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A tutela penal da liberdade sexual e as inovações da Lei 12.015

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VANESSA WILDNER MARTINS

A TUTELA PENAL DA LIBERDADE SEXUAL E AS INOVAÇÕES DA LEI 12.015

IJUÍ (RS) 2011

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VANESSA WILDNER MARTINS

A TUTELA PENAL DA LIBERDADE SEXUAL E AS INOVAÇÕES DA LEI 12.015

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUI – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DEJS – Departamento de Estudos Jurídicos e Sociais.

Orientador (a): MSc. Ester Eliana Hauser

Ijuí (RS) 2011

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Dedico este trabalho à minha mãe, pelo seu apoio, amor, carinho e educação a mim dedicados.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente à minha mãe, Carmem, que, ao me dar a vida, me deu a oportunidade de procurar ser, a cada dia, uma pessoa melhor. Que eu não a decepcione.

Ao Vinícius, sempre ao meu lado, me apoiando e me incentivando. Que eu possa contar sempre com sua companhia.

À minha orientadora, Ester, pela paciência e disponibilidade. Muito obrigada.

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“Qualquer povo defende sempre mais os costumes do que as leis”.

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa aborda a tutela penal da liberdade sexual, regulamentada no Título VI da parte especial do Código Penal, as principais inovações trazidas pela Lei 12.015/2009 e se essas inovações estão de acordo com os princípios constitucionais limitadores da intervenção punitiva estatal. Analisa a maneira como a matéria vem sendo tratada pelo legislador brasileiro desde o Código Penal do Império até a recente alteração introduzida pela Lei 12.015/2009, que alterou substancialmente o trato das questões relacionadas à violência sexual. Discute brevemente acerca da importância dos movimentos críticos na reforma da legislação penal brasileira no que tange aos delitos sexuais, uma vez que foram eles os responsáveis pelo reconhecimento dos direitos e garantias das mulheres. Aborda, mais especificamente, as figuras do estupro e do estupro de vulnerável, já que o primeiro fundiu dois tipos penais já existentes (atentado violento ao pudor e estupro) e o segundo foi introduzido pela reforma. Tece algumas considerações acerca da forma como a liberdade sexual se encontra atualmente protegida pelo Direito Penal brasileiro, bem como apresenta as grandes divergências doutrinárias que dela decorreram da reforma.

Palavras-Chave: Liberdade sexual. Inovações. Movimentos críticos. Delitos sexuais. Reforma.

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ABSTRACT

The present research work approaches the criminal custody of sexual liberty regulated on the Title VI of the Criminal Code special part, the main innovations brought by the law 12.015/2009 and if these innovations are in accordance with the constitutional principles limiting punitive state intervention. Analyzes how the matter is being treated by the Brazilian legislator since the Criminal Code of the empire until the recent amendment introduced by the law 12.015/2009 that substantially changed the treatment of issues related to sexual violence. Briefly discusses about the importance of critical movements of the Brazilian criminal law in relation to sexual offenses as those were responsible for the recognition of women’s rights and guarantees. Addresses more specifically, the figures of rape and the rape of vulnerable, since the first merged two existing criminal offenses (indecent assault and rape) and the second was introduced by the reform. Presents some considerations about how sexual liberty is now protected by the Brazilian Penal Law, as well as presents the major doctrinal disagreements it has brought the reform.

Keywords: Sexual liberty. Innovations. Critical Movements. Sexual Offenses. Reform.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...10

1 A PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA: EVOLUÇÃO LEGISLATIVA...13

1.1 Antecedentes históricos...13

1.2 A proteção aos costumes sexuais no Código Penal de 1940...16

1.3 As inovações introduzidas pela Lei 11.106/2005...20

1.4 Os movimentos críticos e as críticas femininas à legislação penal brasileira...22

2 A LEI 12.015/2009 E A TUTELA DA DIGNIDADE SEXUAL: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS FIGURAS DE ESTUPRO E DE ESTURPO DE VULNERÁVEL..28

2.1 A dignidade sexual como objeto de proteção penal e as inovações introduzidas pela Lei 12.015/2009...29

2.1.1O conceito de dignidade sexual...32

2.1.2 A nova classificação dos crimes contra a dignidade sexual...34

2.2. Os delitos de estupro e estupro de vulnerável...35

2.2.1 A nova redação do artigo 213 do Código Penal e a alteração no conceito de estupro...38

2.2.2 A nova figura do estupro de vulnerável...43

2.2.3 A ação penal...48

2.3 A regulação legal do crime de estupro face aos princípios constitucionais penais consagrados na Constituição Brasileira de 1988...52

CONCLUSÃO...57

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa pretende abordar a tutela penal da liberdade sexual, que está regulamentada no Título VI do Código Penal, agora denominado “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”. As inovações do referido Título foram trazidas pela Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009, com o objetivo de analisar e expor as principais inovações a respeito da tutela da liberdade sexual.

Além de uma análise a respeito de como essa questão vem sendo tratada pelo legislador ao longo do tempo, será dada ênfase às modificações relativas ao modo como a liberdade e a dignidade sexual passaram a ser tuteladas criminalmente. Sobre isto, merecem destaque os problemas decorrentes da violência sexual, especialmente aquela produzida no âmbito da família e contra crianças e adolescentes, além da problemática advinda de alterações de redação, revogação, inclusão e fusão de alguns tipos penais.

Inicialmente, analisar-se-á a maneira como a matéria vem sendo tratada pelo legislador brasileiro desde o Código Penal do Império até a recente alteração introduzida pela Lei 12.015/2009, que alterou substancialmente o trato das questões relacionadas à violência sexual, e se a legislação penal pretérita garantia proteção adequada e efetiva contra essa forma de violência.

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Ainda no primeiro capítulo serão analisados os movimentos críticos, tanto repressivistas quanto feministas, à legislação penal brasileira no que tange aos delitos sexuais e quais as razões que motivaram o legislador a promulgar a Lei 12.015/2009.

No segundo capítulo será estudado se essas inúmeras mudanças trazidas pela Lei 12.015/2009 geram os avanços promovidos pela crítica e corroborados pela doutrina e jurisprudência.

Serão abordadas, mais especificamente, as figuras do estupro e o estupro de vulnerável. Para isso, primeiramente, buscar-se-á conceituar o termo “dignidade sexual”, para que se possa compreender qual a pretensão do legislador ao intitular os delitos contra a liberdade sexual de “crimes contra a dignidade sexual”.

Os objetivos declarados pelo legislador como motivadores da reforma também serão analisados, para que se possa verificar se o produto da atividade legislativa, nos termos em que o texto foi aprovado, atendeu de maneira satisfatória à intenção do legislador.

Por fim, será analisado se as mudanças introduzidas pela Lei 12.015/2009 estão de acordo com o texto constitucional e, especialmente, aos princípios constitucionais penais limitadores da intervenção punitiva estatal.

Levando em consideração essas importantes questões, o presente trabalho tem como objetivo geral a exposição e análise da forma como a liberdade sexual se encontra atualmente protegida pelo Direito Penal brasileiro, bem como apresentar as grandes divergências doutrinárias que decorreram da reforma, para, desse modo, contribuir para a correta compreensão da nova moldagem legal conferida à proteção da liberdade e da dignidade sexual, das pessoas em geral.

