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OS ARQUITETOS NÃO-ALINHADOS:

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Academic year: 2022

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OS ARQUITETOS NÃO-ALINHADOS:

Contrapontos entre o contexto, discurso e a produção de um grupo de arquitetos paulistas

(1977 – 1985)

MATHEUS FRANCO DA ROSA LOPES

2018

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3 L864a Lopes, Matheus Franco da Rosa.

Os arquitetos não-alinhados : contrapontos entre o contexto, discurso e a produção de um grupo de arquitetos paulistas (1977-1985) / Matheus Franco da Rosa Lopes

151 f. : il. ; 30 cm

Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018.

Orientadora: Candido Malta Campos Neto.

Bibliografia: f. 124-129.

1. Arquitetura. 2. História da arquitetura paulista. 3. Arquitetos não- alinhados. 4. Revisão da arquitetura moderna. I. Campos Neto, Candido Malta, orientador. II. Título.

CDD 720.981

Biblioteca responsável: Giovanna Cardoso Brasil – CRB-8/9605

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4 AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a Universidade Presbiteriana Mackenzie que me forneceu o benefício da bolsa de estudos destinada a funcionários da instituição, tornando possível a realização do mestrado.

Agradeço ao apoio que recebo de minha família como todo, fornecendo segurança e um ambiente que sempre instigou a visão crítica e a curiosidade sobre o mundo.

A meus pais que sempre se dedicaram priorizando o estudo e o conhecimento a frente de qualquer bem material.

A meu irmão Gabriel que apoiou este trabalho tanto como acadêmico conhecedor das ciências humanas e pesquisador dedicado à sua área, como irmão mais velho protetor.

Ao meu orientador Prof. Dr. Candido Malta Campos Neto por uma orientação precisa e ao mesmo tempo dando espaço para minhas impressões e descobertas pessoais.

Aos colegas funcionários e professores da Faculdade de Arquitetura Mackenzie pela convivência e aprendizado diário nesse período.

A minha namorada Gabriela Estefam por toda a compreensão durante este processo, ouvindo, discutindo e acompanhando cada descoberta.

A meu amigo e companheiro de mestrado Ney Zillmer Neto que dividiu das mesmas preocupações e satisfações.

Aos arquitetos Tito Lívio Frascino, Eduardo Longo, Pitanga do Amparo e ao Jornalista Vicente Wissenbach pelo apoio ao trabalho e por terem fornecido depoimentos ricos sobre o fenômeno e momento histórico.

Aos professores Valter Caldana e Monica Camargo pelo direcionamento dado no exame de qualificação, compartilhando com entusiasmo a discussão do trabalho e expondo questões que não havia percebido.

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5 RESUMO

O presente trabalho trata-se de uma investigação com enfoque histórico e arquitetônico sobre o grupo de arquitetos paulistas denominado, em 1982, de

“não-alinhado”1. Busca-se melhor compreensão das relações da nomenclatura dada com aquele momento histórico, estabelecendo um panorama de época, principalmente por meio de algumas premiações promovidas pelo IAB/SP, e análise das relações entre os projetos desenvolvidos, o contexto e o discurso crítico legitimador de uma nova prática. Os não-alinhados foram um grupo reunido pela revista Projeto para debater os rumos da arquitetura brasileira; foi composto por sete arquitetos que, por meio de estratégias e motivações distintas, estavam a desenvolver uma produção fora dos padrões da arquitetura que era caracterizada como “escola paulista”, muito embora este termo irá adquirir contradições e nuances no decorrer deste trabalho. Esse acontecimento ganha maior notoriedade uma vez que é realizado em um período considerado pela historiografia de arquitetura como de revisão ou renovação. Desta forma a análise realizada contribui para um maior entendimento sobre as produções arquitetônicas desenvolvidas no período e sobre os acontecimentos que gradativamente se somaram para configurar mudanças no panorama da arquitetura brasileira, no sentido de uma maior aceitação de múltiplos caminhos.

PALAVRAS CHAVE: Arquitetura, História da arquitetura paulista, Arquitetos não-alinhados, Revisão da arquitetura moderna.

1“É preciso sacudir a poeira, criticar, discutir, se encontrar”. In: Revista Projeto, n.42, 1982, p.

78.

(6)

6 ABSTRACT

The present work is an investigation with historical and architectural focus on the group of architects of São Paulo denominated in 1982 as the "não- alinhados". It seeks a better understanding of the relations of the nomenclature given with that historical moment, establishing a panorama of time, mainly through some contests promoted by the IAB/SP and analysis of the relationships between the projects developed, the context and the critical discourse legitimating a new practice. The não-alinhados were a group assembled by the magazine Project for a discussion on the directions of Brazilian architecture; it was composed of seven architects who, through distinct strategies and motivations, were developing an out-of-the-standard production of an architecture that was called "escola paulista", although this term will acquire contradictions and variations in the course of this work. This event gains more notoriety since it’s realized in a period considered by the historiography of architecture as a period of revision or renovation. Therefore this analysis contributes to a better understanding of the architectural productions developed in the period and events that gradually added up to configure changes in the panorama of Brazilian architecture, in the sense of a greater acceptance of multiple paths.

KEY WORDS: Architecture, History of São Paulo Architecture, Arquitetos não-alinhados, Revision of modern architecture.

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7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 – PERCALÇOS E PERCURSOS DO DEBATE DA ARQUITETURA PAULISTA (1977-1982)

1.1. A PREMIAÇÃO DO IAB 1977 COMO EXEMPLO DE UMA CONDIÇÃO 1.1.1. O evento e questionamentos associados

1.1.2. Características comuns aos projetos premiados

1.1.3.Tomadas de posição e disputas hegemônicas na arquitetura paulista 1.2. UMA REVISÃO DO MODERNO EM ANDAMENTO?

