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A abertura de um modelo

No documento OS ARQUITETOS NÃO-ALINHADOS: (páginas 46-52)

Categoria Projeto

1.2.2. A abertura de um modelo

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1.2.2. A abertura de um modelo

A década de 1980 no Brasil foi um período conturbado, repleto de significativas mudanças políticas e econômicas. No início da década o país

69 Éolo Maia é um dos arquitetos expoentes da arquitetura pós-moderna brasileira, questão que será melhor discutida no Capítulo 3 deste trabalho, estabelecendo a relação do debate dos não-alinhados com essa arquitetura.

70 MAIA, Eolo; VASCONCELOS, Maria Josefina; PODESTA, Sylvio Emrich De. 3 arquitetos: 1980-1985. Belo Horizonte, MG: Pampulha, 1985, p.163.

71BASTOS e ZEIN, Op.cit, p.239.

47 ainda era governado pelo Regime Militar e, mesmo que este já demonstrasse sinais para uma abertura política, no aspecto econômico foi se instaurando uma recessão e consequentemente um quadro de aumento da inflação, crescimento baixo do Produto Interno Bruto (PIB), aumento do desemprego e agravamento das desigualdades sociais. As tensões resultantes desta crise contribuíram para pressionar o fim da ditadura militar, surgindo em 1984 o movimento Diretas Já.

O campo da arquitetura foi em muito afetado por este contexto, onde a crise econômica e a diminuição de oportunidades comerciais dificultaram a sobrevivência e desenvolvimento de diversos escritórios; porém, ao mesmo tempo uma redução de oportunidades possibilitou que muitos a destinassem mais atenção para questões teóricas da profissão, uma vez que a demanda de serviço não era tão intensa quanto no começo da década de 1970.

A abertura da arquitetura moderna brasileira em curso seria uma leitura coletiva de diversas posturas, período chamado por Maria Junqueira Bastos como a “retomada do debate arquitetônico”72

Sinto que havia uma necessidade de externar algumas coisas nesse momento e havia muita curiosidade da sociedade de uma maneira geral, tanto que foi um período de diversas palestras e eventos de arquitetura, principalmente de 1984 a 1990. Participamos de vários eventos desse tipo, as escolas convidavam muitos arquitetos para mostrar obras mesmo fora de Pós-Graduações ou algo assim. Foi uma época muito rica, não me lembro de uma ânsia de debates, mas a curiosidade havia.

por causa do conjunto de acontecimentos e fatos que constituíram uma mudança de rumos na arquitetura brasileira para uma maior pluralidade. Em um momento onde o contexto político e cultural possibilitava maiores liberdades, algumas trocas e debates passaram a ser mais frequentes, alimentando uma ânsia existente e antes parcialmente reprimida de trocas de opiniões e experiências entre arquitetos, possibilitando o reconhecimento de inovações. Nas palavras do Arquiteto Tito Lívio:

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72 BASTOS, Op.cit, p.25.

73 Trecho da entrevista com o Arquiteto Tito Lívio presente nos anexos deste trabalho.

48 Talvez não formalmente com a intenção de promover uma revisão da arquitetura moderna, mas simplesmente divulgar e discutir questões em andamento, acontecimentos como a volta das Bienais, a volta das premiações, o aumento das revistas especializadas, as empresas financiando ciclos de debates e as palestras de arquitetos em faculdades de arquitetura contribuíram para esse quadro. Logicamente estas questões oscilam e a dita pluralidade indica a coexistência entre as novas discussões e antigas, como foi o caso em 1985 em que as discussões sobre novas tendências estavam em destaque, mas em paralelo faleceu o arquiteto Vilanova Artigas e a cidade de Brasília completou 25 anos.

Em aspectos mais voltados ao projeto de arquitetura propriamente dito, mesmo alegando interesse em dar continuidade aos ensinamentos aprendidos, sentia-se necessário certa oposição a alguns princípios. Onde antes se pregava o uso exclusivo do concreto, alguns arquitetos passaram a aplicar matérias e técnicas diversas, valorizando o personalismo de identidades locais e a expressão da linguagem pessoal, dando espaço a certa ironia e caráter lúdico; nas palavras de Zein:

A diversidade pode ser a única afirmação genérica a fazer respeito da arquitetura brasileira da década de 1980.

Diversidade de materiais e técnicas, nas características regionais, nas ênfases estéticas – embora se possa também verificar traços culturais comuns na insistência com simplicidade, na atitude bem-humorada, na despreocupação com a coerência rígida e na maleabilidade das propostas, facilmente adaptáveis às circunstâncias. 74

Além da diversidade de materiais apontada, a pluralidade de posturas e maior personalismo legitimaram o retorno da liberdade formal não em cascas de concreto, mas em uma expressão singular, presente principalmente em edifícios comerciais, uma vez que o caráter simbólico e destaque na paisagem passam a ser algumas vezes desejados nestes usos. Esta busca também motivou o aumento do uso de novas texturas e cores mais chamativas, como por exemplo nos projetos Flat Crillon Plaza (1986) de Tito Lívio e Vasco de Mello, e Edifício Oswaldo Bratke (1986) de Carlos Bratke.

