FACULDADE DE DIREITO
CARLOS EDUARDO FERREIRA BARRETO
A COLABORAÇÃO PREMIADA NO CONTEXTO DA LEI Nº 12.850/13: REFLEXÕES E ANÁLISE DOS BENEFÍCIOS PARA O COLABORADOR
A COLABORAÇÃO PREMIADA NO CONTEXTO DA LEI Nº 12.850/13: REFLEXÕES E ANÁLISE DOS BENEFÍCIOS PARA O COLABORADOR
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Áreas de Concentração: Direito Penal, Direito Processual Penal.
Orientador: Prof. Ms. Raul Carneiro Nepomuceno
FORTALEZA
B261c Barreto, Carlos Eduardo Ferreira.
A colaboração premiada no contexto da lei nº 12.850/13 : reflexões e análise dos benefícios para o colaborador / Carlos Eduardo Ferreira Barreto. – 2016.
54 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.
Orientação: Prof. Me. Raul Carneiro Nepomuceno.
1. colaboração premiada. 2. princípio da proporcionalidade. 3. benefícios para o colaborador. 4. lei n. 12.850. I. Título.
A COLABORAÇÃO PREMIADA NO CONTEXTO DA LEI Nº 12.850/13: REFLEXÕES E ANÁLISE DOS BENEFÍCIOS PARA O COLABORADOR
Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Áreas de Concentração: Direito Penal, Direito Processual Penal.
Aprovada em : ___/___/_____
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________ Prof. Ms. Raul Carneiro Nepomuceno (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_______________________________________________ Prof. Dr. William Paiva Marques Júnior
Universidade Federal do Ceará (UFC)
________________________________________________ Prof. Esp. Francisco de Araújo Macedo Filho
A Deus, fonte de toda a vida. A meus pais, Pinto e Kátia, minhas maiores e eternas referências. A minha irmã, Maria Helena, minha maior amiga.
A Deus, pelas graças que me concedeu ao longo da vida e pela oportunidade de concluir minha graduação em Direito.
A meus pais, Pinto e Kátia, pelo amor e apoio incondicionais desde o início da minha existência. Vocês sempre serão as minhas maiores inspirações. Parecer-me com vocês é o meu maior orgulho.
A minha irmã Maria Helena, pelo amor, carinho e pelo melhores conselhos. Sempre.
Ao meu padrinho Clécio e sua família, pela amizade e apoio.
Ao Professor Raul Carneiro Nepomuceno, pela excelência no exercício da docência e na orientação deste trabalho.
Aos professores William Paiva Marques Júnior e Francisco de Araújo Macedo Filho, por prontamente aceitarem integrar a Banca Examinadora deste trabalho e pela atenção e tratamento dispensados aos alunos.
A Andrey Roberto, pela amizade e pelos conselhos jurídicos.
A Amanda, Endrigo, Camila, Guilherme, Marina, Oscar, Sarah, Tibério, Laís, Valann e Piero, amigos que fiz na Faculdade e levarei para a vida.
Esta pesquisa teve como objetivo suscitar o questionamento acerca dos benefícios de perdão judicial e imunidade processual penal passíveis de serem concedidos num acordo de colaboração premiada da maneira como a Lei nº 12.850/13 trata do assunto no Brasil. A partir de uma pesquisa bibliográfica, analisaram-se os principais aspectos procedimentais do instituto da colaboração premiada no contexto conferido pela Lei nº 12.850/13 no combate às organizações criminosas. Foi defendida a importância da colaboração premiada na efetivação do combate ao crime organizado, a despeito das críticas que sofre por parte de doutrinadores nacionais e estrangeiros. Através de uma comparação com os benefícios concedidos no âmbito dos juizados especiais criminais, buscou-se demonstrar que aqueles benefícios necessitam de um maior debate doutrinário e de uma construção jurisprudencial mais extensa para que possam ser concedidos sem que se ofenda o princípio da proporcionalidade no que tange ao exercício por parte do Estado do seu direito de punir.
procedural immunity that may be granted by a plea bargaining agreement and on how Law No. 12.850/13 deals with the subject in Brazil. From a literature search, the main procedural aspects of the plea bargaining context given by Law No. 12.850/13 in the fight against criminal organizations were analyzed. The plea bargaining importance in the effectuation on combating organized crime was defended, despite criticism suffered by domestic and foreign scholars. Through a comparison with the granted benefits under the special criminal courts, sought demonstrate that those benefits need greater doctrinal debate and more extensive jurisprudential construction in order to be granted without offending the principle of proportionality with respect to the exercise its right to punish by the State.
1 INTRODUÇÃO ... 9
2 A COLABORAÇÃO PREMIADA NO CONTEXTO DA NOVA LEI DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO ... 11
2.1 Análise da Lei nº 12.850/13 ... 11
2.2 A colaboração premiada como meio de obtenção de prova no processo penal brasileiro ... 15
2.2.1 Inserção do instituto da colaboração premiada no contexto da produção de provas do direito brasileiro ... 15
2.2.2 A colaboração premiada como meio de obtenção de prova: conceito e regulação .. 18
2.2.3 “Colaboração” ou “Delação” premiada? ... 20
2.2.4 Procedimento do instituto da colaboração premiada ... 21
3 A COLABORAÇÃO PREMIADA ENQUANTO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA VÁLIDO PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 27 3.1 A colaboração premiada e o direito fundamental à segurança ... 27
3.2 Aplicação do instituto da colaboração premiada no Direito Internacional ... 33
4 OS BENEFÍCIOS DO PERDÃO JUDICIAL E DA IMUNIDADE PROCESSUAL NA LEI Nº 12.850/13 ... 34
4.1 A influência dos institutos da plea bargaining e da probation no direito processual penal brasileiro ... 34
4.2 A ação penal no ordenamento brasileiro e o princípio da obrigatoriedade ... 36
4.3 Os benefícios previstos pela Lei nº 9.099/95 ... 39
4.3.1 A composição civil dos danos ... 39
4.4 O princípio da proporcionalidade no Direito Penal brasileiro ... 43 4.5 Os benefícios previstos na Lei nº 12.850/13 para o colaborador sob a ótica do
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa surge do interesse em pesquisar o instituto da colaboração
premiada na perspectiva que lhe foi atribuída pela Lei nº 12.850/13, que veio disciplinar no
ordenamento jurídico brasileiro o tratamento dispensado ao combate ao crime organizado.
A Lei nº 12.850/13 veio regular de forma definitiva o procedimento para que seja
acordada entre defesa e acusação, no âmbito de uma demanda penal, uma situação em que o
indivíduo que integrava uma organização criminosa venha a ceder informações que ajudem na
elucidação das práticas criminosas do grupo em troca da obtenção de benefícios que venham a
atenuar ou mesmo impedir o exercício do jus puniendi por parte do Estado.
O interesse pelo tema decorre da inquietação do autor quanto à concessão dos
benefícios de perdão judicial e imunidade processual penal, da forma como hoje estão
regulados pela Lei nº 12.850/13, que podem ser concedidos ao colaborador. Estes benefícios,
bem como o de redução da pena privativa de liberdade e a substituição desta por uma
restritiva de direitos, vêm previstos no caput do art. 4º daquela lei.
O questionamento que se propõe ao longo do trabalho diz respeito à devida
aplicação conferida à concessão daqueles benefícios, tendo em vista o princípio da
proporcionalidade, que permeia todo o ordenamento jurídico brasileiro. Pergunta-se se não
seria desproporcional, tendo em consideração a gravidade das infrações cometidas por grupos
organizados estruturalmente para o crime, que o indivíduo que colabore com a elucidação das
atividades criminosas fique impune.