1.2.1. O desgaste de um modelo 1.2.2. A abertura de um modelo CAPÍTULO 2 – OS NÃO-ALINHADOS

2.1. É PRECISO SACUDIR A POEIRA, CRITICAR, DISCUTIR, SE ENCONTRAR.

2.1.1. A revista Projeto 2.2.2. A matéria

2.2. OS MEMBROS PARTICIPANTES 2.2.1. Carlos Bratke

2.2.2. Tito Lívio 2.2.3. Vasco de Mello 2.2.4. Pitanga do Amparo 2.2.5. Eduardo Longo 2.2.6. Roberto Loeb 2.2.7. Arthur Navarrete

2.3. POSTURAS COMUNS AO GRUPO E DISCUSSÕES EVIDENTES 2.3.1. A fantasia, humor e ironia

2.3.2. A tecnologia e o uso dos materiais 2.3.3. A linguagem do comércio

CAPÍTULO 3 – POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS E PARALELISMOS.

3.1. A exposição em Buenos Aires 3.2. O retorno das premiações do IAB 3.2.1. A premiação de 1983

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8 3.2.2. A premiação de 1985

3.3. A arquitetura Pós-Moderna no Brasil CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXOS – Entrevistas

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9 Resistir é manter uma situação, criar para si mesmo um espaço no interior do sistema para não ser absorvido por ele

(mas, até quando?).

Divergir é sair do sistema, deixar de lado suas estruturas, empreender rumos inéditos.

Resistir é permanecer para defender o que se é.

Divergir é desenvolver, a partir daquilo que se é, aquilo que se pode chegar a ser.

Marina Waisman2

2 WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de latino- americanos. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.98.

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10

INTRODUÇÃO

No dia 9 de janeiro de 2017, aos 74 anos, faleceu o arquiteto Carlos Bratke. Seu falecimento foi noticiado nos mais diversos jornais e plataformas midiáticas, destaque incomum dado a arquitetos. Neste caso, a mídia justifica ao apresentá-lo ao público como o “Inventor dos contornos futuristas e reluzentes das torres de aço e vidro da Berrini”3

Esta nomenclatura surge em 1982 quando a revista Projeto, por iniciativa de seu editor Vicente Wissenbach, promoveu na edição de aniversário de dez anos do jornal “O arquiteto” (que originou a revista Projeto) uma série de mesas redondas para discussão dos rumos da arquitetura. Durante a escolha dos membros deste embate notou-se certo grau de dificuldade em sintetizar representantes do pensamento da época, uma vez que ao falar de arquitetura nacional era quase natural a associação a arquitetos de duas décadas atrás.

, associação fundamentada por este ter projetado mais de 60 edifícios na região. Além deste e outros aspectos de sua carreira serem citados, comenta-se em diversas matérias que uma das marcas de seu trabalho foi a manifestação do ideário crítico à arquitetura moderna, relembrando a nomenclatura dada a ele e a alguns outros 35 anos atrás - “os não-alinhados”.

Como o interesse era uma abordagem mais atual foram chamados sete arquitetos paulistas, sendo estes Tito Lívio Frascino, Vasco de Mello, Roberto Loeb, Eduardo Longo, Artur Navarrete, Pitanga do Amparo e o já mencionado Carlos Bratke (que será citado com frequência, uma vez que, entre os membros, é o que mais publicou textos expondo sua visão sobre o assunto)4

3 Noticia presente pelo link: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/01/1848397-arquiteto- da-berrini-carlos-bratke-morre-aos-74-anos-em-sao-paulo.shtml Acesso dia 23/07/2017.

. Este nome foi dado devido a produção destes não se enquadrar nos padrões

4 Este grupo de arquitetos estudaram e se formaram como arquitetos nas seguintes datas e Universidades: Tito Lívio Frascino (formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1964); Vasco de Mello (formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1964); Roberto Loeb (formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1965); Eduardo Longo (formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1966); Luis Guimaraes Arthur Navarrete (formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1966); Pitanga do Amparo (formado na Universidade de São Paulo em 1973); Carlos Bratke (formado na Universidade Presbiteriana Mackenzie 1967).

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11 da arquitetura hegemônica de seu meio, na tradição da dita escola paulista de arquitetura.5

De um lado, uma linguagem arquitetônica hegemônica quase sempre apoiada pelas instituições e pelo estado, e de outro lado uma proposta arquitetônica minoritária, mas energética, barulhenta e quase sempre questionando não só a linguagem oficial, mas todo o sistema.

Foram realizadas reuniões de discussões sem pautas específicas que acabaram por resultar em uma matéria jornalística com tom de reivindicação por reconhecimento e insatisfação às restrições estabelecidas. E, mesmo que por uma escolha inconsciente aos participantes, além dos aspectos estéticos e técnicos expostos nessa matéria, é possível notar como plano de fundo o confronto de ideologias no fazer arquitetônico com valores defendidos pela geração anterior. Tais insatisfações eram dirigidas não a um elemento ou indivíduo, e sim ao espectro de características difundidas no cotidiano da profissão. Ainda que a fala não se destine aos não-alinhados, o sistema dito por Fernando Luiz Lara define a situação com exatidão:

6

Controversa, assim como uma crítica aberta a tradições não deixaria de ser, se valora ao exemplificar as discussões e características de um momento de transição da arquitetura moderna e contemporânea paulista. O fato de um veículo de comunicação especializado publicar uma matéria que chama indivíduos de não-alinhados pressupõe a existência de um alinhamento e de uma linha e pressupõe que essas seriam questões presentes no cotidiano dos arquitetos a ponto de serem pauta para publicação jornalística.