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A pesquisa contempla, ainda, objetivos mais específicos, buscando, por meio da análise dos textos dos Códigos Penais anteriores à Lei 12.015/2009, avaliar como se desenvolveu a proteção à liberdade sexual na legislação brasileira. Busca verificar a forma como foram protegidos, historicamente, os direitos sexuais, ressaltando para o valor dado aos costumes sociais, bem como apresentar e classificar os movimentos críticos que, influenciaram as alterações na legislação penal. Visa a apresentar, de forma sucinta, as inovações trazidas pela Lei 12.015, estudar os principais tipos penais introduzidos a partir da reforma, especialmente a figura do estupro e do estupro de vulnerável, conceituar dignidade sexual, inclusive com base na Constituição Federal e. por fim, perceber se os princípios constitucionais estão adequados ao Código Penal, e, caso negativo, quais as consequências e alternativas.

Em relação à metodologia, quanto aos objetivos gerais, a pesquisa será do tipo exploratória. Utiliza no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os seguintes procedimentos: a) seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o pesquisador construa um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, responda o problema proposto, corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa; b) leitura e fichamento do material selecionado; c) reflexão crítica sobre o material selecionado; d) exposição dos resultados obtidos através de um texto escrito monográfico.

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1 A PROTEÇÃO À LIBERDADE SEXUAL NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA : EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

Atualmente, no Brasil, a tutela penal da liberdade sexual está regulamentada no Título VI do Código Penal, denominado “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual”, alterado pela Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009.

Em suma, no presente capítulo, será feita uma análise histórica da legislação brasileira, desde o Código Penal do Império até as recentes alterações introduzidas pela Lei 11.106 de 2005, dando atenção principal à mulher, centro de todas essas inovações, bem como à forma como os movimentos feministas e repressivistas influenciaram para a ocorrência de todas essas mudanças.

A partir dessa análise, buscar-se-á a compreensão da nova moldagem legal conferida à proteção da liberdade e da dignidade sexual, não somente da mulher, mas também do homem, das crianças e adolescentes.

1.1 Antecedentes históricos

Anteriormente à promulgação da Lei 12.015/2009, arguia-se que os tipos dispostos no Título VI da parte especial do Código Penal tutelavam primordialmente a moralidade pública, e não a liberdade de escolha sexual das vítimas ou sua dignidade.

Desde o Código Criminal do Império a dignidade sexual vinha sendo confundida com a honra, vez que era tratada ao lado de crimes como calúnia e

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injúria. A antiga denominação “costumes” referia-se aos hábitos, aos “bons costumes”, principalmente na seara sexual.

Durante um longo período no Brasil (de 1830 – Código Criminal do Império – até 2005, com a Lei 11.106), a mulher era tida na lei penal como objeto disponível para satisfazer os desejos do homem. Tanto é assim que o que se buscava não era a proteção da dignidade sexual e sim dos costumes. O que se procurava proteger era a honra e a virgindade da mulher.

Como exemplo dessa fase, tem-se, no Código Penal de 1980, que se a estuprada fosse prostituta ou “mulher pública”, a pena do autor poderia ser reduzida em até mais da metade do que se ele houvesse praticado o mesmo delito contra uma “mulher honesta”. Pode-se citar também, no mesmo Código Penal, que não teriam lugar as penas caso a vítima viesse a se casar com o autor do delito, e, da mesma forma, o marido que mantivesse conjunção carnal contra a vontade de sua esposa não era punido, uma vez que era dever matrimonial da mulher satisfazê-lo, ou seja, era o exercício regular de um direito.

No livro em que tece comentários sobre a Lei 12.015, Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 43), refere que “não se deve lastrear a dignidade sexual sob os critérios moralistas, conservadores ou religiosos. [...] dignidade sexual não tem qualquer relação com bons costumes sexuais.”

Em todos os códigos penais brasileiros a mulher sempre foi tida como intelectualmente inferior ao homem, até mesmo porque, conforme refere Maria Lúcia Karam (1995), o universo feminino ainda era focado somente no trabalho doméstico e na função reprodutora, existindo, assim, uma legislação penal baseada na hierarquia entre os sexos e na instituição do patriarcado. Não se levava em conta a liberdade da mulher, seja no âmbito de sua vida em sociedade, como em sua vida pessoal, aí compreendida a liberdade sexual.

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Cite-se, a título de exemplo da inferioridade feminina, o texto contido no artigo 278 do Código Penal de 1890, que diz: “Induzir mulheres, quer abusando de sua fraqueza ou miséria, quer constrangendo-as por intimidações ou ameaças [...]”

Conforme refere Vera Regina Pereira de Andrade (2005), em seu texto “A soberania patriarcal”, o que ocorria nos processos de “crimes contra os costumes” era uma inversão do ônus da prova, uma vez que a vítima, que procurava a justiça requerendo o julgamento de seu agressor, acabava por ela mesma ser “julgada” por sua vida pregressa, através da visão patriarcal da lei, sendo que somente veria o réu julgado culpado caso fosse considerada “mulher honesta”.

Demais disso, a vítima acabava por ter sua vida vasculhada em meio a inquéritos policiais e processos, a fim de que se soubesse sobre sua moralidade e sua resistência. A palavra da vítima não valia de nada se não fosse corroborada por outros meios de provas. (ANDRADE, 2005)

Ainda segundo Andrade (2005, p. 1),

as mulheres estereotipadas como desonestas do ponto de vista da moral sexual, inclusive as menores e, em especial as prostitutas, não apenas não são consideradas vítimas, mas podem ser convertidas, com o auxílio das teses vitimológicas mais conservadoras, de vítima em acusadas ou rés num nível crescente de argumentação que inclui ter ‘consentido’, ‘gostado’ ou ‘tido prazer’, ‘provocado’, forjado o estupro ou ‘estuprado’ o pretenso estuprador, especialmente se o autor não corresponder ao estereótipo de estuprador, pois, corresponde-lo, é condição fundamental para a condenação.

Apesar de hoje parecer incompreensível que a dignidade sexual fosse tratada pelo legislador dessa forma, é preciso levar em consideração que o contexto histórico em que foram editadas essas normas era outro. Tratava-se de

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uma sociedade patriarcal, na qual a mulher tinha um papel subalterno, de submissão.

1.2 A proteção aos costumes sexuais no Código Penal de 1940

No Código Penal de 1940, entendia-se que, na ocorrência de delito sexual, havia, além do dano à pessoa, também dano à sociedade e, consequentemente, à moral sexual dominante à época, razão pela qual foi dado ao Título VI a denominação de “Crimes Contra os Costumes”, destinado a proteger a honra, a moralidade e as ofensas públicas ao pudor.

Porém, entende Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 3) que o Título “Dos Crimes contra os Costumes” já não era bem aceito nos anos 1940, uma vez que “não correspondia aos bens jurídicos que pretendia tutelar, violando o princípio de que as rubricas devem expressar e identificar os bens jurídicos protegidos em seus diferentes preceitos.”

O legislador preocupou-se em proteger o que se considerava como moralmente apropriado, porém, com o passar dos anos e a evolução do pensamento e hábitos, os dispositivos normativos se apresentavam marcados de uma concepção moral ultrapassada, de forma que, cada vez mais, passou-se a entender que a pessoa adulta e capaz tem o direito de fazer o que bem entender de sua vida privada e sexual, desde que não se viole o interesse alheio tutelado.

Nesse sentido, refere André Estefam (2009, p. 16):

Em sua redação original, o Título VI intitulava-se ‘Dos Crimes contra os Costumes’. Com essa rubrica, o legislador, propunha-se à tutela do comportamento médio da sociedade, no que dizia respeito à ética sexual (segundo a moral média dos homens).

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Cuidava-se de noção impregnada de moralismos [...] transmitia a impressão de que se procurava impor às pessoas um padrão mediano no que concerne a sua atividade sexual.

