CAPÍTULO IV A REPRESENTAÇÃO IDENTITÁRIA DAS
4.2 Ações da narrativa telejornalística
Para analisarmos as ações dos personagens na narrativa jornalística buscamos a categorização dramatúrgica feita por Coutinho em sua tese de doutorado que ressalta o conflito narrativo/social e a ação no desenrolar da reportagem jornalística. Em nosso estudo adaptamos esse modelo de análise de conflitos, narrativo e social, e a ação
desenvolvida no drama telejornalístico ao objeto do trabalho: o discurso presente na fala dos moradores.
De maneira geral quando falamos em matérias de pacificação nas comunidades até então dominadas pelo tráfico é possível evidenciar dois momentos desse discurso jornalístico: o antes e o depois da pacificação. No antes predominam as matérias que falam da preparação da invasão, no ultimato aos traficantes e as promessas do Estado de melhoria de serviços que até então eram difíceis para os moradores dessas regiões. É interessante ressaltar que o discurso dos moradores na maioria dos casos vem exatamente confirmar esse tipo de ação, descrita pelos repórteres e edição de imagens. Um discurso que nas matérias analisadas quase nunca entra em desacordo com esse conflito narrativo/ação dramática apresentada no texto telejornalístico.
Outro momento importante, talvez o mais interessante dentro dessa análise, é o depois da invasão dessas comunidades. Há uma espécie de exaltação dos moradores dessas regiões sob o ponto de vista da fala jornalística. Num primeiro momento destaca- se o que eles passarão a ter acesso com essa “pacificação”: serviços públicos, culturais, assessoria jurídica; há uma exaltação das vantagens do novo colonizador, no caso o Estado Brasileiro. E aí se fazem as comparações evidentes com a mudança do tráfico para o domínio policial. Num segundo momento, sob a ótica capitalista, se destaca uma espécie de “inclusão” desse cidadão no mercado consumidor, a partir da pacificação. Assim há a ênfase na economia informal, no comércio que abre as portas, no potencial econômico da região e nas possibilidades de um futuro de oportunidades dos moradores agora “incluídos”.
Também entram em foco as analises que falam da guerra vencida pela polícia, com uma espécie de exaltação desse trabalho. No discurso telejornalístico há um tom de apoio. Mas por vezes resta uma pequena dúvida, ressaltada na fala do morador ao usar o verbo condicional, o que deixa uma ponta de incerteza e uma crítica possível, à forma de presença do Estado e à repressão policial.
Ainda há relatos na narrativa das ações pós-invasão para garantir o domínio, como a apreensão de armas que foram escondidas pelo tráfico e o patrulhamento para evitar a volta da violência. No fim as reportagens que constituem o recorte empírico do trabalho oferecem um panorama mesmo que breve das consequências enfrentadas/vividas por esses moradores, colocando em cena a possibilidade de apreensão do olhar de quem muitas vezes está de fora e nem sempre vivenciou ou compreendeu o discurso real e as necessidades desses moradores.
JORNAL NACIONAL – ANTES DA PACIFICAÇÃO
Conflito narrativo/social Ação Discurso na fala dos moradores Domínio de décadas da Rocinha
pelo tráfico
Promessa de retomada pelo Governo do Estado.
Forma como a invasão será feita
Reforço da melhoria da situação com a invasão
Torcida para que a polícia realmente ajude os moradores Moradores da Rocinha estocam
comida para evitar sair durante os confrontos entre polícia e traficantes
População evita correr riscos Ações policiais que acontecem
Torcida para que a invasão dê certo.