Os não-alinhados, como o nome já revela, não seriam um grupo convencional de união natural e preestabelecida, mas sim de indivíduos sem relações diretas, reunidos por terceiros para uma finalidade. A produção destes também era heterogênea em si mesma, ou seja, além de não-alinhados à produção da época, também não eram alinhados entre si. É importante destacar que a união realizada, justificada pela seleção dos que estão à margem, não visou seguir a obviedade da semelhança, e sim debater a

5 É considerado pela historiográfica da arquitetura o termo escola paulista aos projetos desenvolvidos por arquitetos paulistas ao decorrer das décadas de 1950 até o final da década de 1970, dos quais eram possuidores de um mesmo conjunto de características construtivas, estéticas, compositivas e ideológicas, oriundas da atuação como arquiteto e professor de Vilanova Artigas, principal interlocutor desta vertente.

6

Urbanismo. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.022/797

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12 diferença manifestada cada qual à sua maneira. A escolha dos membros não foi feita por critérios científicos, e sim um esforço de contatar entre os conhecidos próximos aqueles que haviam desenvolvido projetos com posturas alternativas e que poderiam enriquecer a discussão. Posto isto, optou-se que o mais relevante aqui não seria buscar padrões absolutos entre esses, mas manter como prisma que riqueza desta discussão está justamente em sua natureza não ortodoxa.

Choque cultural, conflito intergeracional ou disputa hegemônica, a discussão resultante possui tom de crítica, mas de acordo com os membros não desejava configurar um movimento contestatório ou conflitar com outros arquitetos, e sim combater ortodoxismos que condenavam ou não valoravam ampliações da linguagem estabelecida, dificultando renovações. A crítica buscou ser uma “critica inteligente, que faz com que conheçamos melhor nosso trabalho e nossos colegas, uma confrontação positiva.”7

É justamente por pertencerem a esse meio que a crítica feita pelos não- alinhados não se atém à visão generalista da escola paulista que nega as particularidades de suas produções; mas, de fato, se opõem às interpretações dos princípios defendidos por Artigas com radicalismos nem sempre seguidos pelo próprio.

Seria então uma crítica feita por dentro, que não nega a formação destes no mesmo meio - uma autocrítica vinda de uma geração assumidamente de transição, que busca novos caminhos sem abandonar as conquistas de outrora.

A análise realizada, ainda que comente certas semelhanças nas obras destes arquitetos - como a busca pela linguagem própria; o uso de cores intensas; a aplicação variada de materiais e técnicas construtivas; a interlocução com culturas locais, linguagens de massas ou mesmo com o usuário, entre outras - opta por um enfoque maior em aspectos políticos que estéticos, isto é, aspectos externos, mas influentes sobre o projetar. Esta decisão parte do princípio de que, se ao reunir indivíduos distintos obtém-se uma discussão de reinvindicação, este é o ponto de intersecção. Outrossim, as características consequentes ao não-alinhamento oscilaram nas obras e produções dos membros sob a premissa da liberdade criativa e sob a premissa

7 É preciso sacudir a poeira, criticar, discutir, se encontrar”. In: Revista Projeto, n.42, 1982, p.

78.

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13 de “não estar preocupado com a coerência no sentido de ter uma única maneira de projetar”8

O objetivo geral é não só reconhecer a produção dos arquitetos do grupo, mas aprofundar a discussão feita em 1982, onde apontou-se que a arquitetura que havia sido a “requalificação da identidade nacional”

. Esta inconstância poderia ser vista como fragilidade, mas é entendida aqui como um dos motivos da relevância do debate, ilustrando as dúvidas, conflitos e contradições de momentos de transição.

9

O grupo dos não-alinhados era composto por sete arquitetos, e todos possuíram projetos dispares, resultantes das pretensões, experimentações, oportunidades e desafios do momento vivido. Não seria possível aprofundamento em todos esses projetos, e pela diversidade existente, estudos de caso como representantes também não seriam suficientes para o entendimento do debate realizado. Optou-se, portanto, em utilizar os projetos para ilustrar aspectos da discussão, ou seja, uma metodologia que prioriza iluminar as relações culturais que o próprio objeto material. Não apenas como característica estética, o não-alinhamento também era uma atitude ou questão de identificação pessoal a caminhos e posturas, portanto, é evidente que não resultaria em uma única fórmula ou definição a se buscar, e sim diversas interpretações e manifestações.

passou a atuar como fórmula restritiva, impedindo mudanças e atualizações. Os limites da pesquisa se estabelecem na pretensão de melhor compreender as relações da arquitetura produzida, o discurso crítico e o contexto - portanto, não se busca aprofundar na carreira completa de cada um dos membros, mas coloca- se o necessário para situar a discussão. Não se trata de um estudo de diversos personagens, mas da investigação do grupo como protagonista único e deste como reflexo de uma geração.

A relevância do debate dos não-alinhados também está em sua capacidade de ilustrar e expor um momento de transição ou revisão da arquitetura moderna paulista. Sendo assim, a virtude da discussão está não só no plano mais evidente de discussões, mas em questões políticas e ideológicas

8 ARQUITETO Carlos Bratke. São Paulo: Projeto, 1985, (Cadernos brasileiros de arquitetura;

15), p.20.

9 O trecho em destaque foi extraído de ZEIN, Ruth Verde. Breve introdução à Arquitetura da Escola Paulista Brutalista. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 069.01, Vitruvius, fev. 2006.

< http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/07.076/318>

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14 que afetam o projeto arquitetônico e o processo de tomada de decisão do arquiteto.

A estrutura do trabalho se divide de modo semelhante a uma organização cronológica, segmentada pelos antecedentes, decorrer e posterioridade ao debate, relacionando discussões e projetos. O primeiro capítulo situa-se nos antecedentes para aprofundamento do contexto das reinvindicações dos não-alinhados, relacionando eventos que contribuíram para a difusão de ideários críticos à arquitetura moderna paulista. São investigados os projetos premiados pelo IAB na premiação realizada em 1977, servindo de exemplo do modelo considerado como o suposto alinhamento.

Também é abordado neste capítulo o panorama de revisão da arquitetura moderna brasileira, momento de renovação e busca por novos rumos.