Além de proteger a honra e os costumes, a legislação penal de 1940 descrevia, na maioria de seus artigos, apenas a mulher como vítima dos crimes sexuais, sendo que, grande parte das vezes, exigia-se que esta fosse “mulher honesta”, ou seja, limitava a amplitude de alguns delitos à proteção de um grupo determinado de mulheres, deixando as demais às margens do Direito Penal. Demais disso, se fazia presente a superestimação da virgindade, como é o caso do revogado artigo 217 (sedução).

Analisando-se os tipos penais constantes no Título “Dos Crimes contra os Costumes”, do Código de 1940, percebe-se que, por trás de uma aparente proteção à mulher, a legislação reforçava uma moral sexual baseada no aprisionamento da sexualidade feminina. Os antigos delitos de posse sexual mediante fraude1, atentado ao pudor mediante fraude2, sedução3, rapto violento ou mediante fraude4 e rapto consensual5, situavam a mulher em um patamar inferior ao do homem, subestimando sua inteligência e reproduzindo a ideia de que as mulheres eram facilmente enganadas pelo ardil masculino.

Os crimes de estupro e atentado violento ao pudor não eram unificados, o que só veio a acontecer com a Lei 12.015/2009. Além disso, possuíam penas distintas, sendo que o delito de estupro tinha a mulher como vítima exclusiva.

Segundo Nucci (2010, p. 48-49), o fato de somente a mulher estar entre as vítimas do delito de estupro se explicava, na época, pelo fato de ser mais grave a

1 Artigo 215. Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude.

2 Artigo 216. Induzir mulher honesta, mediante fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato

libidinoso diverso da conjunção carnal.

3 Artigo 217. Seduzir mulher virgem, menor de dezoito anos e maior de quatorze, e ter com ela conjunção

carnal aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança.

4 Artigo 219. Raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso. 5 Se a raptada é maior de quatorze e menor de vinte e um, e o rapto se dá com seu consentimento.

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conjunção carnal com ela, uma vez que poderia engravidar, o que acarretaria em direito ao aborto, dentre outras sérias consequências.

Ocorre que, por ocasião da lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990), as penas de ambos os crimes foram equiparadas, inclusive levando os delitos de estupro e atentado violento ao pudor à condição de crimes hediondos.

Saliente-se, ainda, que no anterior artigo 224, existia a presunção de violência em face dos menores de 14 anos, dos alienados ou débeis mentais e daqueles que, por qualquer outra causa, não pudessem oferecer resistência. Esta presunção foi criada porque, ainda que pessoas incapazes possam ter relações sexuais sem qualquer coação física, em razão de sua condição, haveria a coação psicológica. Diante desse fato, iniciou a discussão de ser essa presunção absoluta, na qual não comportaria prova em contrário, ou relativa, admitindo prova em contrário. Para colocar fim à polêmica, a Lei 12.015 trouxe o estupro de vulnerável (artigo 217-A), suprimindo a expressão “violência presumida”, e incluindo no corpo de seu texto o antigo artigo 224. Assim, passa a não ter mais relevância alguma o eventual consentimento da pessoa tida como vulnerável, tutelando-se, conforme referem Renato Marcão e Plínio Gentil (2011, p.187), sua dignidade sexual e não mais sua liberdade sexual, uma vez que, estando nessa condição, a vítima é considerada incapaz de consentir validamente com o ato de caráter sexual.

Conforme refere Nucci (2010, p. 55)

Foi-se o tempo em que a proteção penal destinava-se somente à mulher honesta. Não mais é época para imiscuir os costumes sexuais (os tais bons costumes) no contexto das violações sexuais violentas. Qualquer estupro é atentatório à dignidade humana e, como tal, precisa ser punido.

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O legislador não pode infligir critérios morais de comportamento, uma vez que não se pode confundir Direito com Moral. A pessoa humana deve ser livre para seguir o que julgar conveniente para sua vida. Conforme regula a Constituição Federal, todos têm o direito de pensar e agir de modo diverso. A imposição de comportamentos sociais acaba por cominar em uma concepção social dominante sobre a sexualidade, podendo não ser aceito por alguns, embora compartilhada pela maioria, e que, desde que não atinjam os direitos alheios, o direito à diferença deve ser garantido. (KARAM, 1995)

A norma penal não deve levar em conta somente a concepção moral dominante ou a ânsia de punições exemplares, mas deve estar ligada à proteção dos valores que são realmente importantes. O Direito Penal dever ser a ultima ratio, de forma que deve ser utilizado para punir os delitos que violem os valores mais relevantes e merecedores da proteção estatal, ou seja, não pode se preocupar com lesões insignificantes, de pequena monta.

Bem argumenta Nucci (2010, p. 24-25)

Doutrinariamente, o princípio da intervenção mínima é incentivado e enaltecido, como elemento propulsor das reformas legislativas no campo criminal, porém ainda está distante de ser efetivamente acolhido pelo Poder Legislativo no Brasil. Alguns passos têm sido dados na posição correta. Outros ainda estão por vir. É preciso evoluir e abandonar o foco paternalista do Direito penal, buscando tipificar qualquer conduta lesiva a direito de outrem; não é meta da lei punir banalidades ou infrações menores, que outros ramos do direito podem cuidar e tutelar.

O princípio da intervenção mínima (da subsidiariedade ou fragmentariedade) significa a exigência de constituir o direito penal como ultima ratio, vale dizer, a última opção legislativa para regrar e compor conflitos aplicando sanções.

Hoje, o que se busca punir é o não consentimento para o ato sexual e a proteção à liberdade sexual, quanto à escolha e opção de se relacionar, vetando-se qualquer forma de exploração. Portanto, apenas por isso já vetando-se justificaria a

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necessidade de reforma da legislação, que veio a ser operada inicialmente pela Lei 11.106/2005, e culminou com a edição da Lei 12.015/2009.

1.3 As inovações introduzidas pela Lei 11.106/2005

A Lei 11.106 de 2005 trouxe mudanças importantes no trato das questões relacionadas aos crimes sexuais. Começou-se a compreender que a legislação deveria acompanhar a evolução da sociedade, dos costumes atuais.

Nesse sentido Rogério Greco (2011, p. 450) diz

As modificações ocorridas na sociedade trouxeram novas e graves preocupações. Em vez de procurar proteger a virgindade das mulheres, como acontecia com o revogado crime de sedução, agora, o Estado estava diante de outros desafios, a exemplo da exploração sexual de crianças.

Dessa forma, a mulher passa de subordinada ao homem para uma posição de igualdade, com o intuito de diminuir o preconceito através de expressões impróprias (“mulher honesta”) e as características de uma sociedade patriarcal até então presentes na norma penal.

Porém, essa reforma, apesar de substancial, ainda foi um pouco tímida e não abrangeu pontos importantes que poderiam ser tratados. Além disso, o legislador perdeu uma grande oportunidade para melhor esclarecer algumas questões que sempre causaram divergência na doutrina e na jurisprudência, como adiante se verá.

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Estefam (2009, p. 17) destaca que “Muitos problemas, porém, persistiam, dentre os quais se destaca a denominação do Título e, via de conseqüência, a compreensão do valor constitucional nele protegido.”