Dessa forma, tendo em vista que uma “pesquisa bibliográfica é realizada a partir de um levantamento de material com dados já analisados, e publicados por meios escritos e
eletrônicos como livros, artigos científicos, páginas de Web sites [...]” (MATOS; VIEIRA, 2001, p. 40), busca-se por meio de uma análise do que a doutrina nacional expõe acerca do
tema da colaboração premiada, trazer à tona uma discussão acerca do instituto, visto tratar-se
a Lei nº 12.850/13 ainda de legislação recente e também de suma importância no combate à
criminalidade organizada, que configura um dos maiores males que afetam a sociedade
brasileira.
Por fim, vale ressaltar que, além desta Introdução, este trabalho contém 3
No primeiro capítulo traça-se um panorama geral da regulamentação do instituto
da colaboração premiada conferida pela nova lei. O capítulo aborda a questão procedimental
do instituto, bem como a natureza jurídica do instituto no ordenamento jurídico brasileiro.
No segundo capítulo busca-se demonstrar a importância e a validade do instituto
da colaboração premiada no combate ao crime organizado, bem como sua natureza jurídica
dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Tendo como contexto o direito fundamental à
segurança, é demonstrado neste capítulo a necessidade de se dispor da colaboração premiada
para a elucidação das práticas cometidas por organizações criminosas.
No terceiro capítulo faz-se uma análise da concessão daqueles benefícios sob o
prisma do princípio da proporcionalidade. A partir de uma comparação com a mitigação que
sofre o princípio da obrigatoriedade da ação penal a que é atrelado o Ministério Público no
tocante às infrações de menor potencial ofensivo, questiona-se semelhante tratamento dado às
infrações cometidas por organizações criminosas, tratando-se a questão sob o ponto de vista
2 A COLABORAÇÃO PREMIADA NO CONTEXTO DA NOVA LEI DE COMBATE
AO CRIME ORGANIZADO
A colaboração ou delação premiada, enquanto meio de obtenção de prova ao
dispor das autoridades policiais e do Ministério Público em suas atividades em relação às
infrações penais cometidas por organizações criminosas, somente passou a ter sua regulação
prevista legalmente a partir da edição da Lei nº 12.850/13.
Conquanto não se tratasse de noção nova no processo penal brasileiro, muito
tempo levou para que o legislador pátrio viesse definitivamente detalhar as hipóteses de
cabimento do instituto aplicado às atividades ilícitas executadas por organizações criminosas,
bem como seu regramento no ordenamento nacional e os benefícios que pode vir a obter o
indivíduo que deixa de integrar a organização e, em busca de ver reduzida a pretensão
punitiva do Estado em seu favor, passa a compartilhar informações de grande valia no curso
das investigações. Trata-se daquele sujeito a quem a Lei nº 12.850/13 passou a chamar de
colaborador. Ficou a cargo daquele diploma legislativo também a conceituação legal de
organização criminosa, bem como a criação de um tipo penal autônomo para a conduta de
formar uma organização criminosa.
A despeito de questionamentos de cunho ético e moral acerca de determinadas
técnicas reguladas pela Lei nº 12.850/13, tem-se nesse diploma legal importante elemento de
combate ao crime organizado, tendo em vista a dificuldade substancial com a qual se deparam
as autoridades no curso das investigações das atividades daquele tipo de delinqüência, dadas
as peculiaridades da estruturação das organizações criminosas.
2.1 Análise da Lei nº 12.850/13
A Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, representou para o ordenamento jurídico
brasileiro o fim, pelo menos no que concerne à definição legal, da já antiga discussão em
nosso país acerca do conceito de organização criminosa. Dentre outras inovações, o citado
diploma legal, a um só tempo, trouxe a delimitação conceitual das organizações criminosas
deixado pelo legislador pátrio até então, bem como disciplinou diferentes técnicas de
investigação daquelas práticas criminosas e estabeleceu procedimentos para os meios de
obtenção de provas. Discorrendo acerca do impacto da nova lei de combate ao crime
organizado, Mendonça (2013, online) afirma que:
A Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013 – criada em substituição à Lei 9034/1995 – passou a ser, atualmente, o diploma básico de enfrentamento ao crime organizado no Brasil. A nova legislação aperfeiçoou o sistema nacional, tanto no aspecto penal quanto processual. Criou, dentre outros, o tipo penal incriminando organização criminosa, suprindo finalmente a lacuna do ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, seguindo tendência internacional, disciplinou diversos meios de obtenção de provas, consciente de que o fenômeno da criminalidade organizada, em razão de suas características, necessita de meios excepcionais de investigação diante da insuficiência dos métodos tradicionais.
Dentre esses meios a que se refere o autor mencionado acima está a delação ou
colaboração premiada, objeto de estudo nesta pesquisa juntamente com os benefícios
previstos pela Lei nº 12.850/13 que pode vir a obter o integrante de determinada organização
criminosa que, posteriormente, deixa de integrar o quadro daquela societas delinquentium e passa a desempenhar um papel de auxílio às autoridades investigativas, compartilhando aquilo
que sabe em troca da obtenção de benefícios legais, a quem a lei passou a chamar de
colaborador.
Apesar de não se tratar de figura nova no cotidiano jurídico brasileiro1, o
significado de organização criminosa só veio a ser delimitado legalmente no Brasil a partir da
edição da Lei nº 12.694, de 24 de julho de 2012, que trata do processo e do julgamento em
primeiro grau de jurisdição para os crimes praticados por organizações criminosas. Em seu
art. 2º, aquele diploma normativo afirma: “Para os efeitos dessa lei, considera-se organização criminosa a associação de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada
pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena
máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”.
Destaca-se aqui a quantidade de pessoas necessária para a configuração da organização, bem
como o requisito “crime” a ser cometido e o fato de a Lei nº 12.694/12 não trazer um tipo penal incriminador especificamente para a conduta de formar ou integrar uma organização
que tenha por fim o crime organizado.
Mais recente diploma legal a tratar do conceito de organização criminosa, a Lei nº
12.850/13, por sua vez, traz definição semelhante à dada pela Lei nº 12.694/12, porém
diferente em alguns aspectos expostos mais à frente. Já em seu art. 1º, §1º a nova lei afirma que “Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,
com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
Não é difícil a constatação por parte do intérprete de que a nova lei exige um
número maior de envolvidos no cometimento das infrações para que se configure a
organização, passando a serem necessárias pelo menos quatro pessoas. Outro ponto
divergente entre as normas reside na maior abrangência da lei nova, no que tange às práticas
que pretende coibir, ao afirmar que a organização criminosa pode se configurar mediante a
prática estruturada de infrações penais, o que, pelo menos em princípio, engloba crimes e contravenções penais. Pode-se levar em consideração aqui, contudo, a ressalva de não haver
em nosso ordenamento contravenções penais com pena máxima superior a quatro anos.