O segundo capítulo se aprofunda no decorrer do debate e no grupo dos não-alinhados propriamente, investigando os principais aspectos levantados na matéria de 1982 e relacionando as características presentes na produção do grupo. Haverá também um panorama sobre os membros do grupo, os projetos em desenvolvimento por estes no momento próximo a 1982 e análise das características expostas pelos próprios referentes às suas produções.

O terceiro capítulo possui seu enfoque em acontecimentos posteriores a 1982 que estão de alguma forma relacionados ao debate feito. São analisados os aspectos pertinentes à compreensão das disputas hegemônicas na arquitetura paulista do período, manifestados nas premiações do IAB-SP em 1983 e 1985, além de relacionar esses dados a acontecimentos como a

“Amostra da Arquitetura Brasileira” em Buenos Aires, entre outros. Neste capitulo também são abordados aspectos da discussão da arquitetura pós- moderna10

10 O conceito de Arquitetura Pós-Moderna utilizado no trabalho se encontra extraído de JENCKS, Charles. El lenguaje de la arquitectura posmoderna. 2. ed. ampl. Barcelona: G. Gili, 1981.

152 p.

no Brasil, debate que ganhou força na década de 1980. E mesmo que o grupo em questão não possua sua produção diretamente ligada à aquela que ficou conhecida como arquitetura pós-moderna, possuíram certa afinidade em relação a temáticas e pautas, além de que parte da polêmica gerada nos não-alinhados resultou que esses fossem “acusados” de pertencerem a este movimento, necessitando então que sejam realizados certos esclarecimentos.

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15

CAPÍTULO 1

PERCALÇOS E PERCURSOS DO DEBATE DA ARQUITETURA PAULISTA (1977-1982)

O primeiro capítulo visa melhor compreender o contexto da arquitetura moderna paulista onde a matéria dos não-alinhados é situada - final da década de 1970 e início da década de 1980 - pontualmente fazendo menções a antecedentes. Busca-se construir um panorama para análise dos acontecimentos e impressões do período objetivando o entendimento sobre as relações entre a arquitetura comprometida com a tradição moderna paulista e a que estava à margem dela e dos momentos de hegemonia da primeira até a perda de espaço para a segunda. Esta investigação faz uso dos resultados de premiações do IAB como indícios das condições que esses arquitetos se inseriam, relacionando projetos e suas características principais aos eventos relevantes do período.

1.1 A PREMIAÇÃO DO IAB 1977 COMO EXEMPLO DE UMA CONDIÇÃO

1.1.1 O evento e questionamentos associados

O projeto de arquitetura é um processo de concepção e materialização de ideias constituído por tomadas de decisões expressas e registradas por meio de instrumentos de representação bi e tridimensionais. É um processo bastante intuitivo e influenciado pelas questões sensíveis aos agentes atuantes, seja o sujeito ou o contexto, figuras que muitas vezes se confundem e misturam em ordem de ação ou grau de importância. Esta confusão pode ocorrer uma vez que o contexto, ou seja, tudo que é externo ao sujeito ou fenômeno, possui forte influência sobre a concepção deste, partindo da ideia que processos compositivos não surgem espontaneamente, como afirma o psicólogo Bryan Lawson “somos fortemente influenciados por aqueles que nos cercam” 11

11 LAWSON, Bryan. Como arquitetos e designers pensam. São Paulo: Oficina de Textos, 2011, p.217.

. Ademais, reações sensíveis são parte do processo de recepção de

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16 informações - como a rejeição, aceitação ou identificação – e são indispensáveis para reflexões sobre o desenvolvimento e transmissão de ideias.

A discussão dos não-alinhados, por exemplo, de acordo com os membros do grupo não se tratava de oposição, mas de não se identificar com determinadas questões, buscando assim novos caminhos.12 A matéria da revista Projeto é iniciada com a questão da importância da identificação na arquitetura implícita, apontando que quando arquitetos se identificam ou notam semelhanças em seus trabalhos, posturas ou desejos, é sinal de que não estão sozinhos, mas são parte de uma condição.13 Tal situação traria certo conforto e diminuição das inseguranças e dúvidas profissionais sobre caminhos assumidos, uma vez que ser parte de uma condição gera aceitação de terceiros como valoração da produção e juízo de valor – ideia semelhante ao apresentado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu ao dizer que o “produtor do valor da obra de arte não é o artista, mas o campo de produção enquanto universo de crença que produz o valor da obra”.14

Assim como a matéria protagonista, este trabalho não possui seu foco sob um projeto, uma técnica construtiva ou um arquiteto, mas sim sobre um grupo e a discussão resultante de sua formação, podendo até ser entendido como uma discussão sobre uma discussão, aceitando assim certas ambiguidades inerentes a esta condição. Para tornar a investigação menos abstrata será utilizado um episódio que o próprio Carlos Bratke apontou em uma entrevista como “realmente, muito importante na nossa vida” 15

12 ARQUITETO carlos bratke. São Paulo: Projeto, 1985, (Cadernos brasileiros de arquitetura;

15), p.20.

a fim de de servir como exemplo prático da ausência de identificação e sensação de estar à margem e a fim de ilustrar acontecimentos e mecanismos que geraram a sensação de imposição de dogmas na arquitetura moderna paulista.

13 É preciso sacudir a poeira, criticar, discutir, se encontrar”. In: Revista Projeto, n.42, 1982, p.

78. 14

BOURDIEU, Pierre. As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São Paulo:

Companhia das Letras, 1996.p. 259.

15 Entrevista de Carlos Bratke presente em BARRETO, Júlio Gadelha. Dissertação de mestrado. Joaquim Barreto: o exercício da criação. São Paulo. FAUUSP, 2011, p.325.