Em relação à liberdade sexual, Bitencourt (2010, p. 5-6) refere

[...] a liberdade sexual, entendida como a faculdade individual de escolher livremente, não apenas o parceiro ou parceira sexual, como também, quando, onde e como exercita-la, constitui um bem jurídico autônomo, distinto da liberdade genética, com dignidade para receber, autonomamente, a proteção penal. Reconhecemos a importância de existir um contexto valorativo de regras que discipline o comportamento sexual nas relações interpessoais, pois estabelecerá os parâmetros de postura, de liberdade de hábitos, como uma espécie de cultura comportamental, que reconhece a autonomia da vontade para deliberar sobre o exercício da liberdade sexual de cada um e de todos livremente. [...] Contudo, impõe-se que se destaque que não é essa dita ‘moral sexual’ o bem jurídico tutelado pela norma penal, mas, sim, os específicos bens jurídicos identificados em cada tipo penal, sob pena de converter-se o Direito Penal em instrumento ideológico próprio da Inquisição. [...] Na verdade, esses conceitos prévios dominantes em determinado contexto social são considerados pelo legislador no momento legislativo, como também pelo próprio julgador, no momento de concretizar seus preceitos na hora de decidir.

Dentre as mudanças introduzidas pela Lei 11.106, pode-se citar: a descriminalização da sedução (art. 217), que há muito vinha sendo reivindicada pela doutrina e jurisprudência; a supressão integral do Capítulo III, que tratava dos crimes de rapto (arts. 219 a 222); a supressão da extinção da punibilidade em caso de casamento entre a vítima e o autor do estupro; exclusão do termo “honesta” (delito de posse sexual mediante fraude), que incluiu o homem como vítima e descriminalizou o adultério; e, por fim, alterou o Capítulo V, antes denominado “Do lenocínio e do tráfico de mulheres”, para “Do lenocínio e tráfico de pessoas”, o que ampliou sua abrangência. (BRASIL, Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005)

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Como se viu, somente com o advento da Lei 11.106, em 2005, houve o abandono da expressão “mulher honesta”, bem como da superestimação da virgindade, que acabavam por estigmatizar as mulheres. Já com o advento da Lei 12.015, que introduziu uma alteração mais profunda, o legislador passou a adequar da denominação desse tipo de delito em consonância com o que já pregava a doutrina, esclarecendo que se tratam de crimes que ofendem a dignidade humana, e não apenas os costumes ou a moral, e também incluindo como vítima, por não poder haver distinção, o homem. (BRASIL, Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005)

Porém, de acordo com Nucci (2010, p. 26)

No campo dos crimes contra a dignidade sexual, muito há por fazer, uma vez que aos poucos o preconceito e o machismo vêm desaparecendo dos tipos penais, como se pode constatar pela unificação dos delitos de estupro e atentado violento ao pudor sob uma única figura: estupro. Entretanto, permanece o legislador temeroso de avançar e retirar do âmbito penal outros delitos tolos em face da ultima ratio, passíveis de solução pelas normas administrativas (tal como a lei de proibição ao fumo), a saber, o crime de casa de prostituição (hoje, estabelecimento em que ocorra exploração sexual) ou, ainda, o delito de ato obsceno.

De qualquer maneira, mais uma vez percebe-se que o legislador está sempre a um passo atrás do que já está assentado na sociedade e que, muitas vezes, se tem até por cotidiano na vida das pessoas.

1.4 Os movimentos críticos e as críticas feministas à legislação penal brasileira

A Lei 12.015 foi fruto de antigas reivindicações tanto pelos movimentos feministas quanto pelos movimentos repressivistas, e, também em razão delas,

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trouxe novidades importantes no tratamento da violência sexual, especialmente por alterar o objeto jurídico de proteção, antes definido como os costumes e agora como a dignidade sexual.

De acordo com Greco (2011, p. 449)

A expressão crime contra os costumes já não traduzia a realidade dos bens juridicamente protegidos pelos tipos penais que se encontravam no Título VI do Código Penal. O foco da proteção já não era mais a forma como as pessoas deveriam se comportar sexualmente perante a sociedade do século XXI, mas, sim, a tutela da sua dignidade sexual.

Durante muitos anos a mudança de “crime contra os costumes” para “crimes contra a dignidade sexual” foi reivindicada, sob os argumentos de que os delitos sexuais atentam contra a liberdade sexual e contra a dignidade da pessoa humana, e não contra os “bons costumes” ou contra a honra.

Ainda segundo Greco (2011, p. 449)

O nome dado a um título ou mesmo a um capítulo do Código Penal tem o condão de influenciar na análise de cada figura típica nele contida, pois, mediante uma interpretação sistêmica ou mesmo de uma interpretação teleológica, em que se busca a finalidade da proteção legal, pode-se concluir a respeito do bem que se quer proteger, conduzindo, assim, o intérprete, que não poderá fugir às orientações nele contidas.

Os movimentos críticos, durante muito tempo, buscaram a reforma da norma penal em relação à sexualidade. Principalmente os movimentos feministas, que procuraram ajustar os anseios das mulheres à lógica do sistema penal. A mulher sempre foi vista como vítima, jamais como criminosa. (ANDRADE, 2005)

Os movimentos feministas buscavam, além de tentar reprimir o foco patriarcal da norma penal, acabar com condutas até então tipificadas como crime,

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porém incapazes de causar dano à intimidade da pessoa ou a constranger a sociedade, como, por exemplo, um beijo ou um carinho.

Foi a mulher, representada pelo movimento feminista, o centro das transformações nos momentos de transição, desde o Código Penal de 1940. Através da modificação de sua posição perante a sociedade, os movimentos feministas agiram para questionar as relações de dominação fixadas pelo patriarcado, compelindo o reconhecimento de seus direitos e garantias, deixando de lado rótulos e preconceitos, culminando na superação da desigualdade entre os sexos e demonstrando importância e respeito merecidos.

Quanto ao tema, Nucci aponta que (2010, p.23-24)

Há muito vínhamos sustentando a inadequação da anterior nomenclatura do Título VI da Parte Especial do Código Penal (“dos crimes contra os costumes”), lastreada em antiquados modelos de observação comportamental da sexualidade na sociedade em geral. Afinal, os costumes representavam a visão vetusta dos hábitos medianos e até puritanos da moral vigente, sob o ângulo da generalidade das pessoas. Inexistia qualquer critério para o estabelecimento de parâmetros comuns e denominadores abrangentes para nortear o foco dos costumes na sociedade brasileira.

Aliás, em pior situação se encontrava o travamento da questão sob o enfoque evolutivo, pois os tais costumes não apresentavam mecanismos propícios para acompanhar o desenvolvimento dos padrões comportamentais da juventude e nem mesmo para encontrar apoio e harmonia no também evoluído conceito, em matéria sexual, dos adultos da atualidade.

A disciplina sexual e o mínimo ético exigido por muitos à época de edição do Código Penal, nos idos de 1940, não mais compatibilizam com a liberdade de ser, agir e pensar, garantida pela Constituição Federal de 1988. O legislador brasileiro deve preocupar-se (e ocupar-se) com as condutas efetivamente graves, que possam acarretar resultados igualmente desastrosos para a sociedade, no campo da liberdade sexual, deixando de lado as filigranas penais, obviamente inócuas, ligadas a tempos pretéritos esquecidos.

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Os movimentos de mulheres há muito pleiteavam as alterações propostas (especialmente no que tange ao objeto jurídico de proteção) e certamente influenciaram as mudanças do CP.

No entanto, as mudanças também foram inspiradas em movimentos repressivistas e punitivistas, que propugnavam pelo recrudescimento punitivo como forma de enfrentar os problemas sociais.

Os movimentos críticos trouxeram à tona a desigualdade para com as mulheres no trato das questões relativas à violência sexual. Dessa forma, os movimentos feministas procuraram impor seus valores utilizando-se do Direito Penal como instrumento para que isso acontecesse e, também, para chamar a atenção da sociedade, visando mudar a concepção a respeito dos valores sexuais ora vigentes.