No tocante ao conflito de normas no tempo, haja vista a Lei nº 12.850/13 não ter
revogado expressamente o conceito de organização criminosa apresentado pela Lei nº
12.694/12 em seu art. 2º, observa-se que a solução se dá por força do art. 2º, §1º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ou seja, no sentido de ter havido tácita revogação
do conceito mais antigo, pois a lei mais recente tratou do tema em sentido diverso (LIMA,
2016, p. 485)
Outra inovação digna de ser destacada é o fato de a Lei nº 12.850/13 trazer um
tipo penal incriminador especificamente para a conduta de se reunirem pessoas para fins de
obter vantagens por meio de organização criminosa. Dessa forma, assim como se dá no caso
associação criminosa, os sujeitos envolvidos nas práticas delituosas por meio de uma
organização criminosa responderão, por si só, por crime independente e autônomo. Antes tida
apenas como um meio para praticar crimes – como era tratada pelo revogado inciso VII do art. 1º da Lei nº 9.613/98 – a organização criminosa, com a edição da nova lei, passou ela própria a configurar crime, punível independentemente do fato de as outras infrações que dela
possam advir venham a se concretizar ou não. Acerca desse novo tratamento conferido pela
Lei nº 12.850/13, atribuindo um tipo penal à conduta do crime organizado no ordenamento
jurídico brasileiro, Lima (2016, pp. 487-488, grifo do autor) nos esclarece que:
Não se pode confundir a definição de crime organizado por natureza com a definição de crime organizado por extensão. A expressão crime organizado por natureza refere-se à punição, de per si, pelo crime de organização criminosa, ou seja, pelo tipo penal do art. 2º da Lei nº 12.850/13, ou pelos delitos de associação criminosa (CP, art. 288; Lei nº 11.343/06, art. 35). Noutro giro, a expressão crime organizado por extensão refere-se às infrações penais praticadas pela organização criminosa ou pelas associações criminosas. A título de exemplo, verificada a existência de organização especializada em crimes de peculato, os agentes deverão ser denunciados pelo crime de organização criminosa (Lei nº 12.850/13, art. 2º, caput) – crime organizado por natureza – em concurso material com os delitos de peculato (CP, art. 312) – crime organizado por extensão.
Em sua redação o preceito penal primário do art. 2º da Lei nº 12.850/13 elenca as
condutas de promover, constituir, financiar ou integrar organização criminosa, podendo o
agente valer-se da própria pessoa ou de outrem a seu mando. Importante a ressalva de que o
referido dispositivo legal se trata de tipo penal alternativo, ou seja, ainda que o agente
pratique mais de uma conduta verbalizada no tipo só responderá por uma delas, em atenção ao
princípio da alternatividade, mas devendo o magistrado levar em consideração a pluralidade
de condutas do agente em eventual fixação de pena. (LIMA, 2016, p. 488)
Ainda acerca da caracterização do novo tipo penal inaugurado pela Lei nº
12.850/13, pode-se afirmar que:
Nota-se, dessa forma, que a Lei nº 12.850/13, ao incriminar a simples conduta de
integrar uma organização criminosa, inseriu-se num contexto sistemático em relação ao crime
de associação criminosa do art. 288 do Código Penal. Natural, portanto, que condutas
semelhantes tivessem tratamentos parecidos dispensados pelo legislador. Tanto numa como
noutra pune-se simplesmente a conduta de participar da societas delinquentium, sendo, desta forma, considerados crimes formais, não sendo necessário o cometimento dos crimes aos
quais se dedicaram os agentes no período em que organizaram e efetuaram as ações.
Importante se faz também o raciocínio de que a conduta do tipo penal de organização
criminosa estabelece em relação ao tipo de associação criminosa uma noção de especialidade
de forma que se mostra mais específica em relação a esta última.
2.2 A colaboração premiada como meio de obtenção de prova no processo penal
brasileiro
A colaboração premiada enquanto meio de obtenção de prova disciplinada pela
Lei nº 12.850/13 representa importante instrumento de combate ao crime organizado, vez que
permite a elucidação das atividades ilícitas cometidas pelos integrantes do grupo. Nessa
perspectiva, há que se levar em consideração o valor probatório que podem oferecer as
informações cedidas pelo colaborador às autoridades no curso da investigação, visto que
podem aquelas influir diretamente no julgamento do magistrado. Saber reconhecer o grau de
relevância que aquelas informações terão na convicção do juiz configura-se requisito
fundamental para o êxito do instituto da delação premiada no processo penal brasileiro e a
respeito do tema não foi silente a Lei nº 12.850/13.
2.2.1 Inserção do instituto da colaboração premiada no contexto da produção de provas do
direito brasileiro
A formação da convicção do julgador ao longo de uma investigação criminal
Estado Democrático de Direito2, em que os agentes estatais têm sua atuação limitada pela
vedação do excesso e pela máxima efetividade do direitos fundamentais, o que no âmbito do
direito penal reflete na vertente garantista, o fato de ser necessário o manifesto convencimento
por parte do Estado-juiz e de que suas razões devem ser fundamentadas como prevêem alguns
artigos do Código de Processo Penal e da Constituição Federal de 1988, confere aos
indivíduos a segurança de que não serão, ou pelo menos não deverão ser, vítimas de decisões
maculadas com o vício da arbitrariedade do Estado quando do exercício, por parte deste, do
jus puniendi. É o que afirmam Távora e Alencar (2014, p. 70), quando dizem que o princípio da motivação das decisões judiciais é decorrência do art. 93, IX da Constituição Federal e que
o juiz é livre para decidir, contanto que o faça de maneira motivada, sob pena de cair em vício
de nulidade.
Nesse contexto, o manancial probatório trazido aos autos do processo e mesmo
aquele coletado ainda na fase das instâncias administrativas revestem-se de vital importância
para que, ao fim da querela penal, os sujeitos envolvidos tenham a certeza da verdade dos
fatos e de que, a partir daí, formará então o Estado-juiz a sua convicção e proferirá o seu
julgamento, decidindo pela condenação ou absolvição do réu ou mesmo pela pertinência da
ação penal com a qual se deparou. Nessa linha de raciocínio, vem o pensamento Távora e
Alencar (2014, p. 496):
O processo, na visão do ideal, objetiva fazer a reconstrução histórica dos fatos ocorridos para que se possa extrair as respectivas consequências em face daquilo que ficar demonstrado. O convencimento do julgador é o anseio das partes que litigam em juízo, que procurarão fazê-lo por intermédio do manancial probatório carreado aos autos. Esta é a fase da instrução processual, onde se utilizam os elementos disponíveis para descortinar a “verdade” do que se alega, na busca de um provimento judicial favorável. A demonstração da verdade dos fatos é feita por intermédio da utilização probatória, e a prova é tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento do magistrado, demonstrando os fatos, atos, ou até mesmo o próprio direito discutido no litígio. Intrínseco no conceito está a sua finalidade, o objetivo, que é a obtenção do convencimento daquele que vai julgar, decidindo a sorte do réu, condenando ou absolvendo.
Aqueles mesmos autores, discorrendo acerca dos diferentes significados das
provas no processo penal, também afirmam:
Como prova é vocábulo com múltiplos significados, a depender da função que se exerce no contexto, há distinção doutrinária quanto ao que sejam meios de prova, meios de obtenção de prova e fontes de prova, bem como o que se convencionou chamar de “técnicas especiais de investigação”. (TÁVORA; ALENCAR, 2014, p. 497)
Para os citados autores, meios de prova são os instrumentos que se fazem
disponíveis no curso do processo para que haja a produção de uma prova em contraditório
conduzido pelo magistrado. Meios de obtenção de prova são formas extraprocessuais que têm
como objetivo encontrar elementos materiais de prova. Fontes de prova são as pessoas ou
coisas das quais emanam a prova. Por fim, aqueles autores citam as chamadas técnicas
especiais de investigação, que seriam formas mais dinâmicas de investigação para se chegar
ao resultado prova.
