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AS IMPLICAÇÕES DO LITIGIO SOBRE A GESTÃO DO TERRITÓRIO EM SÃO MIGUEL DO GOSTOSO

OBJETIVO GERAL OBJETIVOS ESPECÍFICOS

5.1 AS IMPLICAÇÕES DO LITIGIO SOBRE A GESTÃO DO TERRITÓRIO EM SÃO MIGUEL DO GOSTOSO

A partir de 2010 a gestão municipal, e indiretamente os moradores de São Miguel do Gostoso passaram a enfrentar os problemas decorrentes da incongruência dos limites municipais. Mas a opinião dos impactos e problemas decorrente da questão territorial varia entre os distintos representantes de grupos entrevistados.

Para o representante do empresariado (AEGOSTOSO), o impasse estabelecido acerca dos limites não incide diretamente sobre os negócios. Faz questão de reforçar que, para os associados não existem interferência da questão territorial na relação empresarial, estando todos ligados pela marca de ‘Gostoso’. Tal constatação é justificada pelo fato de que, mesmo aqueles que possuem suas empresas situadas no município de Touros são integrantes da Associação e usam a marca de São Miguel do Gostoso para divulgar seus produtos. E dessa forma, a entidade não discute os problemas dos limites.

As visitas aos empreendimentos turísticos e entrevistas realizadas confirmam que o empresariado situado na área de litígio tem preferência por relacionar seu negócio ao município de São Miguel do Gostoso. Para o gestor de turismo do município os “investimentos de empresários não sente qualquer impacto. Quem perde mesmo é o município, porque os empresários de pousadas e restaurantes se vendem como São Miguel do Gostoso e não como Touros”. (Secretária de Turismo de São Miguel do Gostoso, 2017). Este fato coaduna com a posição da AEGOSTOSO no que tange à força de mercado que o nome do município adquiriu nos últimos anos.

Assim como a classe empresarial não considera que o impasse nos limites gere algum problema para os negócios de seus interesses, o mesmo acontece com outros representantes consultados, como entidade representante de pescadores e a instituição religiosa consultada. A exceção foi a representante dos trabalhadores rurais, que relacionou o impasse dos limites com problemas no processo de titulação das terras de Projetos do Assentamento Rural Arizona, inseridos em áreas de impasse. Nesse caso houve incompatibilidade entre a solicitação do agricultor, declarante morador de São Miguel do Gostoso e o cadastro de terras do órgão, reconhecendo a terra a ser titulada como integrante do município de Touros. Isso gerou atraso no processo, deixando moradores sem condições de aderir ao plano de facilidades desenvolvido pelo INCRA.

157 Apreende-se, no conjunto das entrevistas, que apesar dos problemas que a demarcação tem gerado para a gestão municipal, o assunto não é tratado no âmbito da população. Os entrevistados reforçam que não é um assunto discutido em profundidade, ou seja, reconhecem que não há domínio público e entre os moradores a noção do que se passa é superficial. Exemplo desse desconhecimento é dado pelo padre de São Miguel do Gostoso, que até dois meses antes da entrevista concedida não sabia da incongruência dos limites. Para um dos políticos entrevistados é:

Apenas no período eleitoral que o tema surge. Depois disso, não se fala no assunto. Não há repercussão no dia-a-dia do morador. A repercussão é na gestão e no prejuízo que tem, pois se gasta e não se recolhe. (Ex-prefeito de São Miguel do Gostoso B, 2017)

Através do conjunto de entrevistados, percebe-se que aqueles atores que exercem ou exerceram cargos públicos são os mais informados, a exemplo dos representantes de duas ONGs consultadas.

É de fato sobre a gestão do território, a cargo do Estado, especialmente no cumprimento de sua função fiscal que incidem os maiores problemas decorrentes da incongruência dos limites. Sobre tal aspecto vale destacar as dificuldades mais citadas pelos gestores consultados.