Reforço de ficar em casa
Torcida para que a mudança seja para o bem
Domínio da Vila Cruzeiro pelo tráfico
Invasão da favela pela polícia Luta com traficantes
Fuga dos bandidos
Dificuldade de transitar por conta do domínio do tráfico Expectativa de que mude de verdade dessa vez
Briga pela “retomada” do Complexo do Alemão pela polícia e saída dos traficantes Dia de tensão dos moradores
Ultimato aos traficantes Preparação para invasão Prisão de traficantes
Confirmação da melhoria na Vila Cruzeiro
Moradora convence filho a se entregar
Aqui as reações dos moradores são muito citadas, mas na fala da repórter. No rosto dos moradores que deixaram a região, desespero e medo.
JORNAL NACIONAL – DEPOIS DA PACIFICAÇÃO
Celebração Informação Discurso na fala dos
moradores Retomada da Rocinha dá
“esperança” a milhares de moradores
Anúncio da chegada dos serviços públicos, culturais, de justiça.
Economia que cresce, apesar da informalidade
Enquadramento na “lógica capitalista”
Relatos do potencial econômico da Rocinha e histórias de sucesso
Expectativa de chance de valorização dos imóveis
Expectativa da vinda de serviços básicos como em outras partes do Rio
Polícia comemora resgate de armas e denúncias dos moradores da Rocinha
Mudança de cenário da favela
Mais de 200 armas apreendidas Mais de 600 denúncias de moradores
Resultado das UPPs e panorama da situação no Rio
Esperança de não ver mais bandidos na comunidade
Tranquilidade para as gerações futuras
Volta ao local depois do abandono
Comemoração pela volta da tranquilidade e fim do tráfico no Complexo do Alemão
Volta às aulas
Comércio que abre as portas Trabalho da polícia e preocupação com segurança dos moradores
Esperança num futuro melhor Tranquilidade apesar das revistas da polícia
Vingança contra traficantes mediada na fala da repórter e da autoridade
Comemoração pela libertação do tráfico no C.Alemão
O que mudou no dia-a-dia Volta dos moradores e turistas na Igreja da Penha
Futuro de oportunidades
Esperança de oportunidades profissionais
Esperança de serviços básicos Fim do medo de circular Produtos mais baratos
Quando tomamos como objeto da análise empírica o Profissão Repórter o conflito narrativo tem como foco a realidade vivenciada por esses moradores, parte do
cotidiano apresentado via narrativa dramática. Diferente do discurso do JN a fala dos moradores é usada para reforçar esse conflito, aqui também social, de oposição concreta, muitas vezes às versões propagadas pela autoridade presente. E isso motiva em vários momentos o desenrolar da ação. O telespectador é confrontado pelas visões desses lados para estabelecer uma conclusão que pode ser própria ou induzida pela visão do repórter/personagem. De maneira diversa à edição do JN, em que tudo é entregue pronto para o telespectador, aqui ele é convidado a experimentar as percepções da realidade junto com a jovem equipe de jornalistas; tudo mediado pela experiência/ orientação de Caco Barcelos, que atua como editor em cena.
Outro ponto importante para revelar a realidade é o depoimento dos funcionários do hospital (Hospital de Guerra) e dos professores e direção das escolas próximas aos conflitos entre policiais e traficantes (A vida na linha de tiro). Ao mostrar a rotina, os dramas pessoais enfrentados por esses profissionais o discurso do Profissão Repórter pluraliza esses conflitos/narrativas e oferece uma gama diferenciada de versões. Há como uma das consequências esperadas uma humanização, também marca do drama informativo.
PROFISSÃO REPÓRTER – HOSPITAL DE GUERRA Conflito narrativo/social Objetivo do Programa – Ação-
proposta
Discursos na fala dos moradores
1º Bloco 14´30
Guerra polícia e traficantes Pacientes sob suspeita
Feridos que não param de chegar
Mostrar a luta dos profissionais do hospital para salvar vidas
Confirmação desse conflito, mas diferente do JN inserção de outras questões e subjetividades presentes no discurso desses moradores. Morte de rapaz atingido por
arma de fogo da polícia
Tentativa de ouvir os dois lados, de entender o que realmente aconteceu
Confirmação de que era bandido pela polícia. Dúvida por parte da família – mostra o lado humano da vítima de arma de fogo
A rotina de acidentes e atendimentos na sala de trauma.