Como visto, anteriormente à reforma trazida pela Lei 12.015 de 2009 havia profundas críticas teóricas em torno da forma pela qual era protegida a liberdade sexual estabelecida pelo Código Penal, principalmente em relação ao antigo título (“Dos Crimes Contra os Costumes”), mas também no que se refere às expressões utilizadas, desde o Código Criminal do Império até a Lei 11.106 de 2005, nitidamente amparadas em uma sociedade machista.

Tais críticas, tanto dos movimentos feministas quanto dos movimentos repressivistas, acabaram por impulsionar as mudanças legais, uma vez que os julgamentos modernos já não comportavam mais os termos utilizados pelo antigo Código Penal se comparado aos avanços da própria sociedade, tornando-se um retrocesso.

Diante disso, torna-se importante analisar se essas inúmeras mudanças trazidas pela Lei 12.015 geraram de fato os avanços promovidos pela crítica e

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corroborados pela doutrina e jurisprudência, bem como se as alterações estão ou não adequadas aos princípios que deveriam orientar o direito penal pátrio.

Dentre essas mudanças, pode-se destacar, em especial, a nova redação dada ao artigo 213 do Código Penal, ou seja, a forma como agora passou a ser previsto o delito de estupro merece especial atenção, tanto por ter sido aglutinado em um único tipo condutas que antes encontravam capitulação em dispositivos diversos, como pelo fato de haver controvérsia a respeito da possibilidade, antes e depois da reforma, de se reconhecer o concurso material ou a continuidade delitiva entre essas condutas.

As conseqüências de uma ou de outra interpretação são extremamente significativas, podendo importar até mesmo na aplicação de uma pena duas vezes maior. As penas agora previstas para o mais grave dos delitos sexuais, que é o estupro com resultado morte, comparada a outras espécies de delitos, também serão objeto de análise.

Destaca-se, ainda, a revogação do artigo 214; a introdução do artigo 217-A, com a revogação do dispositivo que estabelecia as causas de presunção de violência para fins de configuração do estupro e atentado violento ao pudor, e a previsão dessas hipóteses como elementares do tipo também merecerá análise destacada.

Não há dúvida que a Lei 12.015, especialmente na parte em que trata do estupro de vulnerável (artigo 217-A), ampliou o rigor repressivo e reproduziu uma concepção moral de “refreamento” da afetividade/sexualidade, especialmente em relação às pessoas menores de 14 anos.

É evidente que uma das preocupações do legislador foi responder com maior rigor punitivo às situações de violência sexual contra crianças e

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adolescentes, e isso parece bastante legítimo. Porém, isso também reforçou a ideia de que adolescentes de até 14 anos ou pessoas incapazes (os chamados “vulneráveis”) não podem ou não devem praticar atos que tenham natureza afetiva/sexual, como namorar, por exemplo, uma vez que isso pode implicar em “crime grave”.

Os objetivos declarados pelo legislador como motivadores da reforma também serão analisados, a fim de que se possa verificar se o produto da atividade legislativa, nos temos em que o texto foi aprovado, atendeu de maneira satisfatória à intenção do legislador.

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2 A LEI 12.015/09 E A TUTELA DA DIGNIDADE SEXUAL: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DAS FIGURAS DE ESTUPRO E DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL

O Código Penal Brasileiro trazia, desde a sua edição, a previsão dos delitos de natureza sexual sob a denominação de “Crimes contra os Costumes”. Com o passar do tempo e com a transformação do pensamento e, consequentemente, dos hábitos das pessoas, o Título VI sofreu inúmeras alterações. Em 2005, a Lei 11.106 foi responsável por iniciar profundas mudanças no que diz respeito aos delitos sexuais.

Mais recentemente, em 2009, com a Lei 12.015, a antiga denominação "crimes contra os costumes" foi alterada, bem como modificou substancialmente o trato com os crimes de natureza sexual, principalmente pela forma como passaram a ser abordados os delitos, evidenciando que o bem jurídico objeto da tutela penal deixou de ser voltado somente ao pudor público, à moralidade sexual, para concentrar-se na tutela da integridade física e psíquica das pessoas vítimas da violência sexual e focando na dignidade da pessoa humana e na liberdade sexual.

Destaca Estefam (2009, p. 16-17) que

De tempos pra cá, já se notava a necessidade de reformar o Título VI do Código Penal. A bem da verdade, desde a promulgação da atual Constituição Federal, que erigiu a dignidade da pessoa humana a fundamento da República Federativa do Brasil, já se fazia mister (no mínimo) uma releitura de suas disposições.

A justificativa do projeto da Lei 12.015 refere que a lei brasileira não se dispunha “a proteger a liberdade ou dignidade sexual, tampouco o desenvolvimento benfazejo da sexualidade, mas hábitos, moralismos e eventuais avaliações da sociedade sobre estes”, de forma que a reforma buscou atualizar a

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legislação penal e ressaltar a importância da nomenclatura que apresenta os bens jurídicos a serem tutelados. (BRASIL, Lei 12.015 de 07 de agosto de 2009)

2.1 A dignidade sexual como objeto de proteção penal e as inovações introduzidas pela Lei 12.015/2009.

A Lei 12.015/2009 não se limitou a alterar dispositivos pré-existentes no Código Penal, mas incorporou, também, novos tipos e revogou alguns outros, o que refletiu na legislação extravagante.

Embora as alterações não tenham sido muitas, não deixam de ser objetos de discussões tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Argumenta-se, por exemplo, que a nova lei deixou as penas dos crimes contra a liberdade sexual mais rígidas, mas, por outro lado, deixou de retirar do ordenamento jurídico os dispositivos que há muito já não são utilizados na prática, que não diziam mais respeito à proteção dos “costumes”, mas sim da dignidade sexual das pessoas, e que já vinham tendo sua aplicabilidade questionada em decorrência do princípio da adequação social. Exemplo disso é o crime de manutenção de casa de prostituição (artigo 229, do CP).

Atualmente, o Título VI do Código Penal, é composto por sete capítulos. Além do Título, foram modificadas as denominações dos Capítulos II e V.

O bem jurídico que inspirou a mudança de denominação do Título VI foi a liberdade, que, além de ser um dos bens jurídicos mais importantes da coletividade social (ao lado do direito à vida e do direito à saúde), é um dos mais desrespeitados, bem como freqüentemente utilizado como forma de atentar contra

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outros bens jurídicos como, por exemplo, contra a dignidade sexual. (BITENCOURT, 2010, p. 4)

Refere Nucci (2010, p.49) que

[...] em matéria de dignidade sexual, embora exista o fator honra em jogo, não pode ser considerado o primeiro elemento ou bem jurídico mais importante. A coerção sexual violenta fere a dignidade sexual, em especial a liberdade do indivíduo de se manter incólume, segundo sua vontade, a qualquer ato libidinoso.

A mudança do Título VI do Código Penal foi uma resposta às inúmeras reivindicações dos doutrinadores, que sustentavam que os crimes previstos nesse Título não atentavam contra a moralidade pública, mas sim contra a dignidade e a liberdade sexual das vítimas. De qualquer forma, como toda e qualquer mudança, algumas polêmicas continuam e outras surgem com o novo texto.

De fato, o legislador agiu de forma acertada ao deixar de lado a denominação “costumes” para intitular os crimes sexuais, uma vez que não é a “moral sexual”, entendida como aquela que deve ficar dentro de determinados limites da ordem moral social, o bem jurídico tutelado pela norma penal, mas sim os bens jurídicos que são identificados em cada delito.

Nucci (2010, p. 26-27) aponta que

Dignidade fornece a noção de decência, compostura, respeitabilidade, enfim, algo vinculado à honra. A sua associação ao termo sexual insere-a no contexto dos atos tendentes à satisfação da sensualidade ou da volúpia.

