também foi malsucedida, uma vez que o prefeito de Touros era aliado político do presidente da casa. O Deputado Estadual que atuou na ALRN para propor um projeto de lei de revisão dos limites municipais informou que a proximidade partidária da gestão municipal de Touros com a presidência da casa legislativa, concomitante à rivalidade da gestão de São Miguel do Gostoso, foi o principal motivo da frustração da ação, que nem chegou a ser citada em plenária, tal era o quadro de adversidade política apresentada na época. Assim, pela oposição de Touros e sua influência política na Assembleia Legislativa, o processo de revisão dos limites não virou proposição de Lei (Figura 27).

Figura 27 - Medidas para revisão dos limites entre São Miguel do Gostoso e Touros em 2013

172 Em 2017, iniciaram-se novos mandatos eleitorais nos municípios. Em São Miguel do Gostoso tomou posse Jose Renato Teixeira de Souza do PSD e, em Touros, Francisco de Assis Pinheiro de Andrade do PP. Em São Miguel do Gostoso, apesar desses partidos comporem coligações oponentes na disputa do executivo, os prefeitos já iniciaram conversas para tratar do assunto. Em novembro de 2017, ocorreu uma reunião entre os dois prefeitos e um deputado estadual, integrante da Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do RN. A orientação dada foi reenviar para a Casa Legislativa um novo ofício solicitado à revisão dos limites municipais, providência prontamente tomada no mesmo mês.

Os munícipes de São Miguel do Gostoso têm convicção de que a gestão municipal deve articular os recursos técnicos e políticos na defesa dos seus interesses e na busca de uma solução plausível para a questão dos limites. Nas entrevistas concedidas, a classe política mostrou-se otimistas no encaminhamento de uma solução para o litígio, a partir dos diálogos estabelecidos com os administradores do município de Touros. Consideram que o quadro político mudou:

No passado, o prefeito de Touros era ligado ao governador e ao presidente da assembleia, e o de São Miguel do Gostoso era contra. Isso dificultou. Agora como os atuais prefeitos tem aproximação entre si e com o governo do estado, tem-se uma aliança mais fácil. (Presidente da Câmara Municipal de São Miguel do Gostoso, 2017)

Tanto existe aproximação política entre os novos prefeitos, quanto entre os deputados acionados e a presidência da ALRN. Com as condições acima, para os entrevistados, a aproximação entre gestores será capaz de construir uma relação cujo fruto seja o estabelecimento de diálogos voltados à solução do litígio, cumprindo as etapas necessárias à revisão dos limites territoriais municipais.

No entanto, a animosidade entre alguns políticos de Touros e São Miguel do Gostoso resistem ao tempo e extrapolam o período eleitoral. Fato evidente no pedido para que os ex-administradores de Touros não fossem procurados enquanto fontes de pesquisa, e consequentemente tomem conhecimento das negociações iniciadas recentemente. Há, por parte da atual gestão de São Miguel do Gostoso, o receio de que os mesmos atuem na casa legislativa, com influência sobre os deputados, para travar o processo. Com isso, fica notório a percepção de que em gestões passadas, o município de Touros não tinha interesse de solucionar o litígio:

173 É uma questão burocrática e os ex-prefeitos de Touros não tinham interesse de resolver. Se souberem que estamos alinhados com o novo prefeito e na ALRN para resolver, são capazes de inflamar, em decorrência do ano de eleição, e querer travar. Touros nunca teve interesse de resolver essa questão. Eu acho que você pode nos ajudar se não os procurar para tratar isso. Agora estamos em consenso e por enquanto está um movimento positivo. Estamos com 98% do problema resolvido, mas a cada conversa, isso pode inflamar e quem já atrapalhou pode criar mais problemas. (Prefeito de São Miguel do Gostoso, 2017)

A certeza de que a demora de um acordo para o litígio torna a solução mais complicada, em função da continuidade de investimentos, e do próprio crescimento populacional incentivou a prefeitura de São Miguel do Gostoso a fazer novos esforços, agora com melhores condições de aproximação entre os municípios.

5.3 AS CONDIÇÕES DO ACORDO: (RE)DEFINIR O DOMÍNIO SOBRE A PRAIA DA