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A ética empresarial no Brasil

2.1 Conceitos de ética

2.1.8 A ética empresarial no Brasil

Abordando o contexto da ética no Brasil, Srour (1994) aponta que os brasileiros confundem ética com legalidade, restringindo-se ao respeito à lei. Sugere que se deve levar em conta que as pressões operadas pela sociedade civil e interesses empresariais precisam ser vinculadas umas às outras. Assim, da visão de legalidade que os empresários brasileiros têm deve evoluir para uma visão de responsabilidade social.

Todas as contrapartes da empresa têm condições de se mobilizar e de retaliar, caso não venha a respeitar suas expectativas ou a satisfazer suas demanda. As empresas agem eticamente em conformidade com a moral socialmente predominante, porque as relações travadas entre empresa e contrapartes são relações de força, relações de poder. [...] Ao lado da função econômica, as empresas desempenham função ética. Os empresários terão que admiti-lo, não por altruísmo nem por repentino insight democrático, mas pela imposição das relações de poder presentes. Agir eticamente, então, converte-se em questão de bom senso e em estratégia de sobrevivência. (SROUR, 1994, p.10).

Srour (1994) identifica no Brasil uma dupla moral social: uma, a moral da integridade; outra, a moral do oportunismo. Segundo o autor, a moral da integridade se apoia em valores baseados nas virtudes sagradas, difundida nas escolas e igrejas. É a moral de princípios. Tem sua gênese na ética deontológica, com as particularidades da cultura brasileira.

A moral da integridade exalta as virtudes da honestidade, lealdade e da bondade. Não aparenta uma orientação para a soberba nem muito para a ambição.

Já a moral do oportunismo se pauta em procedimentos tidos como esperteza, vale-tudo, o jeitinho, o calote. É a ética da finalidade, em que os meios justificam os fins. “A moral do oportunismo aparenta ser uma falta de ética, mas constitui uma deformação peculiar da ética da realização pessoal derivada da contribuição protestante”. (SROUR, 1994, p.12).

A moral do oportunismo tem suas premissas explicadas pela ética teleológica. As vertentes da finalidade e o utilitarismo são levados ao extremo,

não em vista da responsabilidade, mas pela falta de escrúpulo, para se atingir um fim a qualquer custo.

Moreira (1999) cita duas correntes de pensamento ético. A corrente dos realistas, que se situa num plano de satisfação intelectual, em que a ética só pode ser praticada por pessoas que já satisfizeram plenamente suas necessidades biológicas primárias; neste caso, os fins justificam os meios. A outra corrente de pensamento ético é a dos idealistas, que defendem que o ideal ético deve estar acima das necessidades primárias, ou seja, os princípios devem ser seguidos em qualquer circunstância econômica ou social. O autor deixa claro que sua linha de pensamento em particular é a idealista.

Para Moreira (1999, p.28) “ética empresarial é o comportamento da empresa – entidade lucrativa, quando ela age em conformidade com os princípios morais e as regras do bem proceder aceitas pela coletividade”.

Argumentando Moreira (1999, p.31) sobre as razões para as organizações seguirem uma conduta ética, em sua opinião, o comportamento ético é a única forma de obtenção de lucro com respaldo da moral. “Esta impõe que a empresa aja com ética em todos os seus relacionamentos, especialmente com clientes, fornecedores, competidores e seu mercado, empregados, governo e público em geral”.

Uma empresa ética incorre em custos menores do que uma antiética. A empresa ética não faz pagamentos irregulares ou imorais, como subornos, compensações indevidas e outros. Exatamente por não fazê-los, ela consegue colocar em prática uma avaliação de desempenho de suas áreas operacionais, mais precisa do que uma empresa antiética. (MOREIRA, 1999, p.31).

Ao observar as tendências do comportamento do consumidor, o clamor da população por transparência na política, respeito à dignidade humana, preservação do meio ambiente, Moreira (1999) acredita que a partir da década de noventa, iniciou-se uma nova Era da Ética, também chamada de Era dos Direitos, que vai ganhando força cada vez mais.

Essa consciência ética cresce a cada dia que passa, como se pode perceber pela grande quantidade de causas submetidas à justiça. Essas causas revelam que em todos os relacionamentos da empresa a sociedade deseja a ética. [...] A Era da Ética será um período nos quais os princípios éticos serão mais amplamente praticados do que hoje (MOREIRA, 1999, p.240-241).

Com semelhança, assim começa o prefácio do livro escrito por Arruda, Whitaker e Ramos (2003): “As empresas precisam de ética. A economia precisa da ética. A sociedade precisa da ética. Espera-se que o século XXI seja o século da ética”.

Trasferetti (2006) relata o resultado de sua pesquisa em algumas das principais bibliotecas no Brasil, sobre o estado da arte em ética empresarial, afirmando que em termos de produção científica, em formato de livro, nesta área há ainda fragilidade do assunto, enquanto verifica-se o desenvolvimento do assunto. Constata como pesquisador em filosofia, procurando o viés da ética empresarial para uma perspectiva sociológica, que o tema “ética empresarial ainda não é considerado, em termos editoriais o mais importante por parte da indústria do livro” (TRASFERETTI, 2006, p.60).