Não havia qualquer critério para nortear a “moral sexual” dentro da sociedade. A ética sexual deveria ser seguida segundo a moral média dos homens, o que transmitia a ideia de que se procurava impor às pessoas um padrão mediano em relação às suas atividades sexuais. Os “costumes” não

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acompanhavam o desenvolvimento dos padrões comportamentais, de forma que a sociedade e a concepção das pessoas face às relações amorosas iam se adequando e evoluindo ao passar dos anos, mas, a norma penal continuava estagnada no tempo, ou seja, havia uma grande distância entre a realidade cotidiana e as disposições legais.

Gentil e Marcão (2011, p. 35), entendem de forma diversa, afirmando que

Não parece o melhor entendimento aquele que atribui a mudança a uma espécie de modernização: o termo costumes diria respeito aos hábitos correntes de uma sociedade; dignidade sexual expressaria mais adequadamente a objetividade jurídica dos bens tutelados, num tempo em que há uma reconhecida liberalização dos costumes. Não é isso. Por mais que tenha havido uma flexibilização dos costumes, que não necessariamente significa liberalização [...] aquelas condutas listadas como crimes contra a dignidade sexual inequivocamente configuram agressão aos costumes socialmente vigentes, tanto antes como agora. Uma violação sexual mediante fraude, um ato libidinoso praticado contra alienado mental incapaz de consentir, ou um estupro não são hábitos socialmente aceitos, representando, portanto, afronta aos costumes.

Referem, ainda, que não há como adjetivar a dignidade, adotar uma determinada dignidade, de forma que se pode suspeitar de uma vontade legislativa de apenas inovar, sem modificar coisa alguma de sua natureza.

Nesse mesmo sentido, autores como Silva Franco e Tadeu Silva, citados por Estefam (2009, p. 19), dizem que a atual redação do Título VI ainda é impregnada de moralismo, uma vez que não se pode distinguir atos sexuais dignos e indignos.

Dessa forma, apesar de muitas reformas importantes terem sido feitas com o advento da Lei 12.015, permanecem divergências sobre determinados pontos, como, por exemplo, a posição topológica dos crimes contra a dignidade sexual. Dix Silva (2006), citado por Gentil e Marcão (2011, p. 38), diz que o legislador não

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deveria ter apenas modificado o Título VI, mas, também, modificado a localização dos crimes contra a liberdade sexual, que deveriam estar inseridos nos crimes contra a liberdade individual.

Assim, o legislador teria agido com mais acerto se optasse por desvincular a proteção da dignidade sexual de qualquer aspecto moral, alterando inclusive a localização topológica desses crimes no Código Penal, para passar a incluí-los entre os delitos contra a pessoa, já que, como se viu, os delitos contra a liberdade sexual não possuem relações com a moral ou com os valores, mas sim com a liberdade pessoal de cada indivíduo.

2.1.1 O conceito de dignidade sexual

A dignidade, nos dias atuais, é tida antes como um valor do que como um princípio, além de ser característica inerente do ser humano.

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, citado por Grecco (2011, p. 46), dignidade é

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Conforme refere Roberto Wagner Lima Nogueira, em seu texto “Notas para um ensaio sobre a dignidade da pessoa humana: conceito fundamental da Ciência Jurídica” (2006), desde os tempos do Iluminismo e das vertentes racionalistas, representadas por Tomás de Aquino, Karl Marx, Friedrich Engels, Immanuel Kant

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e tantos outros, busca-se um conceito para dignidade. Além disso, é destacada em inúmeros documentos de direito internacional, como na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal de Direitos do Homem e no Pacto de São José da Costa Rica.

Na nossa Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana adquire papel relevante, já que está elencada como um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, inciso III).

De acordo com Marcão e Gentil (2011, p. 34) o sentido que hoje se dá à palavra dignidade é

um sentido de conformidade entre duas grandezas próprias das relações sociais, que bem podem ser a pessoa humana, de um lado, e o respeito que lhe devem as demais, de outro. Daí ter-se como inadmissível a dúvida acerca de poder o profissional do sexo ser vítima dos crimes contra a dignidade sexual, por ter acaso perdido a dignidade; cuidando-se de atributo absoluto, que decorre da simples existência humana, essa qualidade acompanha necessariamente o sujeito, ainda que ele mantenha uma vida reprovável; por idêntica razão, o criminoso, por mais desfigurado socialmente que possa ser, mantém pelo menos esse mínimo de dignidade, que o faz merecedor de reconhecimento pelos demais; em situação diversa, mas igualmente digno, é o alienado mental, incapaz de raciocinar e avaliar uma ofensa, mas também merecedor de respeito alheio.

Destaca-se, para o presente objetivo, dentre os tantos tipos de dignidade, a dignidade sexual, ligada à vida sexual das pessoas.

Como bem salienta Nucci (2010, p. 41-42), a dignidade representa o sentimento de respeitabilidade e autoestima do ser humano, bem como constitui elemento fundamental à sua formação pessoal. Diante disso, o ser humano pode realizar-se sexualmente como bem entender, sem que haja qualquer interferência, seja estatal ou da sociedade. A atividade sexual, parcela integrante da intimidade e da vida privada, merece respeito e liberdade.

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Não se quer dizer com isso que a pessoa possa, com sua atividade sexual, invadir a privacidade alheia. Pelo contrário. Essa invasão apenas é permitida com o consentimento, sem emprego de violência (não consentida) ou de grave ameaça, ou seja, distante de qualquer constrangimento ilegal.

2.1.2 A nova classificação dos crimes contra a dignidade sexual

A Lei 12.015/2009 deu nova capitulação ao Título VI do Código Penal. O antes denominado “Dos Crimes contra os Costumes” atualmente é denominado “Dos Crimes contra a Dignidade Sexual.”

O Capítulo I cuida dos delitos contra a liberdade sexual (“Dos Crimes contra a Liberdade Sexual”). Sua base de proteção é a autodeterminação sexual das pessoas, de forma que se incrimina o ato sexual realizado sem o consentimento do outro, concretizado mediante violência, grave ameaça ou fraude (ESTEFAM, p.21). Compreende o estupro (artigo 213), a violação sexual mediante fraude (artigo 215) e o assédio sexual (artigo 216-A).

O Capítulo II, antes denominado “Da Sedução e da Corrupção de Menores”, agora intitulado “Dos Crimes Sexuais contra Vulnerável”, refere-se às infrações cometidas contra os vulneráveis, não importando o consentimento. Compreende o estupro de vulnerável (artigo 217-A), a corrupção de menores – mediação de menor vulnerável para satisfazer a lascívia de outrem (artigo 218), a satisfação da lascívia mediante a presença de criança ou adolescente (artigo 218-A), o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (artigo 218-B).

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O Capítulo III, que tratava do rapto, foi revogado integralmente pela Lei 11.106 de 28 de março de 2005.

O Capítulo IV continua a conter as regras gerais e se compõe da ação penal (artigo 225) e do aumento de pena (artigo 226), adicionando-se o Capítulo VII que também contém disposições gerais e compreende o aumento de pena (artigo 234-A) e o segredo de justiça (artigo 234-B).

O Capítulo V abrange o lenocínio e o tráfico de pessoas para fins de prostituição ou outra forma de exploração sexual, anteriormente somente denominado “Do Lenocínio e do Tráfico de Pessoas.” Compreende a mediação para servir à lascívia de outrem (artigo 227), o favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual (artigo 228), casa de prostituição (artigo 229), rufianismo (artigo 230), tráfico internacional de pessoa para fim de exploração sexual (artigo 231) e tráfico interno de pessoa para fim de exploração sexual (artigo 231-A).

