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O “Rio purgatório da beleza e do caos” e “a cidade partida dos anos 90”

No documento lucianoteixeira (páginas 34-37)

CAPÍTULO I. A CIDADE PARTIDA: O MORRO E A PRAIA NA

1.8 O “Rio purgatório da beleza e do caos” e “a cidade partida dos anos 90”

Rio 40 Graus

Fernanda Abreu, Fausto Fawcett e Carlos Laufer (1992)

Rio 40 graus

Cidade-maravilha, purgatório da beleza e do caos Capital do sangue quente do Brasil

Capital do sangue quente, do melhor e do pior do Brasil Cidade sangue quente, maravilha mutante

O Rio é uma cidade de cidades misturadas O Rio é uma cidade de cidades camufladas

Com governos misturados, camuflados, paralelos, sorrateiros ocultando comandos

Comando de comando submundo oficial Comando de comando submundo bandidaço Comando de comando submundo classe média Comando de comando submundo camelô Comando de comando submáfia manicure Comando de comando submáfia de boate Comando de comando submundo de madame Comando de comando submundo da TV Submundo deputado - submáfia aposentado Submundo de papai - submáfia da mamãe Submundo da vovó - submáfia criancinha Submundo dos filhinhos

Na cidade sangue quente Na cidade maravilha mutante1 .

Quem é dono desse beco? Quem é dono dessa rua? De quem é esse edifício? De quem é esse lugar? É meu esse lugar Sou carioca, pô! Eu quero meu crachá! Sou carioca.

A novidade cultural da garotada favelada, suburbana, classe média marginal é informática metralha sub-azul equipadinha com cartucho musical de batucada digital

[...] meio batuque inovação de marcação pra pagodeira curtição de falação de batucada com cartucho sub-uzi de batuque digital, metralhadora musical [...] Rio 40 graus

Cidade-maravilha, purgatório da beleza e do caos

O “Rio 40 graus” de Abreu, Fawcett e Laufer é uma síntese, uma forma como o olhar popular revela essa cidade dividida, com poderes paralelos, cheios de “donos”. essa capital “do melhor e do pior do Brasil” que vai reinar nessa década onde os índices de criminalidade são altos e onde se transita por dois mundos. Uma crítica feroz à ordem imposta, à realidade desse espaço. O carioca descrito na música tem que transitar por estes dois mundos, entender o funcionamento dessa “ordem” urbano e saber o seu espaço. Uma música que representa bem como a realidade está formatada no imaginário

dos moradores e do país. Oliveira ao analisar a conjuntura social através da música nessa década fala do processo de apropriação da cidade presente nas canções:

Esta luta está na propagação de uma outra fala sobre a cidade, que revela a visão do homem comum, não especialista, não acadêmico. A música – enquanto recurso operacional de uma apreensão da vida urbana - revela encontros e confrontos de diferentes modos de pensar e agir, além de contradições e hibridismos próprios da cidade. O processo subjetivo de apropriação da cidade evidencia-se na sua representação simbólica, em letras e sonoridades e, também, nos encontros festivos promovidos pela música. As letras permitem pensar a cidade como construção subjetiva e plural, mas o sujeito destas construções identifica-se com a crítica à racionalidade dominante e ao modo de vida centrado no consumo, no individualismo e na competição. Isto não significa negar as articulações existentes entre a racionalidade dominante e as racionalidades alternativas. A proposta desta reflexão sobre a vida urbana é articular a técnica do conhecimento científico à sensibilidade da arte para pensar a cidade de forma horizontal e coletiva. (OLIVEIRA, 2008, p.1)

E assim esse Rio de Janeiro é descrito como uma cidade em “tempos bárbaros”, a analogia de Zuenir Ventura ao abordar a segunda parte do livro “Cidade Partida”. Agora a cidade é o contraponto do “Rio idílico”. Um lugar acolhedor pela natureza e hostil pelo trato, pela articulação de seus espaços e moradores. Lócus de uma zona sul como uma ilha ameaçada pelo caos e de um subúrbio desconhecido pra muita gente e de também da comunidade de Vigário Geral, a da chacina, onde o autor aporta logo no início da segunda parte do livro:

Vigário Geral vivia o seu primeiro sábado alegre depois da chacina. Às cinco da tarde, suas ruas de terra batida fervilhavam de calor e de gente. Muitas coisas iriam me impressionar naquela primeira visita, além da presença ostensiva dos traficantes e suas armas medonhas, uma rotina com a qual eu teria que me acostumar nos dez meses seguintes, passado o susto inicial. A meia hora da Zona Sul, a trinta quilômetros do centro do Rio, eu estava entrando em outro mundo. (VENTURA, 1994, p. 54)

Esse Rio do subúrbio para o autor poderia ser a apenas 30 quilômetros, mas a distância com aquele das áreas nobres era bem maior. Uma cidade outra, desconhecida de milhares de cariocas e que foi observada em detalhes nas suas transcrições:

A todo instante, é preciso desviar de uma criança, dos cachorros ou mesmo de um porco enorme, lento, que resolve passar pela frente. (...)Grupos sentados nas portas se abanam e conversam. Em pelo menos duas esquinas tenho a impressão de ver vários jovens com fuzís a tiracolo, ou metralhadoras, não sei bem. Acho prudente ser discreto e não ficar olhando (VENTURA, 1994, Pgs 57 e 58)

A história conta o envolvimento do jornalista com essa comunidade, numa época em uma região dominada por esse “poder paralelo”, onde jovens e suas armas estabelecem as regras, onde é preciso ter um outro “código de conduta”, alheio, diferente, outro. A praia, referência para os cariocas, é descrita em alguns momentos como um local de conflitos, de constantes arrastões, como o que aconteceu em 1992, e de “Vietnãs”, zonas de exclusão onde quem passava estava sob a mira de grupos rivais, o que desenvolveu nos moradores dessa cidade uma “cultura do medo”.

Nesse começo dos anos 90, a violência tinha propagado sua nocividade pelo organismo social como se fosse um contágio biológico, contaminando atitudes e mentalidades. Não se sabia mais o que era causa, efeito ou sintoma. E 1993 parecia condensar, como um ano-marco, todas as formas agressivas de conduta: a violência pública, a doméstica e a do Estado. Assaltos, chacinas, seqüestros, arrastões, saques, linchamentos, estupros eram manifestações espetaculares dessa nova cultura, a Cultura da Violência, que já havia criado o que o antropólogo Luiz Eduardo Soares chamou de Cultura do Medo, um subproduto também perigoso. Não o medo natural, indispensável como legítima defesa da vida e do patrimônio, mas o "medo reativo", histérico, o medo transformado em paranóia e pânico, habitante de bunkers, condomínios fechados, cidadelas medievais. (VENTURA, 1994, p.137)

E é nesse contexto que Ventura vai desvendando a cidade, os projetos, a tentativa de moradores das duas cidades de torná-la um dia uma: o projeto de criação da “Viva Rio” de Betinho e Rubem César na tentativa de mobilizar o lado “civilizado” e o protesto dos moradores de Vigário Geral. O autor “flana” por estes mundos atento e observador e vai mostrando ao longo desses primeiros anos dos 90 tentativas de recuperar o tempo perdido, uma cidade tentando juntar os seus pedaços e novamente querendo ser uma.

E assim a década testemunhou o confisco da poupança dos brasileiros do Governo Collor, o seu impeachment, a era Itamar Franco e depois o Real e Fernando Henrique, ale do fim dos altos índices de inflação, a conquista do tetracampeonato em 1994 e o ressurgimento do cinema nacional. O Rio via os índices de violência e assassinatos aumentarem, apesar das iniciativas de paz.

Nos anos 90 a TV Globo tenta diversificar a cobertura jornalística e perder a associação com a Ditadura Militar. A teledramaturgia continua sendo o carro chefe e o telejornalismo tenta encontrar outras propostas. Em 1996 o Jornal Nacional muda seus apresentadores. Saem Cid Moreira e Sérgio Chapelin e entram em cena William Bonner e Lilian Witte Fibe. Coutinho citando Porto analisa que essa mudança significou a transformação para um estilo mais interpretativo na apresentação. Junto com isso a

emissora investiu num conteúdo jornalístico internacional e tem priorizado desde então notícias no eixo Rio- São Paulo – Brasília.

No documento lucianoteixeira (páginas 34-37)