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1 A PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA:

2.2. Os delitos de estupro e estupro de vulnerável

2.2.3 A ação penal

A ação penal está prevista no artigo 225. Anteriormente a regra era que a ação penal privada seria utilizada para os delitos previstos nos Capítulos I e II, que tratavam dos crimes contra a liberdade sexual e da sedução e da corrupção de menores, respectivamente, salvo se a vítima ou seus pais não pudessem prover as despesas do processo, caso em que seria ação penal pública condicionada à representação; se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder ou se o estupro fosse cometido com violência real (Súmula 608, STF) sendo que em ambos os casos a ação penal seria pública incondicionada.

Com as recentes alterações promovidas pela Lei 12.015/2009, a regra é ser a ação penal pública condicionada à representação para os crimes contra a dignidade sexual (previstos nos artigos 213 a 218-A), conforme o artigo 225, caput

do CP. A ação pública incondicionada será exceção, aplicável somente para os casos em que a vítima for menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável (doente ou deficiente mental que não possui discernimento sexual ou que possui, por qualquer causa, sua capacidade de resistência reduzida), conforme artigo 225, parágrafo único do CP.

Demais disso, não há mais a ação penal de iniciativa privada nesses crimes, salvo a ação penal privada subsidiária da pública, vez que se trata de uma garantia constitucional, prevista no art. 5º, inciso LIX, da CF.

A ação penal pública condicionada à representação assegura a intimidade da vítima no sentido de que, caso queira evitar o escândalo do processo, simplesmente não representará. Porém, uma vez representando, caberá ao Ministério Público agir em seu nome. Além disso, não há mais se falar em estado de pobreza da vítima, embora se continue a tutelar com maior ênfase a pessoa vulnerável (NUCCI, 2010, p. 180).

Destaca-se, ainda, a Súmula 608 do STF, que prevê “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação é pública incondicionada.” (BRASIL, Súmula 608 do STF)

Defendendo a mantença da Súmula, há a posição do STJ. Em conformidade, Estefam (2009, p. 25) entende que essa súmula não foi revogada pela Lei 12.015, porém deve ser aplicada somente nos casos em que o estupro resultar lesão corporal grave ou morte.

[...] o estupro cometido com lesão leve se procede por ação penal pública condicionada à representação do ofendido nos termos do art. 225, caput; se houver, contudo, lesão grave ou morte, a ação penal será pública incondicionada, por força do disposto no art. 101 do CP (ação penal no crime complexo) e da Súmula 608 do STF.

Diferentemente do pensamento de Nucci (2010, p.180), para quem a Súmula foi eliminada nos casos de estupro de pessoa adulta que, ainda que cometido com violência, será ação pública condicionada à representação. O referido autor explica, dizendo que essa Súmula foi fruto de Política Criminal e tinha o interesse de proteger a mulher estuprada para que essa não sofresse preconceitos perante a sociedade. Refere que a atual redação do artigo 213 protege não somente a mulher, mas também o homem e que a Súmula 608 era voltada à tutela feminina, de forma que não há razão para que subsista.

Outra crítica que se faz ao regramento do artigo 225 do CP, mais especificamente ao seu parágrafo único, foi não haver previsão processamento através de ação penal pública incondicional no caso de resultar a morte da vítima.

A interpretação literal desses dispositivos levaria à conclusão de que mesmo no caso de a vítima vir a falecer em função da violência empregada para a prática do crime sexual, ou então de restar tão gravemente ferida a ponto de não conseguir manifestar seu consentimento, não seria possível a instauração do processo enquanto não oferecida a representação, e que isso, em especial no caso de a vítima não possuir algum dos parentes elencados no artigo 31 do CPP (cônjuge, ascendente, descendente ou irmão), poderia implicar em impunidade do agente.

Em função disso, sustenta-se a aplicação da Súmula 608 do STF a esses casos. Já o disposto no artigo 31 do CPP somente teria aplicação no caso de a morte da vítima decorrer de causa superveniente, absolutamente independente do delito sexual.

Estefam (2009, p. 25-26) entende que o regramento contido no artigo 225 do CP não terá aplicação retroativa quando se mostrar gravoso em relação à sistemática anterior. Assim, os casos de ação penal privada anteriores à Lei

12.105/2009, em que já houve decadência, não são atingidos pela nova regra. Já em casos em que o prazo de 6 (seis) meses ainda não escoou, a ação continua a se proceder mediante queixa, ou seja, subsiste a regra anterior, operando-se a ultratividade, uma vez que é mais benéfica ao agente. Dessa forma, se a queixa não for ajuizada em 6 (seis) meses contados do conhecimento da autoria delitiva, há extinção da punibilidade. Da mesma forma, é possível que na comparação entre a regra anterior e a atual, se apure ser a inovação favorável ao agente, caso em que se aplicará a retroação, respeitando-se, todavia, a coisa julgada.

Porém, Nucci (2010, p. 183) sustenta que, por se tratar de norma processual, tem aplicação imediata, inclusive a fatos anteriores, em relação aos quais ainda não se instaurou o processo.

Como a representação trata-se de uma condição de procedibilidade, ou seja, uma condição para a instauração da ação penal, e como a divisão entre crimes que se processa mediante ação penal pública condicionada e incondicionada decorre de uma maior ou menor preocupação do legislador com os interesses da vítima, com a exposição de sua intimidade, e não como uma garantia ao acusado. A sua presença deve ser independente de quando o fato ocorreu.

Então, não teria cabimento verificar se a norma é mais benéfica ou mais prejudicial ao acusado, pois se trata de uma condição de procedibilidade que tem como único objetivo proteger a intimidade da vítima.

2.3 A regulação legal do crime de estupro face aos princípios constitucionais

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