O Capítulo VI continua a tratar do pudor público. Envolve o ato obsceno (artigo 233) e escrito ou objeto obsceno (artigo 234). Neste capítulo, continua a forte conotação moralista, razão pela qual há severa crítica doutrinária, principalmente em relação ao artigo 234.

2.2 Os delitos de estupro e estupro de vulnerável

Dentre as inovações trazidas pela lei a que mais chamou atenção e suscita discussões refere-se às figuras do estupro e do estupro de vulnerável. Neste campo as alterações foram significativas, vez que o legislador fundiu as figuras típicas de atentado violento ao pudor e estupro, agora unificadas em apenas um

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crime, denominado simplesmente estupro. Por outro lado, foi criada uma nova modalidade de crime, denominada estupro de vulnerável, que tem como sujeitos passivos, exclusivamente, pessoas com menos de 14 (quatorze) anos e aquelas que, por alguma condição especifica, não possam oferecer resistência.

Durante muito tempo o legislador manteve o crime de estupro na condição de crime contra os costumes, negando ser ele um delito contra a pessoa. Antes do advento da Lei 12.015/2009, os delitos de estupro e de atentado violento ao pudor estavam disciplinados em dois artigos distintos do Código Penal, a saber, artigos 213 e 214, respectivamente.

Para a concepção anterior, consistia o estupro em obrigar a mulher a praticar conjunção carnal, mediante emprego de violência ou grave ameaça. Já o atentado violento ao pudor importava em constranger alguém a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.

Como se pode ver, a diferença entre um crime e outro era, basicamente, a condição do sujeito passivo (para o estupro, apenas a mulher poderia ser vítima e para o atentado violento ao pudor, qualquer pessoa, fosse homem ou mulher) e na natureza do ato sexual praticado pelo sujeito ativo (no estupro, conjunção carnal, e no atentado violento ao pudor, ato libidinoso diverso da conjunção carnal). Além disso, a violência, ainda que presumida, era requisito para que o agente fosse responsabilizado, em ambos os delitos. Esse requisito (violência física ou moral) continua a ser da essência do delito de estupro.

Em relação ao crime de estupro de vulnerável, o legislador criou um tipo penal novo (artigo 217-A). Anteriormente, as pessoas que hoje são consideradas para efeitos penais como vulneráveis encontravam proteção através do que se denominava “presunção de violência” (artigo 224). Então, quem praticasse conjunção carnal ou outro ato libidinoso diverso contra uma pessoa que se

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enquadrava nas hipóteses do artigo 224 era punido como incurso nas sanções do artigo 213 ou 214 do Código Penal, em suas antigas redações. O que se tinha é que em relação a essas pessoas presumia-se a utilização de violência em função da impossibilidade ou diminuição da capacidade de consentir com o ato.

No que tange a essa presunção de violência, muito se discutia na doutrina e jurisprudência sobre a violência real. Caso a violência real não fosse empregada, ela seria presumida, por força do artigo 224. Discutia-se, também, se essa presunção seria absoluta ou relativa.

Destaque-se que essas hipóteses de presunção de violência antes previstas no então vigente artigo 224 continuam a ser estampadas em outros dispositivos, porém, atualmente, com a criação do artigo 217-A, a questão foi encerrada, vez que não importa mais se há violência ou não, de forma que também não importa se essa violência é absoluta ou relativa. Basta que o sujeito ativo mantenha conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso com a vítima vulnerável.

A crítica atual (que será melhor analisada no ponto 2.2.3) é que, ainda que o vulnerável consinta com a prática sexual, o agente será punido, vez que o legislador presumiu, de modo absoluto que a vítima não possui discernimento necessário para assentir com o ato. Assim, o legislador, ao invés de aproveitar essa transformação social e adequá-la à lei, preferiu não fazê-lo, trazendo mais uma problemática.

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2.2.1 A nova redação do artigo 213 do Código Penal e a alteração no conceito de estupro

Com o advento da Lei 12.015, o crime de estupro passou a ser definido nos seguintes termos

Art. 213 Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Após a alteração do artigo 213, a conduta do agente não se restringe mais à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Além disso, abrange, também, a conduta antes prevista no artigo 214, qual seja, a prática de ato libidinoso, diverso da conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.

Uma das alterações mais importantes vindas com a nova redação dada pela Lei 12.015/2009 é a união entre esses dois tipos penais que já existiam (o estupro e o atentado violento ao pudor), agora fundidos em um único artigo (213), sob a rubrica de “estupro.”

Hoje, o novo artigo 213 não mais distingue vítimas do sexo masculino e feminino, ou seja, o estupro passa a ser um crime comum, em que tanto homens quanto mulheres podem ser vítimas.

A maior controvérsia e a que gera as maiores consequências da reforma é a que diz respeito à pena do sujeito, uma vez que continua não sendo pacífico se ele responderá por um só crime. Aliás, a possibilidade de reconhecimento de

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concurso material entre o antigo delito de estupro e o atentado violento ao pudor, apesar de ser reconhecida pelo STJ, nunca foi pacífica.

Embora houvesse divergências, apesar de se tratarem de delitos autônomos, o estupro e o atentado violento ao pudor eram delitos da mesma espécie, já que tutelavam a liberdade sexual (em que pese a intitulação antiga “Crime contra os Costumes”). Da mesma forma, o bem jurídico tutelado era o mesmo.

Com a criação de novas figuras típicas e o aumento de algumas penas, não há dúvida de que a intenção do legislador foi a de punir mais gravemente os delitos contra a liberdade sexual. Além disso, o estupro, em todas suas formas, passou a ser crime hediondo.

Doutrinadores como Estefam (2009, p. 33) entendem que, anteriormente à Lei 12.015/2009, se o sujeito praticasse ambos os crimes (estupro e atentado violento ao pudor) na mesma vítima e em um mesmo contexto fático, não caracterizaria o crime continuado, mas sim o concurso material de crimes e, com a união dos dois dispositivos legais, o infrator responderá por apenas um crime, cabendo ao juiz da causa considerar as circunstâncias do delito ao fixar a pena base. Defende ele que aquele que pratica apenas uma das condutas terá, por óbvio, uma pena menor do que aquele que praticar ambas as condutas.

Se acolhida a interpretação no sentido de que há crime único, ao unificar o crime de estupro e de atentado violento ao pudor, haverá uma mudança benéfica na esfera penal, de forma que a nova lei deverá retroagir para alcançar fatos pretéritos, devendo o juiz da execução aplicar a lei nova para aqueles que já estavam cumprindo pena pela prática de ambos os delitos.

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Outra questão relevante que sobreveio com a unificação desses dois delitos, foi a permissão de a mulher, que seja sujeito passivo do crime de estupro, abortar caso haja gravidez resultante de conjunção carnal ou de qualquer outro ato libidinoso. Anteriormente, existia o impasse de ser o aborto sentimental extensível àquela gravidez proveniente do delito de atentado violento ao pudor, uma vez que se admitia ao crime de estupro.

Com a inclusão do §1º no artigo 213, a qualificadora, que antes assim era entendida se da violência resultasse lesão corporal grave ou morte, agora foi incrementada, abrangendo também a vítima menor 18 (dezoito) ou maior de 14 (quatorze) anos, situação essa que o juiz utilizava somente na pena base. Importante frisar que, como é uma situação que agrava a pena, não pode retroagir para alcançar fatos pretéritos.