É no contexto das técnicas especiais de investigação que se inserem os diferentes
meios de obtenção de prova trazidos pela Lei nº 12.850/13. Elencados no art. 3º deste diploma
legal encontram-se a colaboração premiada, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos,
ópticos ou acústicos, a ação controlada, o acesso a registro de ligações telefônicas e
telemáticas, dados cadastrais constantes de bancos de dados públicos ou privados e a
informações eleitorais ou comerciais, a interceptação de ligações telefônicas e telemáticas,
afastamento dos sigilos financeiro, bancário e fiscal, a infiltração, por policiais, em atividade
de investigação e a cooperação entre instituições e órgão federais, distritais, estaduais e
municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução
criminal. Tratam-se de métodos que, dado o seu maior dinamismo em relação aos meio
tradicionais de investigação, conferem maior campo de atuação das autoridades no curso de
uma demanda penal.
Com efeito, a Lei nº 12.850/13 veio disciplinar determinados meios de
investigação voltados para a elucidação dos atos e infrações penais cometidos por
organizações criminosas. Essas técnicas conferem maior dinamismo e maior leque de opções
para as autoridades investigativas que atuam no curso da demanda penal. Explanando acerca
das chamadas técnicas especiais de investigação e de sua pertinência em relação às
investigações de infrações cometidas por organizações criminosas, Távora e Alencar (2014, p.
[...] são instrumentos distintos daqueles tradicionais (prova documental ou oral), consistentes em estratégias que visam melhor apurar crimes graves, com a otimização dos resultados através de criatividade investigativa que funcione como meio de obtenção de prova. As técnicas especiais de investigação são caracterizadas por dois elementos: o sigilo e a dissimulação, com o fito de se coligir elementos matérias de prova ou fontes de provas.
Pode-se entender as técnicas especiais de investigação como meios de prova ou de
obtenção de elementos de prova de que dispõe o Estado para suprir a deficiência ou a
insuficiência dos métodos mais usuais ou tradicionais para a elucidação de crimes mais
complexos, bem como daqueles que ameaçam a segurança da sociedade aproveitando-se das
transformações tecnológicas e políticas por que passa a sociedade contemporânea, sendo
possível igualmente a associação de uma ou mais técnicas ao mesmo tempo em um mesmo
caso. (ANDREATO, 2013, p. 53)
A Lei nº 12.850/13 andou bem em regular aqueles meios de investigação no
contexto das infrações cometidas por organizações criminosas. Embora não se apliquem tão
somente às infrações por aquelas cometidas, são de grande valia nesse contexto, vez que os
meios tradicionais de investigação são por vezes ineficazes no curso das investigações de
determinadas infrações, que reconhecidamente requerem maior dispêndio para que sejam
elucidadas em suas diversas vertentes.
Dentre aquelas técnicas de investigação, destaca-se a colaboração premiada, foco
de estudo nesta pesquisa daqui por diante. O instituto tem a natureza jurídica de meio de
obtenção de prova, visto que pode ser utilizado não somente na fase de inquérito, mas também
no processo e até mesmo após a sentença.
2.2.2 A colaboração premiada como meio de obtenção de prova: conceito e regulamentação
A Lei nº 12.850/13 sedimentou em nosso ordenamento jurídico o conceito legal
de organização criminosa, bem como criou um tipo penal autônomo para a conduta. No que
concerne às normas processuais, a referida lei disciplinou determinadas técnicas de
investigação, de forma a garantir um processo embasado em manancial probatório mais
Dentre os meios de obtenção de prova disciplinados pela lei 12.850 está a colaboração premiada – chamada, por alguns, sem razão, de delação premiada. A nova Lei [...], em boa hora, veio disciplinar a colaboração premiada, sobretudo trazendo balizas mais seguras para a aplicação do instituto. Assim, foram previstas regras sobre a legitimidade para propor a colaboração, disciplinou-se a atuação dos envolvidos, os requisitos para a concessão do benefício, as garantias das partes, os direitos do colaborador e, sobretudo o procedimento a ser aplicado. Resta claro que
o legislador buscou o equilíbrio entre os interesses do
investigado/imputado/condenado e os interesses da sociedade na persecução penal. Em poucas palavras, o equilíbrio entre eficiência e garantismo. [...]
O mesmo autor também nos informa o conceito de colaboração premiada naquele
trabalho mesmo quando diz que:
a colaboração premiada pode ser definida como a eficaz atividade do investigado, imputado ou condenado de contribuição com a persecução penal, seja na prevenção, ou na repressão de infrações penais graves, em troca de benefícios penais, segundo acordo formalizado por escrito entre as partes e homologado pelo juízo. (MENDONÇA, 2013)
Lima (2016, p. 520) também nos fornece um conceito de colaboração premiada
quando nos dizem que:
A colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.
Os conceitos apresentados acima nos permitem concluir pela importância da
colaboração premiada enquanto técnica de investigação de que podem dispor as autoridades
no curso de uma demanda penal. Não é difícil a constatação de que aquele que, após deixar de
integrar a societas delinquentium, decide colaborar com a justiça, pode sim fornecer informações de imensa valia para os responsáveis pela persecução criminal. A afirmativa é
tanto mais verdadeira quanto mais se percebe que aquelas informações são naturalmente de
difícil acesso e poderiam até ser obtidas pelas autoridades, mas não antes, contudo, de haver o
Explanando acerca da similaridade do instituto com a confissão, Andreato (2013,
p. 71) defende:
Trata-se de forma especial de confissão, já que o agente colaborador admite sua responsabilidade por certos ilícitos e aponta seus cúmplices ou coautores (delação premiada propriamente dita), esclarece o destino dado ao produto ou proveito do crime (recuperação de ativos), assim como, em crimes como sequestro, viabiliza a localização da vítima (libertação). O colaborador também pode prestar informações para evitar a consumação do crime cujo planejamento participou ou tomou conhecimento (prevenção). Por meio da colaboração criminal, estimula-se o acusado a falar, a romper a lei do silêncio mafioso (omertá), o que contribui para a elucidação do crime, a punição dos responsáveis, a reparação do dano causado às vítimas e a preservação da ordem pública.
A noção do instituto da colaboração premiada não era propriamente nova à época
do advento da Lei nº 12.850/13. De maneira similar à prática processual tratada neste
trabalho, o art. 159 do Código Penal, que traz o tipo incriminador conhecido como extorsão
mediante sequestro, traz em seu § 4º uma espécie de minorante penal para o coautor que,
denunciando o crime cometido à autoridade, facilite a libertação da vítima. O benefício
previsto é a redução da pena de um a dois terços.
Não se está aqui a afirmar pela intrínseca relação entre a causa de redução de pena
prevista no art. 159, § 4º do Código Penal e o instituto da colaboração premiada disciplinado
pela Lei nº 12.850/13, como que aquela fosse a origem desta última. A comparação entre os
dois referenciais legais nos mostra apenas que a noção de que o indivíduo que concorre para a
execução de um crime pode em dado momento vir a auxiliar as autoridades investigativas nos
esclarecimentos das ações praticadas já não era novidade no ordenamento jurídico brasileiro,
bem como também a ideia de que, ao fazê-lo, o colaborador – expressão esta usada pela Lei nº 12.850/13 – pudesse vir a obter benefícios por conta do auxílio nas investigações.
2.2.3 “Colaboração” ou “Delação” premiada?