Um dos impactos ligados à gestão pública está expresso na equação: recursos recebidos vinculados à população contabilizada versus despesas na manutenção de serviços à população que usa o território. Os entrevistados situam o problema em torno do repasse de recursos federais que tomam como base a contagem populacional efetivada no censo 2010 pelo IBGE. Na ocasião, a contagem populacional não atribuiu a São Miguel do Gostoso a população residente na área de litígio, frustrando a gestão municipal quanto ao valor do repasse do FPM, como relatado:

O censo de 2000 não identificou esse problema com os limites. No censo de 2010 foi que se identificou. E quando veio o resultado, a quantidade de habitantes naquela área foi considerada de Touros. Isso gerou impacto em São Miguel do Gostoso, no FPM principalmente, aí houve articulações junto aos órgãos. (Representante de ONG A, 2017)

Os gastos da gestão municipal de São Miguel do Gostoso com serviços públicos prestados à população tornam-se mais onerosos se for levado em conta que parte da população atendida é contabilizada para o quadro populacional de Touros. A população não

158 contabilizada para São Miguel do Gostoso impede que o coeficiente ultrapasse o índice de 0.6 e assim limita recursos provenientes do governo federal. Essa situação tem afetado a gestão no tocante a liberação do Fundo de Participação dos Municípios e outros recursos que tem como base o coeficiente populacional, tal como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e o Auxílio Financeiro aos Municípios (AFM).

O repasse mensal do FPM está entre os problemas mais citados pelos representantes da gestão municipal de São Miguel do Gostoso. Para o Presidente da Câmara dos Vereadores, esse tem sido o ponto mais debatido nas plenárias: “Essa questão dos prejuízos é o mais discutido porque São Miguel do Gostoso se mantém em 0,6. Essa é a maior discussão que ocorre. [...] A luta é para sair de 0,6 para melhorar o repasse”. (Presidente da Câmara dos Vereadores de São Miguel do Gostoso, 2017).

Para o prefeito do município, a diminuição do recurso recebido é um problema urgente:

O FPM é o principal prejuízo. Isso tem que ser resolvido, no máximo, até janeiro, porque o município não pode ficar com esse prejuízo de FPM, sem contar FUNDEB e os outros auxílios do governo federal que são repassados com base no coeficiente do FPM. (Prefeito de São Miguel do Gostoso, 2017)

A Prefeitura de São Miguel do Gostoso, em um dossiê encaminhado à ALRN, estima que somente para o FPM o ônus orçamentário é de R$ 400 mil reais. Segundo as projeções do município, a população que é atendida pela sua gestão, mas contabilizada para Touros, possibilitaria mudança no coeficiente que serve de base para o cálculo do repasse.

A expansão de área urbana efetuada em 2004 indicou que o uso do território se tornou mais complexo em seu conjunto material, consequentemente, em suas funções desenvolvidas. Com isso, outra preocupação vinculada ao impasse é a construção de prédios públicos em território atribuído a Touros. Segundo as fontes consultadas, a população de São Miguel do Gostoso, utiliza tais prédios para sua assistência hospitalar e educacional, principalmente. Ou seja, a despesa gerada pela presença de prédios públicos e a prestação de serviços à população residente na área de litígio é arcada por São Miguel do Gostoso, porém, o recurso federal vinculado a essa mesma população não é repassado, contribuindo, consequentemente, para o desequilíbrio das contas públicas. Tal fato fica claro com a

159 identificação dos prédios públicos situados na área de litígio, muitos deles administrados pela Prefeitura de São Miguel do Gostoso (Quadro 08).

Quadro 08 - Prédios públicos situados em área de litígio entre São Miguel do Gostoso e Touros.

Designação Função Administração Câmara Municipal Palácio Vereador Francisco de Arimatéia

Neri Política Municipal

Cemitério Novo Saúde Municipal

Cemitério Antigo Saúde Municipal

SEMTHAS Administrativo Municipal

Conselho Tutelar de SMG Assistencial Municipal

Feira Livre Comércio Municipal

Destacamento da Polícia Militar Segurança Estadual Departamento de Polícia Civil Segurança Estadual

CORREIOS Comunicação Federal

Unidade Mista de Saúde Saúde Municipal

Unidade Básica de Saúde dos Dourados Saúde Municipal SAAE - Serviço de abastecimento de água Serviço Básico Municipal

Centro de Cultura Educação Municipal

Ginásio Poliesportivo João Guardiano Berezza Jr - Carlitão Esporte Municipal Estádio Municipal Vicente Teixeira e Silva Esporte Municipal

Centro de Múltiplo Uso Educação Municipal

Escola Municipal Ana Ribeiro Dantas Educação Municipal Escola Municipal Coronel Zuza Torres Educação Municipal Escola Estadual Olímpia Teixeira Educação Estadual Terminal Turístico Nilo Ribeiro Neri Lazer Municipal Praça João Vieira (Praça do Cardeiro) Lazer Municipal Serviço Social da indústria Prof. José Ferreira Gomes Educação Municipal

Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.