74 ZEIN, Ruth Verde. Op.cit, p.25.

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Fig. 7. Flat Crillon Plaza (1986) e Edifício Oswaldo Bratke (1982 – 1986).

Fonte: http://vmassociados.com.br/projetos.htm e http://www.carlosbratke.com.br

A utilização de cores chamativas não seria uma novidade absoluta dentro da arquitetura moderna paulista, uma vez que o expoente desta, Villanova Artigas, já o havia realizado em diversos projetos residenciais, como a residência Olga Baeta (1956); porém o fetichismo sob a estética do concreto aparente contribuiu para uma menor utilização de cores nos projetos das décadas de 1960 e 1970. De acordo com o arquiteto Pitanga do Amparo a utilização de cores intensas mesmo se opondo a dogmas existentes, para si era uma escolha evidente, pois no contexto da construção civil brasileira da época haviam poucos recursos e variedade de materiais disponíveis para realização de composições projetuais.75

75 Informação presente no depoimento do arquiteto Pitanga do Amparo para este trabalho, entrevista realizada no dia 08/12/2017, disponível nos anexos.

Além disso, o uso de cores intensas poderia não se tratar de apenas uma questão de cromatismo e sim uma estratégia projetual de dar destaque ou ocultar elementos. A utilização desta estratégia e estética na década de 1980 não seria acidental, mas contextual com toda produção cultural, já que tanto no cinema, moda, música ou outras

50 manifestações o uso de cores vibrantes é constantemente associado à estética new wave dos anos 1980, principalmente em projetos de programação visual.

Fig. 8. Capas dos Álbuns “Barão” (1982) e “As Aventuras da banda Blitz” (1982) onde é possível observar a utilização de cores e estética new wave bastante associada as produções artísticas da década de1980.Fontes:http://thebraziliansound.blogspot.com.br/2010/07/brazilian-rock-guiding-light-ezequiel.html https://i.ytimg.com/vi/FjFmBq8c5zo/maxresdefault.jpg

A arquitetura mantém-se acompanhando a estética e as mudanças de sua época de forma que seria equivocado dizer que a preocupação social e política foi erradicada, principalmente perante um contexto de redemocratização do país. Esta permanece, mas em segundo plano e menos estetizada nas produções de arquitetos emergentes, dando espaço para novas buscas contextuais, históricas, simbólicas ou ecológicas. Dentro da historiografia da arquitetura brasileira as buscas do período em questão possuem maior vínculo com a realidade, afastando do foco sobre um futuro racional social para aproximação com circunstâncias existentes. Passa-se a aceitar e trabalhar com certas contradições e pré-existências caóticas como parte da realidade e consequentemente condicionantes ao projeto de arquitetura, talvez até elemento de reflexão ou inspiração. Nas palavras de Flávio Marcondes:

Os caminhos que arquitetos no Brasil tinham pela frente eram:

a maior continuidade a uma tradição moderna; a revisão dessa tradição por maior comprometimento da arquitetura com a realidade em sentido amplo; e a eventual superação da

51 tradição moderna, caminho mais aberto às discussões internacionais. 76

A revisão da tradição moderna, conquistada aos poucos, é responsável por dar espaço e reconhecimento a determinada produção; originalmente não seria a diversidade como tendência, mas sim manifestações que surgiam naturalmente quando arquitetos optam por externar em suas obras questões de interesse pessoal ao invés de discursos políticos. Estas posturas aos poucos receberam apoio de meios de divulgação, sendo o debate dos não-alinhados em parte um fruto desta condição.

Como conclusão ao primeiro capítulo buscou-se estabelecer uma linha de raciocínio que demonstra uma sequência de acontecimentos e depoimentos que expõem o contexto em que a discussão dos não-alinhados está situada. A dificuldade consistiu em expor insatisfações de aspectos que não impediam diretamente a materialização de um tipo de arquitetura, mas sim a divulgação reconhecimento desta, o descontentamento com a distância entre a arquitetura reconhecida pela elite cultural da profissão e os anseios e desejos dos mais jovens.

76 MARCONDES, Flávio. Reflexão vivencial sobre a produção arquitetônica na cidade de São Paulo: do moderno ao contemporâneo. 2012.Tese de Doutorado, São Paulo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2012, p.33.

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CAPÍTULO 2

OS NÃO-ALINHADOS

O segundo capítulo abordará os acontecimentos e discussões presentes na matéria dos não-alinhados em 1982, estabelecendo um panorama sobre a revista Projeto, os membros do grupo, alguns projetos desenvolvidos por eles e questões consequentes, buscando assim indicar características fundamentais para a compreensão deste não-alinhamento e sua relação com o contexto inserido.

2.1. É PRECISO SACUDIR A POEIRA, CRITICAR, DISCUTIR, SE

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