No entanto, o autor admite que nos centros de excelência de pesquisa na área de Economia e Administração, nas grandes universidades das capitais, a ética tem sido abordada para compor uma perspectiva para as empresas. “Neste momento, em que o mundo busca relações mais fraternas com menor desequilíbrio social, a ética empresarial precisa ocupar o seu espaço. [...] Seria altamente produtivo que a ética empresarial entrasse para valer nas reflexões e trabalhos dos estudantes e professores de filosofia”. (TRASFERETTI, 2006, p.64).

Arruda e Navran (2000) apresentam em seu artigo os estudos desenvolvidos desde 1998 pelo Centro de Estudos de Ética nas Organizações

(CENE/EAESP/FGV) em parceria com o Ethics Resource Center, em

Washington, EUA. Conforme os autores, esses indicadores são abordados quanto à sua construção e aplicação no setor industrial. São os indicadores de clima ético a partir do modelo de Navran, orientados a avaliar o grau de eticidade ou nível ético das organizações.

No modelo de Navran, todavia, nenhum indicador contempla as relações interorganizacionais, particularmente com fornecedores e concorrentes. Todos os indicadores estão orientados para o clima organizacional internamente, as relações entre cooperadores, serviço ao cliente, etc. Sua contribuição pode ser considerada alta para dentro de uma

determinada linha de pesquisa, conforme Arruda (2003), mas fica a lacuna na questão ética interorganizacional.

No Brasil existe desde 1998 o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, organização sem fins lucrativos, que tem como associados centenas de empresas em operação no Brasil, de diferentes portes e setores de atividade. Tal realidade evidencia uma preocupação e esforço das organizações de atuar de maneira ética, seja internamente entre dirigentes e colaboradores, em termos de responsabilidade social, e nos relacionamentos entre organizações no mundo dos negócios. Sua função é totalmente voltada para promover o comportamento ético das empresas, como explícita na missão:

A entidade tem como missão mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerirem seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade mais próspera e justa. O Instituto Ethos dissemina a prática da responsabilidade social por intermédio de atividades de intercâmbio de experiências, publicações, programas e eventos voltados para seus associados e para a comunidade de negócios em geral.

O Instituto Ethos é parceiro de várias entidades internacionais, entre as quais o Prince of Wales Business Leadership Forum, do Reino Unido, e o Business for Social Responsibility, organização empresarial sediada nos Estados Unidos que conduz projetos e programas em nível global, buscando incentivar empresas a alcançarem sucesso em seus negócios implementando práticas que respeitem pessoas, comunidades e o meio ambiente.

Também no Brasil, de acordo com Arruda, Whitaker e Ramos (2003), o CENE-FGV-EAESP tem sido um polo de irradiação da ética empresarial, pelas realizações no ensino, pesquisas, publicações e eventos.

Passos (2004, p.77) analisa, no entanto, que atualmente “no Brasil se mantém um modelo organizacional que se pauta na competitividade, no individualismo, na lógica em que o mais importante é vencer, sob qualquer tipo de condição”.

Numa abordagem baseada no humanismo, visão que coloca o ser humano e sua realização em primeiro plano, PASSOS (2004, p.91) prescreve que “diferente do que vem sendo posto em prática, as empresas éticas devem estimular e oportunizar o advento da consciência crítica de seus trabalhadores, clientes e parceiros, e não impor o que lhes é apresentado”. Na sua concepção, Passos (2004) discorda com o modo que a ética é disseminada,

como verdades prontas, sem passar antes para consciência crítica das pessoas envolvidas, as quais devem decidir em que acreditar.

Esse pensamento se coaduna com a ética proposta por Jürgem Habermas, ou seja, a ética do discurso, mencionada pela autora na linha da Escola de Frankfurt. “A consciência crítica é uma ferramenta poderosa contra a racionalização da irracionalidade efetuada pela sociedade industrial, capaz de apresentar o resíduo como necessidade e a destruição como construção”. (PASSOS, 2004, p. 92).

Passos apresenta fundamentos filosóficos de uma empresa ética, centrados na consciência crítica e na emancipação do ser humano. Sua linha se aproxima a uma vertente de democracia e humanismo. Defende que a ética é reflexiva, consciente e comprometida com o bem-estar do ser humano. Porém, apresenta certa fragilidade, pois nem sempre a verdade ou a melhor escolha pode estar com a maioria. “As organizações éticas buscam, na prática, serem honestas, justas, verdadeiras e democráticas, por uma questão de principio e não de conveniências”. (PASSOS, 2004, p. 92).

No tópico a seguir é tratado o tema das relações interorganizacionais, no qual é possível visualizar quão complexo é tentar pôr em prática a reflexão ética que Passos (2004) argumenta, num terreno minado por múltiplos interesses, mas em que se fala de parcerias e também de cooperação.