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17 O episódio em questão trata-se da premiação anual realizada pelo IAB- SP16

Fig. 1. Centro de Convivência Cultural (1960-1964), projeto do arquiteto Fábio Penteado em Campinas, local onde ocorreu a premiação em 1977. Fonte: http://www.topodomundo.com.br/city-tour-campinassp/

em 1977 realizada em Campinas, no Centro de Convivência Cultural (1960-1964). É válido pontuar que este projeto foi feito por Fábio Penteado, figura que além de arquiteto atuante também estava relacionada ao crescimento da mídia especializada em arquitetura neste período. Tal premiação atraiu a atenção dos arquitetos da época com forte visibilidade, divulgação, e posteriormente, repercussão.

Alguns membros deste grupo e contemporâneos participaram intensamente do concurso, mas nenhum destes ganhou prêmio. Este resultado causou certo desconforto e sensação de falta de representatividade, nas palavras de Carlos Bratke: Enviei três projetos: a igreja, minha casa e uma escola. Muitos outros colegas, meus contemporâneos, também participaram. O júri não nos destacou nem ao menos com menções honrosas. 17

É importante enfatizar que esta premiação não deve ser interpretada como um tipo de marco “oficial”, já que nem todos os não-alinhados participaram ou se manifestaram sobre o concurso. Tito Lívio por exemplo, durante o depoimento colhido para este trabalho, afirmou não recordar-se especificamente das questões ditas por Bratke sobre a premiação de 1977, entretanto alegou que era bastante comum o desfavorecimento a não- alinhados em concursos e premiações.18

16 A sigla em questão significa Instituto dos Arquitetos do Brasil, seção São Paulo.

Portanto, mesmo sendo um acontecimento sem vinculo direto com a matéria escrita em 1982, funciona

17 BRATKE, Carlos. Carlos Bratke: Arquiteto / Architect. 2. ed. Ampliada, São Paulo:

Proeditores, 1999, p.154.

18 A fonte destas informações está na entrevista realizada para este trabalho, com o Arquiteto

Tito Lívio, no dia 27.03.2017.

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18 para exemplificar as condições e insatisfações sobre o período. Conforme aponta Carlos Bratke, a ausência de representatividade de membros desta geração entre o resultado foi interpretada por seus conterrâneos como falta de reconhecimento e como indicação da existência de um patrulhamento ideológico19, ou seja, “ou você agia daquele jeito ou não era um bom arquiteto”20

É pertinente analisar o que situações como essa representaram aos arquitetos desta geração e como isso repercutiu para o desenvolvimento de um discurso crítico. O patrulhamento ideológico consistiria em medidas adotadas a desfavorecer ideologias distintas e suas manifestações, visando reduzir sua propagação e influência. Além de combater as ideologias contrárias, também eram combatidas as produções que não possuíam um vínculo político, atuando

“em oposição à liberdade criativa de alguns artistas”

. Bratke também alegou que este patrulhamento era constante e esta premiação serviu para confirmar o que já se percebia há tempos: havia uma imposição de valores pela parcela então hegemônica do IAB/SP na profissão em São Paulo.

21

A presença de um patrulhamento ideológico em uma premiação seria uma ação prática deste favorecimento por meio de um instrumento definido, resultando na manutenção de uma valoração limitadora à arquitetura. Como Carlos Bratke apontou, se algum projeto dos membros desta geração recebesse ao menos uma menção honrosa ou citação seria possível entender alguma abertura, mas o resultado dado acabou exemplificando a total desconsideração em relação a arquitetura fora das práticas modernistas já estabelecidas. De um ponto de vista idealista isso poderia impedir a função social de contribuição para a renovação da arquitetura; e, de um ponto mais prático, contribuiria para perdas de oportunidades comerciais e de divulgação, entre outros aspectos mercadológicos.

, enaltecendo apenas os que compartilhavam de determinados valores.

19 A expressão “patrulhas ideológicas” foi cunhada pelo diretor de cinema Carlos Diegues em uma entrevista intitulada “Cacá Diegues: por um cinema popular sem ideologias”, de 31/08/1978. Cf, HOLLANDA, Heloisa B; PEREIRA, Carlos A.M. Patrulhas ideológicas: arte e engajamento em debate. São Paulo: Brasiliense, 1980.

20 Entrevista realizada pelo portal Arcoweb em 2005. Acesso: 15/02/2017. Disponível em:

https://arcoweb.com.br/projetodesign/entrevista/carlos-bratke-autor-de-30-11-2005

21CARRANZA, Edite Galote Rodrigues, Arquitetura Alternativa: 1956-1979. Universidade de São Paulo, 2013.p.222.

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19 Em 1977 a geração dos arquitetos em análise se encontrava atuando profissionalmente há mais de uma década (com exceção do arquiteto Pitanga do Amparo, formado em 1974). Deste modo, ao mesmo tempo em que já possuíam certa experiência e produção, ainda estavam se estabelecendo em uma carreira de longa duração, como costuma ser na arquitetura. Uma vez que há essa busca por se estabelecerem, como afirmação de valores, oportunidades para visibilidade e reconhecimento eram necessárias, portanto uma premiação como esta em questão era urgente. Esta importância se relaciona com a afirmação de Bratke de que os responsáveis pelo patrulhamento ideológico tinham acesso a uma clientela que outros não possuíam e tal resultado na premiação apenas contribuía para manutenção dessa soberania de mercado dos arquitetos já estabelecidos. Nas palavras deste:

Esse pessoal tinha uma determinada clientela, a gente não tinha acesso, porque a gente era desconsiderado intelectualmente, então, o que aconteceu é que depois muita gente se identificou porque as coisas estavam paradas.22

Por meio deste depoimento é possível extrair uma relação entre o acesso a uma determinada clientela com ser “considerado intelectualmente”, ou seja, além de possuir a produção ou nome de alguma forma conhecido ou indicado, a confiança necessária para contratação comercial levaria em conta aspectos de afinidade intelectual. A presença de elementos em parte subjetivos para a contratação de serviços são práticas comuns; porém, para o exemplo e período em questão, é necessário apontar uma já existente associação entre valores intelectuais e tendência arquitetônica, aspecto crescente nas décadas de 1960 e 1970 devido a semelhanças ideológicas entre a maior parte da classe intelectual e os principais nomes da arquitetura brasileira. O elemento comum era o posicionamento ideológico e político mais sensível às questões sociais, integrada a uma atuação no Partido Comunista do Brasil (PCB). Como aponta Schwarz:

Apesar da ditadura de direta, há relativa hegemonia cultural da esquerda no país. Pode ser vista nas livrarias de São Paulo e Rio, cheias de marxismo, nas estreias teatrais, incrivelmente festivas e febris, às vezes ameaçadas de invasão policial, na

22 BRATKE, Carlos. Op.cit, p.326.

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20 movimentação estudantil ou nas proclamações do clero avançado.23

Uma vez que há esta visão comum na produção ideológica conforme Roberto Schwarz, o patrulhamento dito por Carlos Bratke consistiria em restrições e desqualificações resultantes de divergências ideológico-políticas, uma vez que a visão desta classe intelectual pregava obrigatoriedade a um compromisso social e político. Esta situação poderia gerar certo incômodo àqueles que não se identificavam com esta visão - seja por divergir, não se identificar ou até mesmo não se interessar.

O momento histórico em que a discussão se situa é marcado por fortes embates políticos, econômicos e ideológicos entre visões distintas de sociedade. Este tipo de embate foi bastante presente nas faculdades de arquitetura durante o período de formação da geração de Carlos Bratke, marcado por greves e outras manifestações. A universidade naquele momento se dava como um ambiente propício para tal, uma vez que ao visar formar intelectualmente e profissionalmente indivíduos para o futuro, é natural surgirem questionamentos sobre qual futuro será esse, contexto que pressiona um posicionamento político e as consequências recorrentes deste.

O período que antecede o Golpe Militar de 1964 no Brasil foi muito marcado pela difusão do pensamento comunista e socialista como possibilidade e caminho para uma sociedade com menor desigualdade social, em oposição ao modelo existente. Houve a intensa propaganda dos países de regimes socialistas - destacando como marco a Revolução Cubana -, greves gerais e outros acontecimentos que contribuíram para as reflexões de jovens arquitetos sobre a importância do projeto arquitetônico como instrumento para a “reeducação moral da burguesia nacional”.24

A relação entre a arquitetura e a política sempre esteve muito presente, ou, conforme Montaner “óbvia, até mesmo redundante”25

23 SCHWARZ, Roberto. As ideias fora do lugar: ensaios selecionados. São Paulo, Penguin Companhia, 2014, p. 8.

, devido a seu alcance político e econômico, instrumento de poder que pode servir de uso público e

24 BARDI, Lina Bo. “Casas de Vilanova Artigas”, Revista Habitat, n ° 1, 1950, p. 2.

25 MONTANER, Josep Maria; MUXI, Zaida. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos. São Paulo: G. Gili, 2014, p. 15.

(21)

21 social ou representação de poder e ideais. O pensamento moderno comum a arquitetos deste período possui em suas bases rupturas com ideias de movimentos anteriores. Seria então natural para estes associar certas novidades a rupturas e, para os possuidores da visão da arquitetura como instrumento de contribuições sociais, associar a discordância aos seus posicionamentos como possíveis rupturas aos avanços sociais. O posicionamento apontado por Bratke, por outro lado, não buscava se colocar dentro dessa dicotômica visão política ou mesmo conflitar com a arquitetura consagrada por seus mestres, mas sim reivindicar espaço e reconhecimento para uma produção livre de determinados compromissos políticos.

Outro exemplo que cabe aqui ser comentado referente a este tipo de situação e também relacionado a um dos não-alinhados é quando Eduardo Longo é citado por Joaquim Guedes como vítima de pressões injustas e inconvenientemente ideológicas26

O patrulhamento ideológico manifesta-se criando mecanismos de imposição de doutrinas de uniformidade ideológica, muitas vezes presentes em manifestações sensíveis diárias, conversas informais. Esses conflitos de ideias, naturalmente não possuem limites claros, e mesmo nos casos mais comuns como a opção por um projetista invés de outro por diferenças ideológicas, são situações mais comentadas pelos que se sentiram prejudicados, restando assim sempre uma dúvida. Desse modo, se tal situação é comum ao cotidiano da profissão, é de se esperar se intensifique em momentos históricos de maiores conflitos ideológicos.

. De acordo com Guedes essas pressões possivelmente contribuíram para as insatisfações de Eduardo Longo em relação a racionalidade de seus projetos, o impulsionando a traçar outros rumos. Neste caso é possível perceber como fatores externos poderiam contribuir para mudanças práticas nos resultados projetuais não apenas no reconhecimento, mas no objeto em si. As críticas externas ou o receio do recebimento destas são capazes de influenciar as tomadas de decisões durante o ato de projetar, resultando em um objeto final distinto com componentes ou características que visaram evitar as críticas ou mesmo conflitar.

26 GUEDES, Joaquim. Arquitetura brasileira após Brasília. Rio de Janeiro, Edição IAB- RJ, p.

216.

(22)

22 1.1.2. Características comuns aos projetos premiados

Fig. 2. Alguns dos projetos vencedores na premiação do IAB-SP em 1977. Da esquerda para direita: 1.

Atelier Claudio Tozzi, autor: Arq. Décio Tozzi; 2. Crematório de São Paulo, autor: Arq. Ivone Arantes; 3.

Escola jardim Santo Afonso, autor: Arq. Ubyrajara Giliolo; 4. Centro de Formação profissional do SENAC, autor: Arqs. Sergio Pileggi; 5. Edifício Jeronymo Ometto, autor: Arq. Marcelo Fragelli; 6. Núcleo Educacional Jardim Santo Inácio São Bernardo, autor: Arq. Francisco Petracco e Arq. José Roberto Soutello; 7. Edifício de Escritórios, autor: Arqs. Bonilha & Sancovski.