Mostrar a rotina de atendimentos Imagens de vítimas. Médicos dão um panorama dos casos mais comuns.
A rotina de atendimentos do hospital
Mostrar o ponto de vista do maqueiro
Dá uma noção de que faz um primeiro diagnóstico para ajudar os médicos
Família com 3 crianças vítima de desabamento do teto.
Mostrar o atendimento e o que aconteceu
Ponto de vista médico
Alívio da mãe – todos estão bem
Sobreposição de histórias: Carla que engoliu a moeda e Dr. Sabino
Mostrar a operação da menina e a rotina de trabalho do médico
Sobe sons do sucesso da operação
Problemas de falta de medicação Mostrar o ponto de vista do auxiliar de enfermagem
Crítica à saúde pública e amor à profissão
Vida na cozinha
A chegada de pacientes graves na emergência sexta à noite Condições de trabalho
Morte de dois policiais por traficantes
.Traficante baleado Inspetor Ernesto e Fábio
Oposição aos dramas do 1º andar
Mostrar casos graves, o drama dos familiares e vítimas
Enfermeira que trabalha em vários locais
Mostrar a mudança da rotina com a circulação de vários policiais nos corredores
Ouvir o ponto de vista dele Interação polícia morador
Como são feitas as refeições, procedimentos e elogios ao pudim
Pedido de ajuda da sobrinha pela tia
Sobe som da família pela morte da paciente
Tem que trabalhar em vários locais e virar 36 horas ininterruptas pra sobreviver Diretor confirma que essa realidade é rotina
Medo do traficante com a chegada da polícia
Sobe som de perguntas Fabio com medo de injeção Inspetor Ernesto dá o perfil de quem é bandido
2º Bloco 8`42
Confronto entre policiais e traficantes no Morro do Alemão História de vítima de bala perdida
Rotina dos funcionários
Vítimas de balas perdidas
Mostrar a rotina do Hospital em dia de guerra
Contar história de Dona Ruth
História do maqueiro Rogério
História de Alexsandro
Depoimentos de familiares de quem está no hospital
Sobe som dos moradores na rua assustados
Depoimento da enfermeira sobre estado de saúde dela
Como levou a bala Nervosismo dela Opinião médica Rotina do dia-a-dia Rotina dos baleados
Uma semana depois a recuperação dela e o bom humor
Visão dele do trabalho e das vítimas
Perda de amigos e do sobrinho baleado
Conta que saia da padaria e levou bala perdida
Choro da mãe pela rotina de violência
Opinião médica
Depoimento dele na saída do hospital
PROFISSÃO REPÓRTER – A VIDA NA LINHA DE TIRO (somente parte do Rio) Crise/Narrativa Objetivo Discurso na fala dos
moradores
Escalada da violência no Rio e as consequências na população civil.
A rotina de violência por armas de fogo nas escolas do Rio
Mostrar vítimas do confronto com balas perdidas no Rio Vitimização na sala de aula
Dia a dia de escola no Morro do Alemão na linha de tiros dos estudantes
Mostrar a realidade de violência nas escolas e ouvir professores, alunos e familiares
Que policia é essa? (na voz de familiar no telejornal
Medo dos estudantes
Como se estivesse numa guerra segundo professor
Diretora conta situação de crianças ensanguentadas no confronto
Professora conta como escapou do tiroteio e como fez com alunos
Estudante atingida por estilhaço Diretora que guarda balas perdidas
Tiro impede a professora de continuar a entrevista
Diretor que não autoriza filmar Tatiane fala dos tiros – medo dos filhos serem atingidos
Criança conta que chorava de medo
O trauma de Roberto que viu um aluno sendo torturado por um traficante – angústia e perda de controle