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A ação penal no ordenamento brasileiro e o princípio da obrigatoriedade

4 OS BENEFÍCIOS DO PERDÃO JUDICIAL E DA IMUNIDADE PROCESSUAL

4.2 A ação penal no ordenamento brasileiro e o princípio da obrigatoriedade

A ação penal no direito processual brasileiro pode ser definida como:

[...] o direito público subjetivo de pedir ao Estado-juiz a aplicação do direito penal objetivo ao caso concreto. A Constituição consagra, no art. 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Logo, sendo a jurisdição inerte, e estando a autotutela banida, como regra, do ordenamento jurídico, resta aos interessados, através do exercício do direito de ação, provocar a jurisdição no intuito de obter o provimento jurisdicional adequado à solução do litígio. (TÁVORA; ALENCAR, 2014, p.193)

A chamada ação penal pública incondicionada, cuja titularidade é conferida pelo Código de Processo Penal e pela Constituição Federal ao Ministério Público, é a regra no direito brasileiro e se dá inclusive quando a lei é silente quanto ao legitimado ativo para a deflagração da demanda penal. Nesse tipo de ação, o Parquet age de forma autônoma, não dependendo da autorização de quem quer que seja, nem mesmo da vítima, para o oferecimento da denúncia.

O inciso I do art. 129 da Constituição Federal de 1988 fundamenta o pensamento acima exposto ao afirmar que a ação penal é de titularidade do Ministério Público. Tem base naquele dispositivo constitucional um dos principais princípios que informam o direito processual penal brasileiro, o qual seja o da obrigatoriedade da ação penal a que é atrelado o Ministério Público. Por força daquele mandamento de cunho constitucional, o Parquet é obrigado a oferecer a denúncia que pode dar início a uma ação penal sempre que estiverem presentes os requisitos exigidos pela lei para tal, não se tratando, portanto, de juízo de conveniência por parte do órgão ministerial o exercício ou não daquele mister. Dessa maneira:

[...] estando presentes os requisitos legais, o Ministério Público está obrigado a patrocinar a persecução criminal, ofertando denúncia para que o processo seja iniciado. Não cabe ao MP juízo de conveniência ou oportunidade. Não por acaso, o art. 24 do CPP informa que “nos crimes de ação pública, está será promovida por denúncia do Ministério Público.” (TÁVORA; ALENCAR, 2014, p.207)

Para Nucci (2013, p.111) o princípio da obrigatoriedade decorre da conjunção do princípio da legalidade penal com o mandamento constitucional do supracitado inciso I do art. 129 da Carta Maior de 1988, vez que se há crime definido em lei e pena a ele cominada, não cabe ao Poder Judiciário estabelecer juízo de conveniência se deve ou não aplicar a lei penal ao infrator, sendo, desta forma, obrigado a tal. E é justamente esse raciocínio que, para o autor, justifica o fato de estar o Ministério Público, na condição de função auxiliar à justiça, atrelado ao princípio da obrigatoriedade. Dessa forma:

Como decorrência desse princípio temos o da indisponibilidade da ação penal, significando que, uma vez ajuizada, não pode dela desistir o promotor de justiça (art. 42, CPP). Logicamente, hoje, já existem exceções, abrandando o princípio da obrigatoriedade, tal como demonstra a suspensão condicional do processo, instituto criado pela Lei 9.099/95, bem como a possibilidade de transação penal, autorizada pela própria Constituição (art. 98, I) (NUCCI, 2013, p. 111)

Nesse contexto, o inciso I do art. 98 da Constituição Federal de 1988 citado por Guilherme de Souza Nucci reflete para o autor a intenção do constituinte de trazer a previsão de criação de um sistema que absorvesse de maneira mais efetiva a crescente demanda processual que se apresentava à justiça brasileira já nos idos da década de 1980, o que ocorreria justamente por meio de uma jurisdição penal que fosse competente para tratar de hipóteses alternativas ao exercício do jus puniendi estatal.

Dessa forma, o supracitado dispositivo constitucional faz a menção à criação de juizados especiais que, no âmbito criminal, seriam competentes para o julgamento de infrações penais de menor potencial ofensivo, bem como, dentre outras atribuições, para o tratamento da chamada transação penal. A respeito do tema, Giacomolli (2014, p. 268) sustenta:

A CF de 1988, em seu art. 98, I, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade da busca de soluções dialogadas ou consensuadas no processo penal, em contraposição às formas coativas e verticalizadas de resolução dos casos criminais. Ademais disso, criou o sistema dos Juizados Especiais Criminais

(JECrims), competentes ao processo, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, através de um procedimento sumaríssimo, com recurso a uma Turma Recursal Criminal, formada por juízes de primeiro grau.

A disciplina acerca do funcionamento daqueles juizados somente veio a ser efetivada no Brasil a partir da edição da Lei nº 9.099/95, que tratou da matéria no âmbito da justiça estadual. Em seu art. 60, a lei dos juizados vai ao encontro do mandamento constitucional inserido no inciso I do art. 98 da Carta Maior, afirmando que os juizados especiais criminais detêm a competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. Logo adiante, a Lei nº 9.099/95 no art. 61 estabelece as contravenções penais e os crimes a que a lei comina pena máxima não superior a 2 anos como sendo o parâmetro para as infrações de menor potencial ofensivo.

Para o tratamento das infrações penais de menor potencial ofensivo de competência da Justiça Federal foi editada a Lei nº 10.259/01, que em seu art. 2º outorga aos juizados especiais federais criminais a competência para o tratamento daquelas demandas que sejam da alçada da Justiça Federal, tendo como parâmetro também o constante no art. 61 da Lei nº 9.099/95.

Aquelas leis e o dispositivo constitucional comentado acima inserem-se em um contexto de resposta à sobrecarga de demanda tanto nos juízos de primeiro grau como nos tribunais, numa tentativa do legislador de resolver ou mesmo atenuar o problema, no que bem andaram em sua essência as leis que criaram os juizados nas justiças estadual e federal.

Pode-se aqui traçar um paralelo entre o princípio da obrigatoriedade e o direito fundamental à segurança abordado no capítulo 2 deste trabalho. Nessa linha de raciocínio, se estão os agentes estatais, entre os quais se inserem os membros do Ministério Público, atrelados ao dever de prover a segurança em suas diferentes formas aos cidadãos, é natural que esse pensamento, aplicado ao direito penal, implique em que os responsáveis por fazer aplicar as sanções as lei criminal não o façam somente quando assim entenderem mas sim, que haja uma espécie de mecanismo jurídico que os obrigue a agir quando se fizerem presentes os pressupostos para a aplicação de pena prevista em lei.

Naquele contexto, Giacomolli (2014, p.278) afirma que a legalidade processual e o juízo de oportunidade são noções antônimas e o sistema de busca de soluções alternativas para as demandas criminais previsto pelo inciso I do art. 98 da Constituição Federal de 1988 e

regulamentado pelas Leis nº 9.099/95 e 10.259/01 não implica numa tentativa de regulação por parte do legislador do princípio da oportunidade no âmbito do início e da manutenção de uma ação penal. Nessa linha de raciocínio, para aquele autor, o princípio que continua a dominar a diretriz processual penal é o da obrigatoriedade da ação penal, tendo a lei apenas previsto hipóteses de mitigação desse princípio.

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