Importante se faz a ressalva de que a própria expressão “colaboração premiada”, utilizada pela Lei nº 12.850/13, não goza de aceitação unânime perante a doutrina nacional.
[..] delação e colaboração premiada não são expressões sinônimas, sendo esta última dotada de mais larga abrangência. O imputado, no curso da persecutio criminis, pode assumir a culpa sem incriminar terceiros, fornecendo, por exemplo, informações acerca da localização do produto do crime, caso em que é tido como colaborador. Pode, de outro lado, assumir culpa (confessar) e delatar outras pessoas – nesta hipótese é que se fala em delação premiada (chamamento de corréu). Só há falar em delação se o investigado ou acusado também confessa a autoria da infração penal. Do contrário, se a nega imputando-a a terceiro, tem-se simples testemunho. A colaboração premiada funciona, portanto, como o gênero do qual a delação premiada seria espécie.
Condenando o termo “delação”, mas em sentido semelhante ao pensamento exposto acima, Mendonça (2013, online) afirma:
Evitamos a expressão por dois motivos. Primeiro, porque não se trata necessariamente de delação, ou seja, declarações que venham a incriminar os comparsas. O instituto da colaboração processual é muito mais amplo e permite diversos tipos de colaboração, seja por meio de atividades preventivas quanto repressivas. Assim, a colaboração pode ser no encontro da vítima, a salvo. Segundo, porque o termo “delação” traz intrínseco uma carga de valoração negativa muito forte, indicando uma prática de traição ou algo que não deveria ser tutelado pelo ordenamento jurídico. [...]
Sem a pretensão de preferir uma à outra expressão, usar-se-á daqui por diante neste trabalho as expressões “colaboração” e “colaborador”, tendo em vista serem as adotadas pela Lei nº 12.850/13.
2.2.4 Procedimento do instituto da colaboração premiada
Disciplinando o procedimento a ser seguido quando da tentativa de acordo de
colaboração premiada, a Lei nº 12.850/13 estabelece alguns requisitos para que seja possível a
realização da colaboração. Em seu art. 4º, a lei estabelece que o partícipe que colabore com as
investigações o faça de maneira voluntária, que, a partir das informações concedidas, haja
realmente proveito para as investigações (requisito de eficácia) e que se verifique a existência
de condições objetivas e subjetivas favoráveis para a formalização do acordo (MENDONÇA,
O fato de haver exigência legal no §15 do art. 4º da Lei de que em todos os atos
de negociação e execução da colaboração o colaborador deverá estar sendo assistido por um
advogado corrobora a ideia de que o acordo só deve ser realizado se o interessado estiver em
condição de pleno aceite com os termos decididos na negociação, ou seja, de que as
informações que ele vier a oferecer serão dadas de forma voluntária. Sendo assim, o
interessado não poderá formalizar o acordo caso tenha sido este fruto de coação ou sob o
pretexto de que obteria vantagens que a lei não prevê. Deve haver, dessa forma, o elemento
espontaneidade quando do início dos atos de negociação de eventual acordo.
Outro elemento essencial para que o colaborador venha a obter algum dos
benefícios previstos na lei é o de que as informações por ele compartilhadas venham
efetivamente a auxiliar as investigações. A verificação desta eficácia se dá de forma objetiva.
Isso porque a Lei nº 12.850/13 elenca expressamente nos incisos do caput do art. 4º os resultados que, se averiguados no curso das investigações, possibilitarão ao colaborador a
obtenção de algum dos benefícios previstos no próprio caput. Aqueles resultados, elencados em ordem crescente de relevância, são: a) a identificação dos demais coautores e partícipes da
organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, b) a revelação da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa, c) a prevenção das infrações
penais decorrentes das atividades da organização criminosa, d) a recuperação total ou parcial
do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa e e) a
localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
É notório na análise do rol de resultados que podem advir das informações do
colaborador o fato de que estão numa ordem crescente de importância e que, naturalmente,
essa importância será levada em conta pelo magistrado na hora da fixação do benefício a ser
obtido pelo colaborador. Claro também está que a lei exige apenas um desses resultados para
a concessão de benefícios. No entanto, ocorrendo mais de uma daquelas previsões,
naturalmente poderá o magistrado considerar isso naquele momento. (MENDONÇA, 2013,
online)
Quanto às circunstâncias que devem ser verificadas pelas autoridades para que se
proceda à formalização do acordo de colaboração, acerca da possibilidade de realização deste,
[...] não se trata de direito subjetivo do investigado/imputado/condenado realizar o acordo e receber os benefícios. O membro do MP e o Delegado de Polícia devem verificar a adequação da colaboração àquele caso concreto, à luz da estratégia investigativa e da persecução penal, sem olvidar a própria repercussão social do fato criminoso e sua gravidade. Conforme consta no Manual do ENCCLA sobre colaboração premiada, a “autoridade policial e o Ministério Público não são obrigados a propor ou aceitar a oferta de colaboração quando julgarem, pela circunstância do caso, que ela não é necessária”. (MENDONÇA, 2013, online)
Mais à frente, o mesmo autor conclui:
[...] as circunstâncias pessoais do agente também são importantes. Embora não se exija a primariedade do agente ou que tenha bons antecedentes, [...], é necessário que o colaborador demonstre interesse em efetivamente colaborar com as autoridades, não ocultando das autoridades sua participação ou qualquer outro fato que seja de interesse da investigação. Assim, pressuposto da colaboração é que o agente realmente faça o disclousure de todos os elementos que possua, sem omissões ou reservas mentais em relação aos colaboradores. Do contrário, caracterizado que o colaborador está mentindo ou omitindo, não será cabível a colaboração e, ainda, poderá ser caso de sua rescisão. (MENDONÇA, 2013, online)
Dessa maneira, percebe-se que se trata a colaboração premiada de mera
possibilidade de técnica de investigação de que dispõem as autoridades, ou seja, não se
configura em direito subjetivo do acusado. Isso porque o instituto pode vir ou não a ser
aplicado quando do curso das investigações das infrações penais cometidas pela organização
criminosa. A questão se resume a um juízo de conveniência por parte das autoridades
investigativas acerca da pertinência ou não do uso da referida técnica.
Outro ponto de grande importância que não poderia deixar de ser tratado pela Lei
nº 12.850/13 é o procedimento a ser seguido desde as negociações entre o acusado e as
autoridades ainda para se chegar aos termos do acordo até o momento da efetivação da
concessão dos eventuais benefícios que a lei prevê. É certo que a nova lei trata da
possibilidade de a colaboração ocorrer em qualquer fase da persecução penal, sendo mais
importante, assim, a efetiva contribuição para as investigações. Dessa forma, a prática poderia
se dar antes mesmo do oferecimento da denúncia (colaboração pré-processual), no curso do
processo antes do trânsito em julgado (colaboração processual) e também após o trânsito em
julgado (colaboração pós-processual). (MENDONÇA, 2013, online)
Tendo em vista o cuidado com o qual a Lei nº 12.850/13 tratou o instituto da
e do que nele deve constar. Consoante o art. 6º da Lei, no acordo devem figurar: a) os relatos
da colaboração e seus possíveis resultados, b) as condições da proposta do Ministério Público
ou do delegado de polícia, c) a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor, d )
as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia e e)a
especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, se for o caso.