São, portanto, 22 prédios públicos que prestam serviço de diversas funções aos habitantes de São Miguel do Gostoso, dentre os quais quatro são administrados por outras esferas de governo, e 18 são de responsabilidade administrativa municipal (Figura 24). As instalações e a prestação de serviço à sociedade permitiram com que a esfera municipal do Estado organizasse o território por intermédio dos arranjos implementados. Nesses objetos são desenvolvidas ações que reforçam a coesão do território, pois garantem que os residentes se reproduzam numa escala cotidiana através de seus estudos, de sua assistência básica, das práticas esportivas, da defesa e debate político, entre outras manifestações sociais.

160 Figura 24 - Serviços públicos em área de litígio entre São Miguel do Gostoso e Touros - 2017

Fonte: Dados da Pesquisa, 2017.

A título de exemplo, a Escola Municipal Ana Ribeiro Dantas, por exemplo, atende a 640 alunos e a Escola Estadual Olímpia Teixeira mais 470. Ou seja, somente no plano educacional, em duas das três escolas identificadas são mais de mil alunos assistidos pela gestão municipal de São Miguel do Gostoso, seja através de toda a provisão educacional (escolas municipais), ou parte dela (transporte escolar para as escolas estaduais).

161 Também são citadas enquanto despesas para uma população não contabilizada para São Miguel do Gostoso, os atendimentos à saúde, recolhimento de lixo, fornecimento de água, iluminação pública e a gestão de programas sociais conveniados com o Governo Federal, entre os quais o Programa Bolsa Família e o Programa de Saúde da Família. Os prédios públicos, os serviços prestados, a relação que os moradores estabelecem com as instituições mantidas pelo poder executivo corroboram para a compreensão de que território se forma como resultado da ação de um agente, que projeta um trabalho, e deixa marcas de apropriação.

Além de serem apontados gastos de recursos públicos para atender à população que é contabilizada para Touros, foram relatados gastos para atender a população que mora nos distritos próximos, como Monte Alegre e São José de Touros cuja população recorre à São Migue do Gostoso para atendimento de saúde e educação, principalmente.

O prefeito de São Miguel do Gostoso queixa-se com essa situação: “Nos distritos de São José e Monte Alegre nós atendemos em saúde e educação uma população entre 800 a 1000 pessoas; Touros recolhe o lixo”. (Prefeito de São Miguel do Gostoso, 2017). Situação que ocorreu também em gestões anteriores, como relatou um ex-gestor do município: “Touros nunca faz nada nas proximidades de São Miguel do Gostoso. Até mesmo no distrito de Monte Alegre, a população recorre a Gostoso para atendimento à saúde, transporte escolar, programas sociais [..]”. (Ex-prefeito de São Miguel do Gostoso B, 2017). Ou seja, nos prédios públicos situados em área de litígio, além de atendimentos prestados a moradores de São Miguel do Gostoso, ocorre atendimento a habitantes de distritos próximos, situados no município de Touros.

Diante do impasse para definição de limites municipais que atendam aos interesses e necessidade de São Miguel do Gostoso outros prejuízos se acumulam. Além de afetar o repasse federal do FPM e outras verbas, foram identificados problemas com relação à arrecadação de impostos sobre os serviços prestados (ISS), sobre o uso do solo urbano (IPTU) e sobre as transferências de propriedade de imóveis (ITIV) na área de litígio.

Foi mencionado o imposto dos serviços prestados pela Usina de Energia Eólica Santo Cristo SA, inaugurada em 2012. É uma empresa pertencente à Companhia Paranaense de Energia (Copel) e à Voltalia Energia do Brasil, do grupo francês Voltalia, beneficiado com recursos oriundos do PAC, com valor estimado de R$ 128,9 milhões e situada na área de litígio. No cadastro do Ministério de Minas e Energia o Parque Eólico está situado em Touros.

162 Porém, o imposto não tem sido pago nem a São Miguel do Gostoso, nem a Touros. A cobrança é feita pelos dois municípios, por isso, o recurso é depositado em uma conta judiciária até que se defina o real beneficiário.

