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3 CONSIDERAÇÕES SOBRE SEMENTES CRIOULAS, HÍBRIDAS E TRANSGÊNICAS

A região em que ocorreu a pesquisa se caracteriza economicamente pela agricultura familiar. A adoção de novas tecnologias pelos agricultores modificou algumas práticas nos últimos anos. A histórica colonização por famílias imigrantes caracteriza as pequenas propriedades e o relevo acidentado dificulta a produção em larga escala ou grandes monoculturas características da agricultura convencional. Esta faz uso de espécies geneticamente modificadas, do sistema de monocultura e de insumos agrícolas de alto custo energético, o que mantém o agricultor em um ciclo de dependência de grandes empresas. Trata-se de um sistema para a produção em grandes quantidades a que Pessoa (2016) denomina “convencionalização da agricultura produtivista” (Ibid., p. 22).

Este autor descreve a mecanização que, no século XIX, começa a substituir a força de trabalho humana, o desenvolvimento da indústria de agroquímicos a partir da década de 1940, a comercialização de sementes híbridas a partir de 1935, a Revolução Verde e a Revolução Genética11 como

trajetórias tecnológicas que se complementam para o desenvolvimento da agricultura e aumento da produção, mas que, por outro lado, “levaram impactos socioeconômicos para os produtores que de alguma forma não tiveram acesso a tais processos, assim como impactos aos ecossistemas mundiais e às culturas materiais e imateriais” (PESSOA, 2016, p. 61).

A Revolução Verde, segundo Pereira (2017), é um termo criado para designar uma ideia de modernização da agricultura, baseada no incentivo a pequenos agricultores e grandes empresários do agronegócio a investirem em sementes modernas de grande rendimento, fertilizantes químicos industrializados, pesticidas, tecnologias de irrigação, agrotóxicos e, ainda, crédito agrícola (PEREIRA, 2017, p. 37). Dessa forma, pode ser entendida como “a internacionalização de um padrão de produção, que se torna convencional e hegemônico a partir do início da década de 1960” (PESSOA, 2016, p. 32).

11Termo utilizado por Pessoa (2016) para designar o processo de desenvolvimento da

biotecnologia, mais precisamente, as técnicas de alteração de organismos vivos, bem como o desenvolvimento de Organismos Geneticamente Modificados a partir da segunda metade do século XX.

Pereira (2017) entende que a Revolução Verde influenciou e ainda influencia a produção agrícola mundial, determinando os rumos da preservação de sementes. A autora argumenta que a adoção de variedades de sementes de alto rendimento implica no abandono, pelos agricultores, do cultivo das sementes crioulas. Pereira (2017) apresenta os significados do termo “crioula” para sementes, mostrando que a adaptação das sementes aos diferentes climas está diretamente vinculada à ação humana, o que distingue o termo “crioula” de “nativa”. Sementes crioulas são, portanto, sementes passadas de geração em geração, vinculadas aos conhecimentos dos agricultores, adaptadas ao clima e ao solo da região.

A internacionalização do uso de outros tipos de sementes, citada por Pereira (2017), significou a ocupação das plantações por sementes híbridas e transgênicas. Os híbridos são resultados do cruzamento de sementes diferentes, mantendo as características genéticas das plantas originais. “O milho foi a planta mais utilizada no início dos estudos sobre o desenvolvimento de sementes híbridas, por isso, recebe uma atenção especial como principal cultivo utilizado no processo de industrialização das sementes” (PEREIRA, 2017, p. 39). Os híbridos, portanto, são resultados de melhoria genética na busca por mais produtividade.

Um exemplo é encontrado na informação dada por um agricultor de Arroio do Padre, que diz que as sementes de milho híbrido que costuma plantar produzem plantas mais baixas do que o milho crioulo, denominado por ele como milho comum. Sendo mais baixas, de acordo com ele, as plantas não sofrem com os ventos comuns na região na época próxima à colheita, evitando uma perda da produção pela queda da plantação.

Por sua vez, as sementes transgênicas vão além dos melhoramentos tradicionais e dos cruzamentos de espécies.