No que concerne à legitimidade para propor o acordo de colaboração premiada, o
§2º do art. 4º da Lei nº 12.850/13 dispõe que o Ministério Público a qualquer tempo, e o
Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial e, desde que haja manifestação do órgão
ministerial, poderão requerer ao juiz a concessão de perdão judicial. Por sua vez, o §6º
daquele mesmo dispositivo legal afirma que a formalização do acordo ocorrerá entre o
Delegado de Polícia, o investigado e seu defensor, desde que haja a manifestação do Parquet. Atentando para o cuidado que se deve ter quando da interpretação dos dispositivos citados
acima, Lima (2016, p. 550, grifo do autor) assim se posiciona:
Se é verdade que a autoridade policial tem interesse em obter informações relevantes acerca do funcionamento da organização criminosa através dessa importante técnica especial de investigação, é inconcebível que um acordo de colaboração premiada seja celebrado sem a necessária intervenção do titular da ação penal pública. Quando a Constituição Federal outorga ao Ministério Público a titularidade da ação penal pública (art. 129, I), também confere a ele, com exclusividade, o juízo de viabilidade da persecução penal através da valoração jurídico-penal dos fatos que tenham ou possam ter qualificação criminal. Destarte, diante da possibilidade de o prêmio legal acordado com o investigado repercutir diretamente na pretensão punitiva do Estado (v.g., perdão judicial), não se pode admitir a lavratura de um acordo de colaboração premiada sem a necessária e cogente intervenção do Ministério Público como parte principal e não por meio de simples manifestação.
Mais à frente, o mesmo autor arremata o raciocínio com a ideia de que se a
autoridade policial não tem capacidade postulatória nem legitimidade ativa para iniciar a ação
penal, não seria razoável, portanto, que o Ministério Público, que é o titular da ação penal,
ficasse condicionado às negociações formalizadas entre a autoridade policial e o investigado,
sob pena de ofensa ao art. 129, inciso I da Constituição Federal.
Quanto à possibilidade de o magistrado participar das etapas de negociação do
acordo de colaboração premiada, tem-se que a Lei nº 12.850/13 é expressa no sentido de que
tal não ocorrerá, haja vista o intuito de que o julgador apenas seja competente para verificar os
A Lei nº 12.850/13 estabeleceu a obrigatoriedade do crivo do magistrado sobre o
acordo de colaboração premiada. É nesse sentido o comando do art. 4º, §7º, quando afirma
que o acordo e seu termo deverão ser homologados pelo juiz. A medida é pertinente, pois
permite ao magistrado verificar a regularidade do acordo a fim de saber se os requisitos se
fizeram presentes ao longo das negociações.
Questão das mais importantes, a respeito da qual não poderia ter ficado silente a
Lei nº 12.850/13, diz respeito ao valor processual que as informações obtidas com o relato do
investigado podem ganhar no curso da demanda penal, ou seja, o grau de relevância do que
foi dito no que concerne ao incremento do manancial probatório que eventualmente venha a
embasar uma sentença condenatória. Claro restou pela nova lei que trata das organizações
criminosas que, independentemente do que venha a ser informado quando o colaborador
compartilhar com as autoridades investigativas aquilo que sabe a respeito das infrações penais
cometidas, tais dados, por si só, não serão suficientes para formar o convencimento do
julgador e fundamentar eventual sentença condenatória. A respeito do tema, Lima (2016, p.
540) afirma que esse raciocínio já era adotado pela jurisprudência nacional, tendo a doutrina
chamado a prática de regra de corroboração e a Lei nº 12.850/13 positivado a norma em seu
art. 4º, §16, que dispõe que “nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.
Afirmando pela semelhança do valor probatório da colaboração premiada com o
da prova testemunhal, Lima (2016, p.541) diz:
Caso haja necessidade de oitiva do colaborador (delator) no processo relativo aos coautores ou partícipes delatados, a fim de se lhe conferir o valor de prova, e não de mero elemento informativo, há de se assegurar a participação dialética das partes, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa. Afinal, se há simples confissão na parte em que o acusado reconhece que praticou o delito, ao atribuir o cometimento do crime a outra pessoa, o delator passa a agir como se fosse testemunha, tendo o ato, nessa parte, natureza de prova testemunhal, daí por que imprescindível o respeito ao contraditório judicial. Funcionando a observância do contraditório como verdadeira condição de existência da prova, tal qual dispõem a Constituição Federal (art. 5º, LV) e o Código de Processo Penal (art. 155, caput), surgindo a necessidade de se ouvir o colaborador no processo a que respondam, por exemplo, os acusados objeto da delação, a produção dessa prova deve se feita na presença do juiz com a participação dialética das partes.
O que justifica a regra da corroboração, como se percebe, é a probabilidade de que
interesse nos benefícios processuais que oferece a Lei nº 12.850/13. Faz-se necessário,
portanto, que as informações obtidas a partir do depoimento do colaborador sejam conjugadas
com outros meios de prova tais como a prova pericial, documental etc.
Traçadas as noções propedêuticas acerca do instituto da colaboração premiada e
sua disciplina no Brasil, passa-se a seguir a analisá-lo de forma contextualizada no processo
penal a partir de suas bases legais e premissas principiológicas para mais à frente tratar-se de
um dos benefícios que a Lei nº 12.850/13 previu para o agente colaborador, o qual seja o da
3 A COLABORAÇÃO PREMIADA ENQUANTO MEIO DE OBTENÇÃO DE PROVA
VÁLIDO PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Cada vez mais presentes no cotidiano jurídico de diversos países, as técnicas
especiais de investigação, a despeito de sua imensa utilidade e valia para o esclarecimento de
infrações penais, não gozam de aceitação unânime por parte da doutrina que se debruça sobre
o tema. Discussões acerca do conteúdo ético da ação do colaborador que delata seus comparas
às autoridades em busca de benefícios para si e do agente policial que se infiltra numa
organização criminosa são, a título de exemplo, alguns dos questionamentos que se fazem
sobre a utilização desses métodos de investigação utilizados em nosso país.
A técnica da colaboração premiada em especial sofre diversas críticas,
notadamente de cunho ético e moral, por parte de determinado setor dos pensadores do direito
nacional e internacional. O objetivo deste capítulo é demonstrar a validade e legitimidade
dessa técnica perante o ordenamento pátrio e a Constituição Federal de 1988.
3.1 A colaboração premiada e o direito fundamental à segurança
O cenário jurídico mundial após a Segunda Guerra Mundial trouxe para os
ordenamentos de diversos países profundas transformações na relação entres o Estado e os
cidadãos. Os códigos deixaram de ser a fonte maior do direito e cederam esse papel às
Constituições, que passaram a ser dotadas de força normativa, numa fase do pensamento
jurídico que se costumou chamar de neoconstitucionalismo. Nessa linha de raciocínio, é
correta a afirmativa de que:
Nesse contexto, ganharam notória relevância enquanto bases norteadoras dos
ordenamentos os chamados direitos fundamentais tendo como documento base a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948. Os horrores causados pela Segunda Grande Guerra
estimularam as nações a desenvolverem em seus ordenamentos mecanismos que pudessem
evitar a proliferação de regimes de governo totalitaristas que baseassem sua legitimidade na
lei. É essa categoria de direitos dos cidadãos que passa a nortear os textos constitucionais a
partir da segunda metade do século XX, estabelecendo a base principiológica que legitima
todo o ordenamento.
