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O Profissão Repórter

No documento lucianoteixeira (páginas 80-84)

CAPÍTULO III O TELEJORNALISMO E (RE) CONSTRUÇÃO

3.4 O Jornal Nacional, o Profissão Repórter e a (re) construção da identidade dos

3.4.1 O Profissão Repórter

O Profissão Repórter nasceu com a proposta de ser um programa diferenciado dentro da TV Globo. Como destaca o próprio nome, a idéia é dar um panorama de como é a vida e a execução da pauta jornalística. Por isso, os episódios que vão ao ar são focados em um assunto. A proposta do jornalista Caco Barcellos, uma espécie de diretor do programa e tutor de uma equipe de jovens repórteres, é ir às ruas para mostrar diferentes ângulos do mesmo fato, da mesma notícia. Tanto que logo no início do programa, na vinheta de abertura, a frase: “Os bastidores da notícia. Os desafios da reportagem”, afirma Barcellos, antes da sucessão de imagens, indicando que estes são os objetivos do programa.

Cada repórter tem sempre uma missão a cumprir, o que envolve tarefas tanto na realização da reportagem ao vivo quanto na finalização da matéria. Iniciado em 2006 como um projeto no Globo Repórter e depois como um quadro do Fantástico, tornou-se fixo na grade da Globo a partir de 3 junho de 2008. Uma proposta inicial onde já se tem uma diferenciação de outros programas de notícias da grade da emissora carioca. O Jornal Nacional e outros jornalísticos de rede têm em média entre 30 minutos e uma hora, mas o enfoque é generalista, com várias reportagens e diversos assuntos.

O Profissão Repórter é dividido em dois blocos, totalizando aproximadamente 25 minutos. A primeira parte da atração tem em média 18 minutos e a segunda sete minutos. As sonoras são mais longas e há mais tempo pra acompanhar a vida dos personagens. Em muitos casos os repórteres fazem um apanhado de vários dias da vida dos retratados.

Quando discutimos o formato encontramos semelhanças do Profissão Repórter dentro da grade da emissora com o Globo Repórter. Só que no programa liderado por Caco Barcellos os envolvidos na reportagem também são personagens. E estas histórias se confundem com a das pessoas mostradas em cena. Existe um paralelismo de acontecimentos. E isso virou a marca da atração.

Barcellos exerce várias funções dentro desse esquema narrativo: ele é apresen- tador, editor, professor, repórter e narrador principal. Ele pode estar ou não na cena, coordena o que será mostrado pelos outros jornalistas. Santos analisa a retórica do programa e a sua relação com os Estudos Culturais.

Mostrar os bastidores, na retórica do programa, serve para mostrar o desenvolvimento das histórias, colocando os jornalistas como personagens delas. O programa aproxima o jornalismo da sensibilidade, alterando a imagem defendida por certa tradição teórica que pensa que o jornalista tem que ser observador imparcial da realidade. É uma mudança na concepção do que é jornalismo, aproximando-se muito mais à concepção defendida por autores dos estudos culturais. (SANTOS, Thiago. Infotainment na TV: as estratégias de endereçamento do Profissão Repórter. Salvador, 2011 – consulta no site www.jornalismo.org em 31 de janeiro de 2012)

Para o espectador esse paralelismo permite ver duas histórias: a reportagem que está sendo mostrada e a maneira como o tema proposto é abordado por estes jovens repórteres. Aí aparecem as dificuldades, a forma particular como cada um lida com elas e a relação com os entrevistados/retratados. A estes jovens cabe o papel do profissional com pouca experiência, do “foca”, usando o jargão jornalístico. Isso tudo permite mostrar para quem assiste um outro lado, que até então era pouco mostrado, que é exatamente a forma de construir uma matéria de televisão.

O formato do programa privilegia uma nova forma de tratar o telespectador. Ele é testemunha das histórias mostradas, uma forma de naturalizar a informação. Um dos aspectos que mostram isso é a maneira como a edição é feita, a forma como os fatos são entremeados dentro da narrativa, em todas as etapas da produção. Quem assiste também é convidado a participar do programa pela internet. No fim Caco Barcellos repete o

mesmo jargão, o de que o programa não termina naquele momento, continua na internet. O apresentador olha para a câmera e utiliza o “você”.

Ele simplesmente funciona como um mediador entre a notícia e o público, reportando os acontecimentos. (...)Sua originalidade reside, sobretudo na sua capacidade de mesclar diferentes gêneros, que convivem entre si de forma harmônica. E o resultado final é esse programa “híbrido” que inaugura uma nova maneira de transmitir a informação. (ARANTES, 2010, p. 13)

A história de Caco Barcellos é singular no jornalismo brasileiro. Ele se especializou em jornalismo investigativo, documentários e grandes reportagens sobre injustica social e violência no país. Ele escreveu 3 livros, o mais importante é o seu Rota 66. Foram oito anos de pesquisa sobre a polícia que mata em São Paulo e o resultado foi à identificação de 4.200 vítimas assassinadas pela Polícia Militar de São Paulo. Por causa disso o jornalista teve que ficar um tempo fora do país, pra não correr risco de morte.