Os gestores de São Miguel do Gostoso também se queixam da inadimplência dos proprietários de imóveis. Expõem que um número significativo de munícipes deixa de honrar os compromissos tributários em função da indefinição e do impasse envolvendo os limites. Sobre o pagamento do IPTU, um ex-prefeito relatou:

Há alguns moradores do lado em questão que pagam IPTU a São Miguel do Gostoso. A maioria não paga. Nem pagam a Touros, nem a São Miguel do Gostoso. Estão se beneficiando do impasse e o município deixa de arrecadar. E tudo é mais caro, o lixo é mais caro, iluminação, as despesas todas são para Gostoso, não é para Touros. (Ex-prefeito de São Miguel do Gostoso B, 2017)

Os atuais gestores ratificam a situação de inadimplência:

Há muitos que não quer pagar seus tributos. Quando São Miguel do Gostoso vai cobrar, ele diz: “aqui é Touros”. É uma questão administrativa em relação a tributos. A regularização vai ser boa para os dois municípios, porque vai acabar com essa estória do cidadão não querer pagar seus impostos. Entre pagar IPTU a São Miguel e à Touros, fica burlando a tributação. (Prefeito do Município de São Miguel do Gostoso, 2017)

Sobre a falta de pagamento dos tributos gerados a partir da comercialização de terras, o prefeito denuncia:

Um terreno na entrada da cidade, no valor de 26 milhões, que foi vendido, e não houve pagamento de imposto nem a Touros, nem a Gostoso, enquanto não se resolve os limites, as pessoas não querem pagar os tributos direito. (Prefeito de São Miguel do Gostoso, 2017)

No tocante às empresas prestadoras de serviços turísticos, a inadimplência envolve IPTU e ISS. Uma situação que agrava a capacidade da gestão municipal em prestar o atendimento básico aos habitantes:

[...] quando a prefeitura efetua alguma cobrança, usa-se o argumento de que o empreendimento está em outro município. Não paga nem para São Miguel do Gostoso, nem para Touros. E as pousadas situadas na Ponta do Santo Cristo são as que mais arrecadam, as tarifas são cobradas em euro. É um absurdo gerir um município naquelas condições, sem arrecadação, pois o turismo ali não deixa renda para o município. Eles não emitem nota fiscal, e assim como ocorre o tributo? E são as pousadas que melhor garantiriam

163 arrecadação para São Miguel do Gostoso. (Ex-prefeito B de São Miguel do Gostoso, 2017)

Na verdade, a atividade turística, sobre esse aspecto, tende a agravar as dificuldades de gestão do território, pois acrescenta a São Miguel do Gostoso um contingente populacional que requer o mesmo atendimento público dos residentes permanentes. Para a gestão do município a dificuldade é ofertar serviços públicos, tais como coleta de lixo e fornecimento de água, problemas crônicos já para os moradores residentes. Sobre esse aspecto, há certo grau de compreensão que o aumento dos gastos com serviços públicos não é compensado com a arrecadação dos impostos.

Sem os recursos provenientes dos impostos, a prestação de serviços fica comprometida para o visitante e para o residente. Sobre o peso que a atividade turística exerce na prestação dos serviços públicos, afirma-se:

O turismo exige muito do município. A população flutuante é alta. Os serviços de limpeza, saúde e urbanização são muito cobrados, e outros problemas sociais que sabemos que tem. A cidade é turística, mas não temos só a sede, a gente tem 25 distritos para administrar. (Prefeito de São Miguel do Gostoso, 2017)

A compreensão de que o custo da manutenção da infraestrutura urbana para atendimento aos visitantes é maior do que a arrecadação gerada para o município decorre do quadro de inadimplência de pagamentos de impostos que a gestão enfrenta. Para os gestores municipais, as cobranças realizadas pelos empresários de turismo não são acompanhadas do devido cumprimento das obrigações tributárias. A situação de inadimplência é atribuída ao impasse nos limites municipais, uma vez que, não definido qual município é de fato detentor do direito dos tributos, não há pagamento de IPTU e ISS a nenhum dos dois municípios.

Assim, a solução no impasse dos limites terá como efeito agregado maior respaldo jurídico-administrativo para efetuar as cobranças. Essa é a situação dos empreendimentos que ficam situados na área de litígio. Para a gestão municipal, apesar de terem ocorrido novas áreas de abertura de empresas ligadas ao turismo, essa atividade turística ainda está concentrada ao longo das praias e especialmente na Ponta do Santo do Cristo, fato relacionado às boas condições para a prática de esporte de aventura.

Existe a convicção de que a correção dos limites municipais daria oportunidade aos gestores de São Miguel do Gostoso de equacionar os gastos efetuados para a manutenção

164 dos serviços públicos. Com a revisão dos limites, poderiam ser contabilizados moradores ligados ao município, elevando o valor de repasses federais; concomitantemente reforçam-se os argumentos para a cobrança de impostos ligados ao uso do território e à prestação de serviço. Tais correções possibilitariam melhores condições de atendimento aos visitantes e moradores.

5.2 AS AÇÕES PARA A CORREÇÃO DOS LIMITES NUM CONTEXTO DE