• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III: Metodologia

III.3. A seleção dos entrevistados

III.3.2. A ética na presente investigação

A palavra “ética”, que tem origem na palavra grega “ethiké” e na palavra do latim “ethica”, significa o juízo de apreciação que distingue o bem do mal e o comportamento correcto e do incorrecto.

De acordo com Abbagnano (1981, pp. 233 e 234),

“Aristóteles, ao tratar da questão da ética, referia que há duas virtudes fundamentais: a primeira consiste no próprio exercício da razão e por isso é chamada inteletiva ou racional (dianoética); a outra consiste no domínio da razão sobre os impulsos sensíveis, determina os bons costumes (ethos=mos) e, por isso, se chama virtude moral (ética). A virtude moral consiste na disposição (hexis, habitus) de escolher o justo meio (mesotes, mediocritas) adequado à nossa natureza, qual é determinado pela razão e qual poderá ser determinado pelo sábio”.

A ética fundamenta-se no campo dos valores, a partir de juízos reflexivos que incidem sobre as acções humanas. É uma reflexão sobre as acções e os costumes de uma dada sociedade e deve também ser entendida num outro plano superior, que tem em conta os valores universais com os quais deve, na medida do possível, compatibilizar-se. Para Sócrates, provavelmente o pai da ética, esta não se fundava unicamente nos costumes do povo e nas leis dos governos, mas também num processo de consulta interior que cada um devia fazer (processo de reflexão) para comprovar da conformidade dos valores e da justiça.

Agir eticamente pode não significar agir puramente de acordo com a consciência de cada um. Consiste em reflexivamente ponderar e adequar, temporal e espacialmente, atitudes e comportamentos ao contexto vigente sobre o qual se visa agir, numa perspectiva mais elaborada de enriquecimento e valorização desse contexto, sem ferir suscetibilidades ou provocar agressões ao meio comummente aceite e orientado. É então preciso filtrar quais as acções, intenções e procedimentos que concordam ou se adequam ao contexto social legitimamente organizado e orientado. Importa pois acautelar a harmonia do sistema vigente, reformando e inovando com salvaguarda dos valores morais e dos princípios éticos socialmente aceites e consensuais. É neste âmbito que o pensar reflexivamente surge em toda a sua plenitude e se afirma como moderador da consciência individual e colectiva, tanto para inovar como para solucionar ou reformular aspetos da vida em sociedade. Isto, porque ter uma consciência de si e também dos outros, não só permite não perder de vista os limites impostos pela ética, como também auxilia na procura de soluções mais justas, responsáveis e enquadradas com o meio em que se inserem. A consciência é a chave para uma vida examinada (Damásio, 2000). Pretender adotar posições novas que não resultem de processos reflexivos maduros e profundos, é pois correr o risco de gerar contradições e por em crise todo o sistema em que se age, porque podem não ter sido valoradas moral e eticamente e, como tal, ferir ou não salvaguardar os princípios vigentes do meio sociocultural.

No âmbito de trabalhos de investigação, em que a relação investigador/sujeito da investigação deve assentar numa atitude de respeito, Vasconcelos (1997, p. 68), bem como em qualquer outro

trabalho que envolva terceiros convidados a participar em processos de investigação, estatísticos, etc., deve-se adoptar uma conduta adequada, um comportamento correto, moral, dominado pela razão, que preserve quanto necessário a entidade e a privacidade de todos os envolvidos no processo, dado que,

“(…)não é possível pensar os seres humanos longe, sequer da ética, quanto mais fora dela (Freire, 1997, p. 37).

No presente estudo, dado tratar-se de uma investigação qualitativa, é de salientar que os sujeitos são ainda mais vulneráveis e têm o direito a ser “protegidos” pela investigadora. Nem sempre a ética é entendida da mesma forma, diferentes interpretações dependem das pessoas que a consideram e dos variados campos da sua aplicação.

Segundo Bogdan e Biklen (1994), em investigação, a ética consiste nas normas relativas aos procedimentos considerados corretos e incorretos por determinado grupo. É sobretudo este comportamento que se impõe na sequência do trabalho de campo, que tem de obedecer a determinados princípios éticos, sob pena de se frustrarem as legitimas expetativas dos participantes e ao mesmo tempo desvirtuar a matéria e os resultados obtidos. E nem é preciso que previamente se tenham definido os termos em que vai decorrer o processo, como normalmente acontece em determinadas profissões vinculadas a um comportamento “deontológico” assente num conjunto de deveres assumidos de forma solene. Punch, citado por Bogdan e Biklen (1994) refere que

“(…)mesmo que os investigadores qualitativos não tenham escrito um código deontológico específico, existem convenções de ordem ética para o trabalho de campo” (p. 76).

“Essas convenções têm ainda um maior alcance, isto é, permanecem e perduram para além dos trabalhos de campo realizados. Para muitos investigadores das ciências sociais (...) as questões éticas não se restringem ao modo de comportamento durante o trabalho de campo. A ética é mais entendida em termos de uma obrigação duradoira para com as pessoas com as quais se contactou no decurso de toda uma vida como investigador qualitativo” (idem, p. 78).

De acordo com Bogdan e Biklen (1994), os princípios éticos são portanto os fios condutores que guiam o investigador numa atuação moral e dignificante. Podem, no entanto, surgir situações que ele próprio tenha dificuldade em gerir. São por conseguinte as chamadas decisões éticas complexas que são da responsabilidade do investigador, baseiam-se nos valores deste e na sua opinião relativa ao que pensa serem comportamentos adequados.

Foi segundo esta perspectiva que a autora do presente trabalho procurou guiar-se, prestando toda a informação e esclarecimento sobre a matéria tratada, ao mesmo tempo que assegurou a confidencialidade dos dados recolhidos, os quais foram apenas utilizados para o fim a que se destinavam.

Documentos relacionados