O jornalista escreveu ainda Nicarágua: a Revolução das Crianças. Foi o primeiro livro de Barcellos e fala sobre o movimento sandinista na Nicarágua. Ele foi cobrir a guerra como free-lancer e acabou na mão dos sandinistas como refém.

Para efeito da nossa análise nos interessa a narrativa de seu terceiro livro: Abusado, o dono do morro Dona Marta. Um relato do tráfico nos morros cariocas, de como "nascem" os traficantes e do relacionamento entre eles e a comunidade. O livro é uma reportagem escrita em forma de romance. Assim como Rota 66, o Abusado é referência para várias escolas da periferia de grandes cidades brasileiras, e mesmo nos cursos universitários de Jornalismo. Considerado um livro reportagem algumas passagens do texto mostram exatamente o lado da denúncia das condições precárias e da falta de atenção do Poder Público.

Os homens que podiam mudar a vida miserável dos moradores da Santa Marta naquele ano de 1987 eram seus vizinhos mais próximos. Os muros do Palácio da Cidade faziam divisa com a favela. Os barracos de alvenaria e madeira, que cobriam o morro de cima a baixo, eram a única vista do gabinete do prefeito, que podia vê-los a toda hora, mas que parecia nunca lembrar de trabalhar por eles. Ao lado da Prefeitura estavam as duas ruas de acesso ao morro pelo bairro de Botafogo. Os servidores poderiam levar a pé ou de carro algum benefício aos favelados. Mas o morro sempre pareceu longe demais para os homens e as máquinas do município. Escondidos no coração da região mais rica da cidade, a zona sul, os moradores da Santa Marta viviam há 53 anos sem uma única escola ou hospital e sem ter nenhum dos 84 becos pavimentado pela Prefeitura. (BARCELLOS, 2003. p.66)

Ao descrever aqueles territórios o jornalista também abre espaço em sua narrativa para que surjam relatos sobre os moradores da periferia nesse contexto de violência que se instaurou nas últimas décadas do século XX.

Já nas primeiras trocas de confidências, Luz e Juliano descobriram que tinham muita coisa em comum, além de cigarros de maconha. No ano de 1986 os dois buscavam nas ruas uma alternativa aos caminhos que a família esperava que seguissem. Embora suas histórias fossem diferentes, ambos romperam a habitual trajetória de pais trabalhadores pelo envolvimento com grupos de adolescentes infratores e jovens criminosos. Os dois eram de famílias migrantes, vindas do Nordeste, e foram criados num ambiente familiar abalado pelo alcoolismo. (BARCELOS, 2003, p.29)

E é por conta dessa intimidade com assuntos ligados à violência – com destaque para seu posicionamento recorrente ao lado das vítimas – e uma visão por vezes fora dos padrões da “classe média jornalística” que o repórter imprime seu ritmo por vezes fora do padrão do telejornalismo brasileiro no programa que ele comanda. Apesar dessa facilidade de descrição das vítimas, o assunto violência nos morros cariocas foi discutido em apenas duas reportagens no Profissão Repórter: “Vida na Linha de tiro” e “Hospital de Guerra”, ambas em 2008.

Durante o programa as vítimas são mostradas dentro de um contexto mais pormenorizado, com mais tempo que nos telejornais da TV Globo. Isso é evidenciado através do depoimento das famílias, que descrevem de forma mais detalhada a vida das vítimas antes de chegarem até o hospital em sonoras mais longas que nos telejornais que retratam o mesmo assunto. Por isso, em uma primeira análise ou levantamento preliminar, já é possível identificar uma diferenciação na identificação dessas vítimas. Seja através do conflito dos jovens repórteres com esse mundo, ou através de descrições, evidenciam-se enquadramentos pouco usuais num telejornal mais generalista, em que uma matéria considerada já longa deve ter dois minutos e meio.

Através da observação dos operadores de análise, dos modos de comunicação e do uso da internet pelo Profissão Repórter, entendemos que o programa se endereça aos seus telespectadores como um programa que fala sobre jornalismo, tendo em Caco Barcellos o seu principal elemento configurador e cuja posição, construída em contraposição aos jovens repórteres, é utilizada para explicar o processo de construção das reportagens. O argumento de que ali são mostrados os bastidores da notícia e os desafios da reportagem se articula com esta função adotada por Barcellos e a equipe de reportagem do programa. A sua trajetória no jornalismo investigativo influencia o programa através da utilização do termo “frentes de reportagem”, a busca dos dois lados da história mesmo quando elas não querem depor. (SANTOS, 2011, p.193)

Não se trata de aqui estender a análise, mas tão somente apresentar parte do enfoque que será aprofundado no capítulo seguinte.

No documento lucianoteixeira (páginas 80-84)