Como não poderia deixar de ser, o Direito Penal e o Processual Penal inserem-se
nesse contexto e naturalmente sofrem os reflexos desta maior relevância dos direitos
fundamentais nas cartas nacionais dos estados. Garantias processuais como o contraditório, a
ampla defesa e um devido processo legal passaram a constar nos textos constitucionais como
que a proteger os indivíduos de eventuais arbitrariedades do ente estatal. Muito disso se
justifica porque:
Passou-se a perceber o teor jurídico-objetivo inerente aos direitos fundamentais, viés a partir do qual tais direitos passaram a ser vislumbrados como princípios objetivos, de modo a, mediante a ampliação do seu conteúdo, projetar influxos por todo o sistema jurídico, servindo de diretrizes para as instituições estatais, obrigadas em realizá-los. Cuida-se de precioso instrumento da dogmática dos direitos fundamentais no pós-guerra. (ANDREATO, 2013, p.8)
Mostra-se importante, contudo, a percepção de que, com o desenvolvimento da
teoria dos direitos fundamentais ao longo do século XX, não apenas os direitos individuais
podem ter o status de fundamental, mas também, e com igual relevância, os chamados direitos
transindiviuais, dos quais é titular toda a sociedade. E é justamente dentro desses direitos
transindividuais que se insere o direito à segurança. Isso porque “no caminho da preservação dos bens jurídicos sociais, ao lado dos bens jurídicos individuais, vê-se um sem número de
documentos produzidos pela comunidade internacional, os quais fincam bases também no
direito à segurança, [...]” (ANDREATO, 2013, p. 13)
O direito à segurança foi alçado em nosso ordenamento ao status de direito fundamental graças ao art. 5º da Constituição Federal de 1988, que afirma em seu caput que em território brasileiro a todos é garantida a inviolabilidade do direito à segurança. Ao
segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, a fim de se preservar a
ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Noutro giro, contudo, o que se nota atualmente é que:
Produto de um Estado ausente, a criminalidade organizada é um dos maiores problemas no mundo globalizado hoje. Apesar de não se tratar de fenômeno recente, o crescimento dessas organizações criminosas representa uma grave ameaça não apenas à sociedade, mas também ao próprio Estado Democrático de Direito, seja pelo grau de lesividade das infrações penais por elas praticadas, seja pelo grau de influência que exercem dentro do próprio Estado. (LIMA, 2016, p. 479)
Inegavelmente, percebe-se atualmente que o crime organizado trata-se de um dos
grandes males que afetam diversas sociedades não apenas internamente em cada país,
revelando-se por meios de práticas de corrupção e violência urbana, dentre outras, mas
também internacionalmente, na hipótese dos crimes transnacionais, no que andou bem o
legislador em incluir essa modalidade de infração no rol de condutas que visa inibir a Lei nº
12.850/13. Pode-se dizer que o cangaço no interior nordestino na primeira metade do século
XX foi a primeira manifestação de crime organizado no Brasil e mais recentemente os casos
do Primeiro Comando da Capital em São Paulo e do Comando vermelho no Rio de Janeiro
(LIMA, 2016, p. 480).
Sabe-se que as organizações criminosas, de uma forma geral, são caracterizadas
por uma rígida hierarquia a partir da qual seus membros planejam as atividades delituosas
para as quais foi formada a organização. É justamente isso que dificulta as investigações das
autoridades quando se deparam com esse tipo de delinqüência. Da Silva (2014, p. 33 apud
Mendonça, 2013, online) afirma que o crime organizado tem como características a acumulação de poder econômico, o alto poder de corrupção, o intuito de legalizar o lucro
obtido, o alto poder de intimidação, por meio da lei do silêncio (omertá), conexões locais e
internacionais e divisão de território para atuação, dentre outras. Tratam-se de traços
característicos dessas organizações que dificultam sobremaneira as ações investigativas das
autoridades competentes, de forma que os meios tradicionais de obtenção de prova não se
mostram eficazes quando das tentativas de elucidação dos casos que se apresentam.
Nesse contexto, há que se notar a vertente dos direitos fundamentais que pugna
pela relevância dos direitos transindividuais, como o direito que toda a sociedade tem à
utilização das técnicas especiais de investigação, ou pelo menos determinadas nuances de seu
uso, há que se levar em consideração o direito fundamental à segurança pública como um
objetivo a que se propõe o Estado, sendo a sua consecução verdadeiro compromisso deste
com seus cidadãos.
O que se nota é que há que se fazer uma espécie de sopesamento quanto aos bens
jurídicos tutelados e, dessa forma, conceber maior relevância ao direito fundamental à
segurança, de que é titular a sociedade como um todo. Contudo
Não se compreenda por proteção penal eficiente a primazia a priori de direitos sociais ou de interesse geral sobre os individuais, ou vice-versa.É preciso ponderação. A tutela penal de um determinado bem jurídico é também exigência e mandamento que advém da concretização dos direitos humanos, cujo âmbito protetivo, quando necessidade houver, deverá também ser robustecido pelo direito penal, instrumentalizado por um processo penal desenvolvido com o respeito à dignidade da pessoa humana. (ANDREATO, 2013, pp. 14-15, grifo do autor)
A utilização das técnicas especiais de investigação inserem-se nesse contexto e
têm aí muito de sua validade principiológica. Como exposto anteriormente, as organizações
criminosas adotam métodos de atuação que impõem empecilhos às investigações por parte
das autoridades, o que não significa que os agentes estatais podem ou devem se resignar a
essa condição. Isso porque o principal interesse em questão é o direito fundamental à
segurança, positivado em nosso ordenamento com status constitucional. Dessa maneira, tem-se o tem-seguinte posicionamento:
É possível afirmar, assim, que os direitos humanos dimanam reflexos tanto no sentido de impedir certas atuações estatais quanto para impor a esse mesmo Estado a obrigação de tutelá-los, utilizando-se inclusive e susbsidiariamente do direito penal e processo penal como mecanismos auxiliares na tutela dos direitos humanos. (ANDREATO, 2013, p.15)
Nessa linha de raciocínio, percebe-se que os direitos fundamentais, inclusive o de
segurança, têm um duplo papel. São mandamentos principiológicos negativos à medida que
impedem ações arbitrárias por parte dos entes estatais em desrespeito aos indivíduos, bem
como possuem também um caráter positivo, o qual seja o de impor ao Estado a obrigação de
Os questionamentos que se fazem sobre as técnicas de investigação recaem
sobretudo quanto ao cunho moral e ético que elas podem eventualmente vir a ofender. Por ser
o foco deste trabalho, falar-se-á aqui somente acerca das controvérsias concernentes à
colaboração premiada.
Boa parte das críticas que se tecem a respeito do instituto da colaboração
premiada diz respeito basicamente à violação às questões éticas, que mesmo em se tratando de
indivíduos que enveredaram pelo mundo do crime deveriam estes seguir. É como se se
estivesse a afirmar que a conduta daquele indivíduo que delata os seus comparsas com o fito
de obter benefícios processuais para si configurasse grave traição, caracterizando uma quebra
do dever de lealdade, que deveria se fazer presente até mesmo em organizações criminosas, a
despeito de suas atividades ilícitas.