Fonte: https://www.deciotozzi.com/copia-teofilo; http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2010/07/familiares- participam-de-cerimonia-de-cremacao-de-secretario-de-saude.html/

Foram ao todo quinze arquitetos premiados no evento de 1977, sendo os seguintes projetos e categorias:

(23)

23 Tabela 1.1

Categoria

Projeto

Premiado

Local Autores Formação

1 Habitação

Residência / Atelier

São Paulo Décio Tozzi 1960 - Mackenzie Claudio Tozzi

2 Cultura Núcleo Educacional Infantil

São Bernardo Francisco Petracco

1958 - Mackenzie do Campo José Roberto

Soutello

1972 - FAUUSP 3 Cultura Centro de Formação

São Paulo

Sérgio Pileggi 1962 - Mackenzie (Menção honrosa) profissional do

SENAC

Euclides de

Oliveira 1969 - UFRJ 4 Trabalho Edifício Jeronymo

Ometto

Madureira

(RJ) Marcelo Fragelli 1953 - UFRJ

5 Trabalho

Edifício de Escritórios São Paulo Bonilha &

Sancovski

1957 - FAUUSP (Menção Honrosa)

6 Lazer Teleférico Morro Voturuá

São Vicente (SP)

Benno Perelmutter 1960 - FAUUSP Oswaldo Correa

Gonçalves

1941 - Escola Politécnica de São Paulo 7 Trabalhos escritos Em um século, três

cidades -

Benedito Lima 1961 - FAUUSP de Toledo

8 Trabalhos escritos Racionalização da Construção

-

Milton Faria de

Assis Jr. 1976 - UNB (Menção Honrosa) Aplicada à Habitação

Popular Joel Lopes Silva 1976 - UNB

9 Prêmio Rino Levi

Ampliação da Escola São Bernardo

Ubyrajara Giliolo 1956 – FAUUSP Fausto C. de Mello do Campo

(SP)

10 Prêmio Rino Levi Crematório de

São Paulo São Paulo Ivone Arantes 1964 - Mackenzie (Menção Honrosa)

11 Comunicação visual

Programação Visual

Campinas (SP)

José Eduardo 1967 - FAUUSP 1º Encontro Estadual

de Arquitetos Tibiriçá

Ao observar estes nomes é possível notar que são arquitetos, em sua maioria, formados no final da década de 1950, ou seja, a diferença de idade com a geração de Carlos Bratke é de aproximadamente 5 anos, configurando assim uma geração indiretamente anterior. A distância cronológica entre estas

(24)

24 gerações pode não ser tão extensa se comparada com as diferenças entre gerações que interagem com frequência no mercado de trabalho, uma vez que o fazer arquitetônico se dá através de uma colaboração coletiva.27

Os mais "jovens" estruturalmente (que podem ser quase tão velhos biologicamente quanto os "antigos" que pretendem superar), ou seja, os menos avançados no processo de legitimação, recusam o que são e fazem seus predecessores mais consagrados.

Porém, com certa usualidade, entre uma geração e outra e em um curto espaço de tempo as mudanças sociais, no ensino, no mercado de trabalho e em outros campos contribuem para os surgimentos de ideias heterogêneas entre gerações. De acordo Bourdieu essa diferença de idade também não necessita ser numericamente expressiva para configurar mudanças expressivas. Em suas palavras:

28

O recorte temporal deste trabalho inicia-se no final da década de 1970;

porém, para a compreensão de determinados acontecimentos torna-se necessário abordar algumas questões anteriores. Um desses aspectos é o fato que ambas as gerações desenvolveram o início de suas atividades profissionais cronologicamente próximas a um acontecimento icônico: a construção de Brasília. No entanto, uma vez que aborda-se o trabalho de arquitetos de formação entre as décadas de 1950 e 1960 em São Paulo, torna- se talvez até mais relevante do que Brasília pensar e aprofundar na relação destes com a atuação como arquiteto e professor de Vilanova Artigas. Como aponta Ruy Ohtake:

O mestre Artigas, como assim o chamávamos na escola, foi o grande responsável pela formação dos arquitetos nas décadas de 50 e 60. Sua contribuição era sentida desde as discussões sobre a formação do arquiteto, organização didática, formulação dos programas e principalmente nas discussões dos trabalhos escolares. 29

27 Depoimento realizado pelo arquiteto Daniel Corsi, disponível pelo link:

http://au17.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/230/artigo288395-1.aspx

Fonte: http://www.au.pini.com.br/arquitetura-urbanismo/230/artigo288395-1.aspx.Acesso no dia 15/03/2017.

28 BOURDIEU, Pierre. Op. cit. Ibidem.

29 “Joaquim Guedes” em Arquitetura brasileira após Brasília: depoimentos. Rio de Janeiro:

Instituto dos Arquitetos do Brasil, 1978, p.351.

(25)

25 Ruy Ohtake formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) em 196030

Era um professor que atraía muitos alunos que, em geral, rapidamente o imitavam. Ao mesmo tempo que alimentava uma admiração especial por ele, não achava graça naquilo que via em torno de mim. Havia uma crítica muito forte, eram os chamados de “artiguinhas”, fazendo umas caixinhas, copiando seu grafismo sem passar pelos caminhos difíceis que passou.

e foi aluno de Vilanova Artigas. No início de sua carreira foi frequentemente associado a chamada arquitetura paulista, desenvolvida nas décadas de 1950, 1960 e 1970. A atuação de Artigas teve grande impacto sobre diversas gerações de arquitetos paulistas, seja por sua linguagem projetual, mista de referências modernas com ensinamentos adquiridos na Escola Politécnica de São Paulo, seja por sua atuação como professor. Como aponta Joaquim Guedes, formado na FAU-USP em 1954, também aluno de Artigas:

31

Mesmo que em tom crítico, Joaquim Guedes relata o impacto de Artigas como professor, questão bastante associada ao carisma deste, ao seu discurso ideológico e à sua visão “ética estética”32

