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Agora uma última pergunta - e estou realizando a todos essa pergunta: Qual seria o primeiro projeto que te vem em mente como uma representação do

No documento OS ARQUITETOS NÃO-ALINHADOS: (páginas 141-144)

não-alinhamento ou dessa ideia de ser fora da curva? Tem algum projeto que seja seu ou de outros do grupo?

Eduardo: Bom, acho que minha primeira casa que fiz no Guarujá já seria bastante não-alinhada ao período e talvez totalmente alinhada à arquitetura de hoje, a arquitetura escultórica. A Bola também seria não alinhada, talvez alinhada ao Archigram e outros como eles, embora eu não soubesse, mas aquilo chegou depois para mim.

Fig.36. Residência do Mar Casado (1964) – Eduardo Longo

http://leonardofinotti.com/projects/cmc-house/image/10105-080820-019d

142 Depoimento do Jornalista Vicente Wissenbach coletado na segunda-feira, 29 de maio de 2017.

Vicente: A matéria surgiu na edição de aniversário de 10 anos do Jornal do arquiteto, cinco anos dele e cinco anos da revista Projeto, que foi uma continuação do jornal do arquiteto, um jornal ligado ao sindicato do arquiteto, com o principal foco sobre as relações profissionais, questões de legislação, questões do urbanismo, algo que até o momento os arquitetos tinham uma participação pequena, algo mais visto como o desenho geral.

A matéria veio em 1982 quando a revista, de algum modo, ainda estava começando a publicar projetos. Havia outras revistas como [por exemplo] a Módulo que publicava fundamentalmente projetos modernistas, sendo o grande porta-voz disso, afinal, era do Niemeyer e por si só já traria uma definição da linha. A revista Projeto começou a publicar alternativas a isso, inicialmente era uma revista pequena, com 16 páginas, mas desde o começo deixamos claro que queríamos fazer algo diferente e não uma Módulo versão São Paulo. Então já começamos com um projeto industrial do Zanettini na capa, mostrando arquitetos fazendo projetos para grande indústria. Nos primeiros anos da revista já fomos abrindo a publicação para outro leque, de forma que a Módulo estava mais focada a projetos do Rio e a Projeto abriu muito para São Paulo e outros estados.

Acho que nessa época já se manifestavam algumas coisas do pós-modernismo, a arquitetura italiana começava a exercer uma outra influência aqui. O grupo dos não-alinhados em meio a esse contexto... Eram bastante criticados, em geral, arquitetos que assumiam posturas mais experimentais sofriam disso, Eduardo Longo, por exemplo, era um arquiteto modernista, fazia casas belíssimas, começou a sair para uma linha de pesquisa, não só com a Casa Bola, mas levantando questões urbanas, abrindo outras frentes. O Longo era o mais radical do grupo, saía para uma outra visão e estava ainda sim no meio desse império do concreto, como outros do grupo, e aos poucos foram assumindo novas posturas, testando outros materiais e tudo isso dentro de uma arquitetura moderna. Era um período com algumas controvérsias, que todos tínhamos muita admiração por projetos como as casas feitas pelo Paulo

143 Mendes da Rocha, mas ao mesmo tempo haviam projetos do Artigas que eram de tijolinho e ninguém falava a respeito.

A edição da revista era um número de reflexão, um balanço de dez anos, com a pesquisa da Ruth, uma edição extensa, quase um livro, falamos do segundo inquérito da arquitetura brasileira que ocorreu no Rio, com depoimentos dos principais arquitetos do Rio e nesse contexto sai essa edição.

O grupo era composto de representantes, de coisas que já via de alguma forma em alguns congressos pelo país, coisas distintas que aos poucos foram tomando visibilidade... Como o caso do Carlos que era o membro do grupo com mais visibilidade, filho de um arquiteto moderno que por si só não era tão reconhecido pelo moderno paulista, o Oswaldo que não era muito de publicar e, mesmo em universo menor, não era uma unanimidade, mas era um bom arquiteto de formação moderna. [O Oswaldo] Também tinha certas restrições ao que o Carlos fazia, não que exprimisse isso de forma clara, ou fazia críticas públicas ao filho e de algum modo sua característica de pesquisar muito sobre um material construtivo, acabou influenciado muito o Carlos na busca de novos materiais.

Não lembro ao certo como surgiu o nome dos não-alinhados, um nome meio óbvio que surgiu e, de certo modo, fortaleceu a matéria e fortaleceu a visibilidade do grupo perante a academia. Algo irônico, pois a revista Projeto nunca foi a queridinha da academia, que possuíam muita relação a modelos das revistas francesas e italianas, das quais possuíam um grande número de revistas.

A matéria dos não-alinhados fazia parte de um contexto, assim como outros acontecimentos no ano de 1982, como o congresso que ocorreu na Bahia. Era um momento de descoberta da arquitetura nacional, a descoberta que muitos arquitetos estavam buscando novos rumos, e isso em uma escala nacional. Nesse congresso também que conheci o Jorge Glusberg, que foi o Éolo Maia que nos apresentou, e aí surgiu a ideia da mostra de Buenos Aires de 1983. Essa mostra foi um marco, como a primeira mostra para fora do país que não tinha o interesse em levar os grandes nomes, e sim arquitetos do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Essa mostra teve uma pegada crítica da academia, mas foi importante a ponto de sair nos principais suplementos de arquiteturas, jornais de grande porte. Tanto o catálogo quanto a mostra

144 seguiam ordem alfabética, sendo linear e dando importância semelhante a Paulo Mendes da Rocha, Oscar Niemeyer, ou algum Zé da Silva. E também nessa mostra houve debates com o Paulo Mendes da Rocha e o Severiano Porto, nomes de peso que fizeram um debate para mais de 6.000 pessoas, fazendo um debate muito rico, onde a questão dos materiais, o uso da madeira gerou até momentos bastante acalorados, com acusações do tipo “O Severiano está destruindo Florestas” ou “o concreto usa mais madeira do que eu e joga fora”.

Esta exposição e seu catálogo foram sendo destacados pela imprensa, possuindo como os grandes destaques o Severiano Porto e o Carlos Bratke, nomes que possuíam em seu desenho novidades de acordo com a visão dos críticos argentinos. O brutalismo já possuía seguidores na Argentina, mas lá assim como resto do mundo havia um contexto de revisão do moderno, algo que naquele momento indicava um rompimento, que mais tarde também foi continuidade. Era um momento de ebolição de algo, sabe?

No documento OS ARQUITETOS NÃO-ALINHADOS: (páginas 141-144)