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5 O PLANTIO: RELATO DAS PRÁTICAS EM SALA DE AULA

5.3 DAS SEMENTES DE MILHO AO PRÊMIO GIMPS – TERCEIRO ENCONTRO

Era 25 de setembro, segunda-feira. A chegada à escola e o início das aulas aconteceram de forma bastante semelhante ao relatado nos encontros anteriores. Chegamos, fomos à cozinha, depois às salas de aula. Dessa vez, eu levava comigo um cartaz enrolado que despertou curiosidade. Levei novamente o “Almanaque pé de planta” para possíveis consultas, bolo de milho para partilharmos, uma gravação em áudio que fiz da fala de meu pai explicando os tempos de plantio e as diferenças entre o milho comum e o milho híbrido, uma espiga exemplar de milho híbrido, prendedores de roupa, papéis em cores amarelo e verde, cordão e uma tabela com números para a construção do Crivo de Eratóstenes. Esta última era o conteúdo do cartaz que levei enrolado.

Começamos continuando, isto é, começamos o encontro dando continuidade aos desenhos que não tinham sido concluídos na sexta-feira, data do encontro anterior. Como da outra vez, os estudantes se sentaram em torno das tintas e poucas falas surgiram. Era possível ouvir os pincéis sobre o papel, os gritos dos gansos que passavam na estrada, muitos pássaros cantando diferentes ritmos, a aula da sala ao lado e algumas solicitações de tintas e pincéis entre o quinto e o sexto ano da Escola Antônio Gonçalves dos Anjos. M. fez alguns comentários sobre jogos de vídeo e J. complementou com alguns argumentos. Poucas palavras. A figura 12 é uma composição que mostra o resultado da sessão de desenhos e pinturas.

Figura 12 – Desenhos e pinturas feitos pelos estudantes.

Fonte: Arquivo pessoal

Depois de feitas as pinturas e guardadas as tintas, retomei com as crianças a discussão sobre os números primos que tivemos no encontro anterior. Nenhuma delas tinha certeza se 127 era um número primo. K., M. e B. me disseram que fizeram várias divisões, mas desistiram porque “127 é muito grande, daí demora muito”. Em seguida, mostrei para as crianças uma notícia sobre uma descoberta recente de um número primo, no ano de 2013, segundo a qual o número possui 17 425 170 dígitos e, ao ser escrito por extenso, ocuparia 3,4 mil páginas impressas com 5 mil caracteres cada. Mais tarde, em uma busca na Internet, não encontrei a notícia para referenciá-la neste texto, mas a página eletrônica do GIMPS indicava esse, e um número ainda maior que foi descoberto em janeiro de 2016. Em 2019, a lista já conta com mais dois números maiores do que os anteriores. (LIST…, 2019). Para P., esse número que mencionei a eles “é

maior que a bíblia” e, de acordo com B., “dá para encher o Arroio do Padre inteiro com números”. Concordei que realmente são muitos dígitos e K. me perguntou se, para saber se 127 é primo, precisaríamos de um computador.

Mesmo que um computador pudesse facilitar esse trabalho, disse-lhe que não era necessário para esse número e que números primos já eram encontrados antes dos computadores. Mostrei, então, o cartaz com o crivo de Eratóstenes e os convidei a verificar a primalidade de 127. M. tentou repetir várias vezes o nome de Eratóstenes e L. quis saber o que é um crivo. Antes de começarmos as contas, pedi que procurassem a palavra no dicionário. O significado literal é “peneira”,o que causou estranheza: peneira de Eratóstenes?

Eu: É como o coador de café ou um filtro. Algumas coisas passam, outras ficam. No Crivo de Eratóstenes, só passam os números primos.

B.: É uma peneira de números.

Começamos os cálculos e fomos riscando os números que não são primos. O resultado está na imagem fixada na parede, acima do quadro com a tabuada, mostrada na Figura 13.

Figura 13 – Crivo de Eratóstenes

Fonte: arquivo pessoal.

Enquanto fazíamos o crivo, contei aos estudantes quem foi Eratóstenes. Tantos cálculos duraram até o recreio, mas finalmente tínhamos uma resposta:

127 é um número primo e K. estava certa. Na volta do recreio, M. repetia o nome Eratóstenes, acompanhado por P. e J.

Sendo assim, a resposta para a intuição de K. estava dada, mas ela não parecia muito animada porque não ganharia o prêmio. Entretanto, combinei com a turma que faríamos uma comemoração pela descoberta, conforme eles já tinham sugerido. Nessa segunda parte da aula, retomei o assunto sobre as sementes de milho, questionando sobre os tipos de milho cultivados conhecidos pelas crianças. As crianças disseram que conhecem o milho híbrido e, com uma espiga exemplar desse tipo, conversamos sobre a diferença entre o milho crioulo e o milho híbrido. A fonte das informações, além de minhas leituras sobre o tema, foi uma gravação em áudio, que fiz de uma fala em que meu pai me explica a época de plantio seguida por ele.

Durante a aula, resolvi apresentar o áudio para as crianças e me surpreendi com a reação delas ao ouvir. Acharam graça e perguntaram se o dono da fala “é o tio”, maneira como se referem a ele. Todas conhecem meu pai e ficaram atentas ao que a gravação dizia. No momento em que a gravação encerrou, K. perguntou: “a gente pode entrevistar o tio?” Como concordei com a ideia – na verdade, achei a ideia ótima – as crianças queriam entrevistá-lo ainda naquela tarde. Foi preciso argumentar sobre a necessidade de combinarmos um horário.

A gravação trazia informações sobre o tempo de plantio, mencionando fases da Lua. Quando o questionei sobre isto, disse-me que o tempo estava relacionado com o ciclo de vida da lagarta do colmo, uma lagarta que ataca o caule dessa planta. Segundo ele, se o plantio fosse feito durante a Lua minguante, quando a lagarta estivesse pronta para atacar o caule, a planta já estaria com o caule fortalecido, dificultando o ataque. Entretanto, ele acrescentou: “na verdade, ‘plantar na Lua’ é coisa de gente antiga. Os antigos faziam. Hoje em dia, não se faz mais.”

L. disse que não se lembrava se os seus pais observavam as fases da Lua. As outras crianças não sabiam. Em seguida, com as informações do áudio, construímos uma linha do tempo, registrando os acontecimentos do plantio do milho a cada mês, desde a semeadura até a colheita. Essas informações seriam transcritas para os papéis coloridos a fim de compor uma linha do tempo visível a

todos, mas o relógio se aproximava das 17 horas e tivemos que encerrar as atividades do dia.