As técnicas de engenharia genética possibilitaram a transferência de genes de um organismo para outro, até mesmo entre organismos de espécies diferentes, trazendo aparentemente ganhos de eficiência e eficácia ao processo de melhoramento, como maior precisão e qualidade da intervenção, maior previsão na obtenção das características desejáveis e redução do tempo de duração aos programas. Supera-se ainda a barreira do cruzamento sexual na obtenção de características desejáveis ao melhoramento vegetal (PESSANHA; WILKINSON, 2005, p.17).

Esse cruzamento, entre espécies diferentes, tem gerado debates em vários setores da sociedade no que se refere à segurança alimentar, à preservação e à propriedade dos recursos genéticos e aos condicionantes econômicos gerados pelas novas plantas. Pessanha e Wilkinson (2005) argumentam que a diversidade genética do planeta se concentra em países tropicais, geralmente países pobres e em desenvolvimento, enquanto a biotecnologia é desenvolvida, em sua maior parte, por países industrializados. Essa distribuição cria uma interdependência global desigual em relações de poder. A compra das sementes pelo agricultor lhe impõe cláusulas de contrato que o impedem de guardar as sementes para o cultivo no ano seguinte, sendo obrigado a comprá-las todos os anos. Por outro lado, a polinização natural dos transgênicos em plantas tradicionais implica na modificação forçada das variedades dessas últimas, condicionando o cultivo em regiões de agricultura.

Há ainda que se considerar, como apontam Pessanha e Wilkinson (2005), a incerteza quanto à segurança oferecida pelos novos alimentos, visto que, mesmo sendo substancialmente equivalentes do ponto de vista nutricional ao análogo convencional, podem não ser seguros para a saúde ou, ainda, podem ser seguros não sendo substancialmente equivalentes ao convencional. O uso de agrotóxicos em grande quantidade contribui para a manutenção das incertezas, visto que as plantas geneticamente modificadas são resistentes a esses químicos. Assim, é possível eliminar ervas daninhas sem proteger a plantação da ação tóxica dos químicos utilizados na limpeza da lavoura e, como consequência, as plantas geneticamente modificadas passam a ter cargas perigosas de agrotóxicos em suas células.

Uma vez que o cultivo de transgênicos permite, entre outros, a eliminação de ervas daninhas com rapidez e produção em grande quantidade de alimentos com aspecto visual atrativo para o consumidor, sem a ação de microrganismos, a produção de sementes tradicionais se torna um método de difícil competitividade para o agricultor no mercado consumidor.

Desse modo, a discussão quanto à preservação das sementes crioulas abrange a segurança alimentar e a preservação da agrobiodiversidade, bem como a preservação dos saberes tradicionais locais dos agricultores, além de aspectos econômicos da agricultura de uma região. Durante o desenvolvimento

desta investigação, não se teve conhecimento de cultivo de transgênicos na localidade de Arroio do Padre. Ao contrário, vários agricultores têm buscado técnicas agroecológicas de cultivo e possibilidades no trabalho em cooperativas ou de forma independente para a venda de seus produtos. Entretanto, em municípios vizinhos, o cultivo de milho transgênico já é uma realidade. O fato de a comunidade não cultivar transgênicos – pelo menos até onde esta investigação alcançou – a torna um ambiente de possível preservação das sementes crioulas e a discussão na escola a respeito da importância das sementes tradicionais é relevante no sentido de preservação da biodiversidade, conscientização a respeito de segurança alimentar e conhecimento dos saberes locais e tradicionais daquela população de agricultores. Não há um repositório dessas sementes, mas durante o período da prática curricular, eu soube que ainda havia dessas sementes, guardadas por pessoas mais idosas há anos. Parte dessas sementes foi cultivada naquele ano. Assim, a prática curricular que foi construída na Escola Antônio Gonçalves dos Anjos, considerando as sementes crioulas um tema relevante para a comunidade e que também está em discussão em outros espaços, será relatada nos capítulos seguintes, começando com o período de observação da turma.