Porém, a crítica feita a esse dispositivo, em especial se a intenção do legislador foi efetivamente a de punir mais gravemente esse tipo de delito, reside no fato de se punir da mesma forma o estupro praticado contra menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos, e aquele em que resulta lesão corporal de natureza grave. Exemplo dessa situação ocorreria caso a vítima possuísse 15 (quinze) anos de idade e, em decorrência do estupro, também resultasse gravemente ferida. O autor desse crime seria dado como incurso no artigo 213, § 1º, e estaria sujeito à mesma pena. Poderia ele, então, ao perceber que a vítima é menor de idade, passar a deliberadamente lhe agredir, pois sujeito à mesma pena independentemente da natureza das lesões que impuser à vítima.

Mais correto, portanto, para evitar situação como essa, seria prever um determinado percentual de aumento de pena para o caso de resultar lesão corporal de natureza grave (por exemplo, um terço), gravíssima, e outro para o caso de vítima se encontrar entre essa faixa de idade (14 a 18 anos).

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Outro conflito doutrinário solucionado pelo legislador diz respeito ao fato de que, anteriormente à Lei 12.015, caso a vítima morresse, seja em consequência do delito de estupro (independentemente de haver violência ou grave ameaça na conduta do agressor), seja em razão de qualquer outro fato superveniente à conduta do infrator (como, por exemplo, se a vítima, ao fugir de seu estuprador, fosse atropelada e morresse), incidiria a qualificadora, que era tipificada pelo revogado parágrafo único do artigo 223 (“se do fato resulta morte”). Assim, para que essa interpretação fosse evitada pelos legalistas, o legislador a corrigiu, restringindo a qualificadora à conduta.

O estupro qualificado pelo resultado morte passou a ser previsto no § 2º do artigo 213. Mas isso gerou uma nova problemática. Ao prever uma forma qualificada de estupro com resultado morte, parece que o legislador não atentou para o fato de que as penas (mínima e máxima) passaram a ser exatamente as mesmas do homicídio qualificado (12 a 30 anos de reclusão), o que pode ser interpretado como incompatível com a pretensão do projeto – de punir mais gravemente delitos sexuais dessa natureza.

Deve-se atentar, porém, para o fato de que aqui se pune a morte como resultado, independentemente da intenção do agente. A exemplo do que ocorre com o latrocínio, o resultado morte é suficiente para configurar o delito mesmo que não fosse querido pelo agente.

Porém, caso se evidencie dolos diversos, como no caso do agente que após estuprar decide matar a vítima para tentar se eximir à responsabilização, haveria concurso entre estupro e homicídio qualificado por esse motivo (artigo 121, § 2º, inciso V, do CP).

Refere Luiz Flávio Gomes, em seu artigo “Estupradores usam nova lei para reduzir tempo na prisão (!)” (2010) que

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O legislador da Lei 12.015/2009 atirou no que viu e acertou no que não viu. Ele queria punir mais gravemente o estupro e o atentado violento ao pudor. Imaginou que fundindo os dois tipos penais (arts. 213 e 214 do CP) isso seria alcançado. Errou no seu propósito. Mas acertou em fundir os dois tipos penais. Cabe agora aos intérpretes e aplicadores da lei distinguirem o joio do trigo, ou seja, as situações concretas. Quando se trata do mesmo contexto fático, mesma vítima e mesmo bem jurídico, ainda que o sujeito realize várias ações, não há como deixar de reconhecer crime único (punido mais severamente). Considerando-se as várias ações (maior desvalor do fato), a ele (juiz) compete fazer a adequação da pena, atendendo à seguinte equação: maior desvalor do fato = maior pena.

Outra questão importante refere-se ao estupro e à Lei dos Crimes Hediondos. Embora houvesse divergência jurisprudencial, uma vez que a lei comportava interpretação diversa, mesmo antes do advento da Lei 12.015 o STF já entendia ser o estupro, tanto na sua forma simples como na sua forma qualificada e ainda que praticado com violência presumida, delito de caráter hediondo.

Parte da jurisprudência, porém, argumentava que a lei não contém palavras inúteis, de forma que a ressalva antes feita deveria ser interpretada como uma restrição. Assim, apenas quando resultasse morte haveria um delito hediondo.

A Lei 12.015, em seu artigo 4º, alterou a redação dos incisos V e VI da Lei 8.072/1990, passando a esclarecer, agora de forma induvidosa, que o estupro, em qualquer das suas formas (não apenas quando resultar lesão corporal grave ou morte), será considerado crime hediondo.

Além disso, merece destaque o fato de que, com a revogação do artigo 224 do CP, não é mais possível a aplicação da causa de aumento de pena prevista no artigo 9º da Lei 8.072/1990 (aumentava-se da metade a pena do sujeito que praticava estupro e/ou atentado violento ao pudor contra vítimas descritas no

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artigo 224). Agora, deve-se entender que as situações anteriormente previstas no revogado artigo 224 deslocaram-se de tipo penal e possuem agora natureza jurídica diversa, ou seja, são elementos que integram o tipo penal incriminador, que prevê o delito de estupro de vulnerável (GRECO, 2011, p. 491).

2.2.2 A nova figura de estupro de vulnerável

O novo artigo 217-A prevê que (BRASIL, Código Penal)

Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. § 2º (Vetado.) § 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos. § 4º Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

O bem jurídico aqui resguardado é a formação moral das crianças e dos adolescentes de até 14 (quatorze) anos.

O legislador, ao criar o estupro de vulnerável, busca resguardar os menores de 14 (quatorze) anos das práticas sexuais, justificando-se no crescimento equilibrado e sadio, de forma que não importa se o ato foi realizado consensualmente ou não, já que os sujeitos passivos descritos no artigo 217-A são agora tidos como absolutamente vulneráveis.

A criação do artigo 217-A pôs fim à discussão que havia em nossos Tribunais, sobretudo nos Tribunais Superiores, em relação à natureza da presunção de violência (se era presunção absoluta ou relativa) no caso de ser o

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delito de estupro praticado contra vítimas menores de 14 (quatorze) anos de idade. Hoje, adota o legislador a vulnerabilidade absoluta.

Hoje não se fala mais em ”presunção”. O artigo 217-A não faz menção à necessidade de violência ou ao consentimento da vítima. Desimporta essa análise, já que o legislador, partindo do pressuposto de que os menores de 14 (quatorze) anos, os que por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou os que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência, não tem condições de validamente anuir com a prática de atos sexuais. Dessa forma, haverá crime, ainda que se comprove o consentimento da vítima. A presunção, portanto, deixou de recair sobre um fato (violência), passando a se tratar de uma fixação de critério legal sobre a elementar do tipo (vulnerabilidade).

Como bem observa Nucci (2010, p. 102)

É viável considerar o menor, com 13 anos, absolutamente vulnerável, a ponto de seu consentimento para a prática sexual ser completamente inoperante, ainda que tenha experiência sexual comprovada? Ou será possível considerar relativa a vulnerabilidade em alguns casos especiais, avaliando-se o grau de conscientização do menor para a prática sexual? Essa é a posição que nos parece acertada. A lei não poderá, jamais, modificar a realidade e muito menos afastar a aplicação do princípio da intervenção mínima e seu correlato princípio da ofensividade.

Esse critério para a identificação da vulnerabilidade pode ser objetivo (etário), ou aferível de acordo com elementos subjetivos (por enfermidade ou deficiência mental, que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não podem oferecer resistência). Na hipótese do caput (critério etário), é desnecessária qualquer análise a respeito da capacidade do indivíduo de consentir com a prática do ato. Em se tratando, porém, do caso do § 1º, é necessário avaliar se a enfermidade, a deficiência mental ou alguma outra circunstância seriam suficientes para retirar do sujeito

Referências

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