Com o devido respeito às posições em contrário, o entendimento adotado neste
trabalho não corrobora com aquela linha de raciocínio. Conforme já foi afirmado neste
capítulo, as técnicas especiais de investigação, dentre as quais se situa a colaboração
premiada, configuram instrumento de imensa utilidade de que podem dispor as autoridades
investigativas no exercício de seu múnus. Elas são tanto mais necessárias quanto mais se
percebe que os métodos tradicionais de investigação são diversas vezes ineficientes frente à
estrutura montada para o funcionamento e acobertamento do crime organizado. É este
também o entendimento de Lima (2016, p. 522, grifo do autor) quando defende:
[...] parece-nos não haver quaisquer violações à ética, nem tampouco à moral. Apesar de se tratar de uma modalidade de traição institucionalizada, trata-se de instituto de capital importância no combate à criminalidade, porquanto se presta ao rompimento do silêncio mafioso (omertá), além de beneficiar o acusado colaborador. De mais a mais, falar-se em ética de criminosos é algo extremamente contraditório, sobretudo se considerarmos que tais grupos, à margem da sociedade, não só têm valores próprios, como também desenvolvem suas próprias leis.
Nessa perspectiva, falar-se em ética significa tratar de premissas que visem o bem
comum, vez que as normas éticas traduzem ideia de altruísmo, num contexto de respeito ao
interesse alheio e da coletividade como um todo em detrimento do interesse individual. Nessa
[...] se relativismos culturais, considerados lícitos numa sociedade (país), são restringidos em nome de um “mínimo ético irredutível”, não existe razão suficiente que permita o respeito a uma “ética criminosa”, pois se referem a condutas contrárias à paz e à ordem jurídica, cuja proliferação levaria ao colapso da sociedade e do Estado Democrático de Direito. Se nem no direito civil é possível exigir-se o cumprimento de convenções contrárias ao direito e à moral, essa exigência também não pode se dar no direito penal e processual penal. (ANDREATO, 2013, p. 64)
Afigura-se realmente estranho defender que mesmo em atividades criminosas, em
que os indivíduos agem despreocupados com o prejuízo que vão causar ao bem jurídico
tutelado pelo direito, estes tenham que manter entre si uma conduta ética. É como que
defender que os preceitos éticos e morais do direito estivessem a serviço também da
consecução de atividades ilícitas, o que configuraria nítida afronta a qualquer ideia de justiça.
Técnicas especiais de investigação como a colaboração premiada e a interceptação
de comunicações telefônicas e telemáticas, que estão previstas na Lei nº 12.850/13, retiram
muito de sua validade a partir da própria ordem constitucional. Isso porque
Essas e outras técnicas investigativas decorrem da criatividade permitida a partir do direito à prova e do direito à liberdade probatória, corolários do direito de ação (artigos 5º, XXXV e, e 129, I, da CF/88) e do contraditório (artigo 5º, LV, da CF/88), este na sua dimensão substancial, plasmada no poder de influir no juízo, de levar ao conhecimento do julgador, dentro dos limites constitucionalmente impostos, todas as informações possíveis representativas da sua versão dos fatos e circunstâncias em apuração. (ANDREATO, 2013, p. 25)
O mesmo autor arremata aquele pensamento com a ideia de que o direito à
investigação surge dentro do sistema constitucional vigente como consectário do direito à
prova, pois o Estado tem o dever de prover aos seus cidadãos o bem jurídico da segurança
pública e muito disso passa por uma tutela jurisdicional efetiva (ANDREATO, 2013, p, 25).
Por tudo que já foi até aqui exposto acerca das organizações criminosas, é natural e mesmo
necessário que o legislador brasileiro buscasse meios de investigação diferentes dos mais
usuais, que pudessem apresentar maior efetividade quando do enfrentamento daquele tipo de
criminalidade, dadas as suas peculiaridades.
Lima (2016, p. 522) defende a utilização da técnica da colaboração premiada
aduzindo que, a despeito dos argumentos que afirmam pelo reconhecimento da incapacidade
do Estado de por si só elucidar as práticas criminosas, a colaboração premiada representa a
oportunidade de se quebrar a coesão das organizações criminosas (affectio societatis), vez que
silêncio, que configura uma das características mais marcantes do crime organizado e que é
responsável pelo êxito de suas atividades.
O instituto da colaboração premiada tem aceitação também na jurisprudência
nacional. Vide, por exemplo, os votos dos ministros Carlos Ayres Britto e Ricardo
Lewandowski nos autos do HC 90.688/PR, posicionando-se pela constitucionalidade do
instituto.
3.2 Aplicação do instituto da colaboração premiada no Direito Internacional
O instituto da colaboração premiada, a despeito das críticas que recebe, tem sido
adotado nos ordenamentos de diversos países. No âmbito do direito internacional, um dos
principais documentos que tratam do tema é a Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção, também conhecida como Convenção de Mérida, formalizada nesta cidade
mexicana em 2003 e com vigor em âmbito internacional a partir de 14 de dezembro de 2005.
(ANDREATO, 2013, p. 80). O referido documento foi ratificado pelo ordenamento jurídico
brasileiro pelo Decreto nº 5.687/2006.
Acerca da aceitação do instituto no âmbito internacional, tem-se o seguinte:
É explícito o posicionamento internacional para a adoção de institutos mitigadores da sanção penal, a exemplo da colaboração premiada, conforme ressaltado no §3º do artigo 37, sem fixar, contudo, os patamares dessa fomentada redução, que deverá ter aplicabilidade nas hipóteses de cooperação substancial à investigação ou persecução penal em juízo na repressão à corrupção, nos termos da Convenção. (ANDREATO, 2013, pp. 80-81)
A difusão do instituto da colaboração premiada em diversos países insere-se num
contexto em que, acompanhando a globalização das relações internacionais, as práticas
criminosas que se valem de uma estrutura organizada também se fazem perceber, muitas
vezes mantendo estreita ligação com a corrupção política, configurando grave ameaça à
4 OS BENEFÍCIOS DO PERDÃO JUDICIAL E DA IMUNIDADE PROCESSUAL NA
LEI Nº 12.850/13
A Lei nº 12.850/13 trouxe em seu art. 4º os benefícios que pode vir a obter o
colaborador que firma com as autoridades investigativas acordo de colaboração premiada e
que efetivamente vem a ajudar com suas informações o trabalho de elucidação das práticas
criminosas. A lei elenca os seguintes benefícios: perdão judicial, redução de até 2/3 da pena
privativa de liberdade ou substituí-la por uma restritiva de direitos. Ademais, o §4º daquele
mesmo artigo traz expressamente a possibilidade de imunidade processual do colaborador,
contanto que este não seja o líder da organização criminosa e que seja o primeiro a prestar
informações. Nesse caso, considerando o alto grau de relevância das informações prestadas
pelo delator, o Ministério Público pode simplesmente deixar de oferecer a denúncia que inicia
a ação penal, em clara mitigação ao princípio da obrigatoriedade a que é atrelado o Parquet.
Como se percebe, tratam-se de duas hipóteses em que se houver notável
contribuição do colaborador a partir das informações por ele prestadas acerca das atividades
ilícitas praticadas pela organização criminosa que ele outrora integrava, deixará então de
sofrer qualquer sanção penal, seja por meio de perdão ao final do processo, seja por que
processo mesmo nem houve.
O que se buscará neste capítulo é justamente o questionamento acerca da
pertinência dessas possibilidades em que o Estado abdica de exercer o jus puniendi, com especial enfoque sobre a possibilidade do benefício de imunidade previsto pela Lei nº
12.850/13, tendo em vista o grau de lesividade dos crimes praticados pelas organizações
criminosas.
4.1 A influência dos institutos da plea bargaining e da probation no Direito Processual
Penal brasileiro
Os Estados Unidos da América, notadamente a partir do século XX,
notabilizaram-se pela grande influência sócio-econômica que têm exercido sobre boa parte do