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5 O PLANTIO: RELATO DAS PRÁTICAS EM SALA DE AULA

5.6 A ÉPOCA DO PLANTIO ESTÁ ACABANDO – SEXTO ENCONTRO

Há dias não nos víamos e havia muitas coisas para contar. Depois de me falarem sobre o passeio em comemoração ao dia das crianças, acontecido dias antes, e sobre o feriado, comuniquei às crianças que iríamos entrevistar o agricultor que me deu as informações sobre o milho. Os estudantes escreveram perguntas em seus cadernos e fomos até a casa do agricultor. Ele mostrou como se faz enxerto de frutas, já que possui várias árvores de cítricos, e as crianças perguntaram de que espécie eram. As perguntas eram variadas:

L.: Quanto tempo a banana leva para dar cacho? K.: Você costuma usar algum agrotóxico?

K.: Quanto tempo leva para poder colher aipim?

L.: Que tipo de culturas podem ser plantadas ao mesmo tempo? K.: Você tem mais lucro se plantar o milho híbrido ou o milho crioulo? M.: Que tipo de adubo você usa?

K.: Você acha melhor plantar milho ou aipim?

Ele respondeu às perguntas uma a uma e enfatizou os perigos do agrotóxico, ressaltando que não se deve brincar com esse produto porque é perigoso. Disse que não costuma usar, mas já utilizou e que são necessários muitos cuidados com a saúde. A partir da pergunta sobre o uso de adubo, o agricultor falou sobre o adubo orgânico produzido por um minhocário na propriedade, o que gerou curiosidade e as crianças puderam ver de perto o funcionamento. L. encontrou na parede do minhocário um exoesqueleto de aranha, que se tornou objeto de análise do grupo. Voltamos para a escola.

Nesse dia, entreguei às crianças uma cópia impressa dos textos que elas elaboraram coletivamente nos encontros anteriores. K. interrompeu a leitura em voz alta quando percebeu a autoria do texto: “a gente escreveu isto!” Falamos novamente sobre os números primos, números divisores e medidas de áreas. K. e L. discutiram se o número 2 seria primo.

K.: Sôra, o número dois é o único número par que é primo, né!

Concordei. Quando falamos em hectares, mostrei o cartaz com as medidas de hectares destinados a determinadas culturas. Era a notícia impressa, da qual falamos no encontro anterior. Perguntei se 15,7 milhões de hectares representava muito ou pouco. K. disse que era pouco, mas os alunos P. e M.

disseram que era muito. P. disse que o Brasil é grande, mas K. e M. disseram que é pequeno. M. acrescentou que, visto do espaço, o Brasil é pequeno. J. disse que o Brasil é um “dos maiores países do mundo”.

P.: Todo país é grande. Pra gente caber dentro dele, tem que ser grande. Mas o Brasil é maior que outros.

M.: P., a gente já entendeu.

Concordei com P. e lhes mostrei alguns países na representação do globo terrestre, para que observassem e comparassem a área ocupada por eles. Então, concluímos que um país pode ser pequeno se visto do espaço, mas pode ser grande se comparado com países menores em superfície. A mesma discussão se deu sobre a quantidade de alunos na sala de aula. M. disse que era pouco “porque sobra espaço”, mas K. disse que eram muitos porque “a escola é pequena”. J. complementou dizendo que a escola “parece uma casa”. Assim concluiu-se que um mesmo número pode representar uma quantidade grande ou pequena. K. disse que a matemática não é exata “por causa que um número pode ser grande como pode ser pequeno”.

B.: Depende do ponto de vista.

Durante a escrita deste texto, percebo que a nossa conversa estava alinhada ao que dizem Borba e Skovsmose (2013) sobre se ter uma perspectiva crítica diante da ideologia da certeza em Educação Matemática. As crianças estavam pensando sobre números em contextos e sobre o que se pode concluir desses números, adotando, portanto, uma perspectiva crítica.

As crianças já conheciam e construíam gráficos, então lhes mostrei uma figura que aglutina dois gráficos elaborados com base nos dados do Censo Agropecuário de 2006 (NUNES, et. al, 2009). Nos gráficos, os dados identificados como agricultura camponesa e agronegócio correspondem, respectivamente, ao que o documento do Censo Agropecuário chama de agricultura familiar e não familiar. Os gráficos estão reproduzidos na figura 16.

Figura 16 – Comparação entre agricultura familiar e não familiar.

Fonte: Articulação Nacional de Agroecologia. Dados do IBGE, 2006.

P. disse que se “produz muito alimento em pouca terra”, referindo-se aos dados da agricultura familiar/camponesa. Chamei a atenção das crianças para cada conjunto de dados, comparando os dois gráficos. Ao longo da conversa, concluímos que usamos os números para contar “o que queremos saber”, para “resolver problemas”, “responder as nossas perguntas”.

K.: Se não existissem números, a gente não saberia que dia era. P.: A gente não saberia os preços do mercado.

Percebemos, ainda, que, com os números, foi possível saber a área necessária para o plantio de uma quantidade de sementes e poder decidir qual a melhor solução para o uso da terra no encontro “Milho, milharal”. Com os números, foi possível identificar informações sobre quem produz os alimentos no país. Por fim, eu lhes disse que a matemática nos ajuda a responder algumas de nossas perguntas.

Concluída essa fase, as crianças deram continuidade na confecção dos cartões-postais para enviar aos alunos de uma escola no município de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. Os cartões foram digitalizados e podem ser

acessados no apêndice A deste trabalho. Durante a confecção, as crianças comentavam os seus desenhos, falavam sobre as fases do cultivo, as fases da Lua, os números e as medidas de áreas, me perguntavam sobre a ortografia de algumas palavras, trocavam canetas coloridas e sugestões de desenhos. Durante os encontros anteriores, eu havia solicitado que as crianças fotografassem a localidade e, nesse dia, levei para a sala de aula, suas fotografias impressas.

A hora da merenda chegou com o cheiro vindo da cozinha: bolinhos de polvilho recém feitos pela senhora que cuida da merenda. Depois do recreio, combinamos de fazer um piquenique de encerramento para o próximo encontro. Cada um dos estudantes sugeriu um alimento e B. sugeriu que fosse um piquenique com alimentos feitos de milho. Ao término da pintura dos cartões- postais, os estudantes elaboraram um roteiro para um vídeo sobre o que tinham aprendido.

A ideia de se fazer um vídeo surgiu durante este encontro, enquanto as crianças pintavam os desenhos dos cartões-postais, e eu pensei que a turma precisaria de, pelo menos, mais uma tarde, já que já passava das dezesseis horas. Entretanto, me enganei, porque antes das dezessete horas, tínhamos material suficiente e de qualidade para o “Jornal Agricultural”, nome dado pelas crianças ao seu trabalho. As crianças desempenharam as tarefas muito rapidamente e trabalhar em grupo era tão natural que os pequenos problemas eram imediatamente resolvidos coletivamente, sem imposições nem grandes discussões. Com um programa22 simples de edição, sem grande domínio de tais

técnicas, compus, já em casa, a sequência do Jornal Agricultural, que foi exibido no encontro seguinte para os alunos das outras turmas.