Vilanova Artigas foi o decano da tendência; a geração seguinte ampliou o retrato paulista com formuladores ou praticantes;

, paralela a um intenso envolvimento nas revisões do ensino de arquitetura, contribuindo para consolidar uma linguagem na arquitetura moderna paulista. No depoimento de Joaquim Guedes há uma crítica contra a repetição da linguagem sem a profundidade necessária para sua compreensão no caso estudantes de arquitetura ainda em formação, situação distinta a outro tipo de repetição, ou seja, daqueles que a absorveram e entenderam. Nas décadas de 1950 e 1960 houve fóruns, escolas, clubes, edifícios esportivos e muitos outros projetos em que se desenvolveu a linguagem aprendida com Artigas e os diversos discípulos conquistaram seus respectivos espaços, afirmando-se não apenas como herdeiros. Conforme aponta Segawa:

30 Fonte da data de formação do Arq. Ruy Ohtake – site de seu escritório. Acesso dia 20/02/2017. Disponível em: http://www.ruyohtake.com.br/#!/biografia

31 Depoimento de Joaquim Guedes em matéria assinada por José Wolf, “Uma Pedra no caminho”, p. 56.

32 ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura nova: sérgio ferro, flávio império e rodrigo lefèvre, de artigas aos mutirões. São Paulo: Ed. 34, 2002, p.16.

(26)

26 Carlos Millan, Paulo Mendes da Rocha, Fábio Penteado, Miguel Juliano, Julio Katinsky, João Walter Toscano, Eduardo de Almeida, Pedro Paulo de Mello Saraiva, Abrahão Sanovicz, Siegbert Zanettini, Décio Tozzi, Paulo Bastos, Ruy Ohtake, Sérgio Pileggi.33

Diversos dos nomes apontados por Hugo Segawa foram arquitetos que desde o início de suas atuações profissionais se destacaram por propostas de projeto ou concursos da época. Apenas como uma questão comparativa, a lista apontada e o resultado da premiação do IAB de 1977 tem somente o nome do arquiteto Décio Tozzi em comum, porém este fato não configura uma ausência de tal linguagem na premiação. Além dos nomes apresentados por Hugo Segawa, diversos outros arquitetos desenvolveram esta linguagem, nomes como Francisco Petracco, Sami Bussab e muitos outros, como alguns dos próprios premiados em 1977.

Para a arquitetura - e também outras áreas do conhecimento - a difusão de um ideário deve-se em grande parte a seus melhores exemplos, sendo comum que os mais jovens aprendam e obtenham inspiração nas ideias colocadas em prática por seus antecessores, cada qual adaptando às suas maneiras. Para o caso em questão, mesmo que impactante, não era estritamente necessário um arquiteto ter sido aluno de Artigas para se influenciar; bastava simplesmente estar atento ao que estava sendo construído para essa difusão.

Ao observar os projetos vencedores da premiação do IAB de 1977 é possível notar algumas semelhanças, principalmente do ponto de vista da técnica construtiva adotada - o concreto armado - presente em todos os projetos. Além do uso desta técnica, o concreto se encontra de forma

“aparente”, sem revestimentos que escondam sua estética resultante do processo construtivo, recurso bastante presente na obra de Artigas e usualmente associado à linha brutalista.34

33 SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil – 1900 – 1990. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990, p.151.

34 O termo Brutalismo surgiu na década de 50 na Inglaterra, ligado a produção de Alison e Peter Smithson, com uma produção de uso característico da expressão dos materiais.

Fonte:

Arquitetura Moderna e Internacional: conexões brutalistas 1955-1975, 2013, Curitiba. Anais do X Seminário Docomomo Brasil.

(27)

27 Como aponta Sanvitto, a arquitetura brutalista foi uma tendência desenvolvida intencionalmente no período pós 2ª Guerra Mundial até o final da década 1970, bastante associada a produção do arquiteto suíço Le Corbusier no período posterior a 1950 em função da relação entre a estética do projeto e seus aspectos construtivos. O brutalismo relacionado à obra de Artigas, por sua vez, possuiu além da influência corbusiana, traços herdados do brutalismo inglês. Para Artigas o uso da técnica construtiva do concreto também estava associado a seu posicionamento ideológico, uma vez que ele defendia a utilização desta técnica construtiva como parte de um projeto nacional desenvolvimentista. A utilização do concreto armado sem acabamentos, demonstrando a marca das fôrmas de madeira, também era associada a uma

“moral construtiva de não cobrir a verdade dos materiais” 35

Membro atuante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Artigas empregou as enormes massas de concreto como explicitação agônica de conflitos sociais através da forma. O seu brutalismo é, portanto, a expressão quase literal de um materialismo dialético interpretado arquitetonicamente.

, não utilizando adornos ou acabamentos que visariam esconder as verdades construtivas, os resquícios brutos antes vistos como imperfeições resultantes de uma técnica ou material. Nas palavras de Wisnik:

36

A utilização do concreto armado como técnica construtiva já era bastante aplicada por arquitetos brasileiros há gerações, mesmo que antes não tão vinculada a este discurso político e estética resultante das fôrmas de madeira, mas utilizada dentro de um quadro de graduais avanços nas possibilidades técnicas e disponibilidade de mão de obra. Os resultados estruturais também eram condicionantes positivos devido aos vãos permitidos - destaque mundialmente atribuído ao Brasil, possuidor de certo pioneirismo exacerbado na construção de Brasília, paralela ao desenvolvimento da arquitetura paulista, e na sua aplicação em larga escala em pontes, hidroelétricas, entre outros.

Os projetos da premiação de 1977 possuem escalas e programas diferentes, obtendo consequentemente soluções e estratégias projetuais

35 O trecho em questão para essa discussão utiliza como referência ARANTES, Pedro Fiori. Op.cit. p.17.

36 WISNIK, Guilherme. Dentro do nevoeiro: Diálogos cruzados entre arte e arquitetura contemporânea, Tese de Doutorado, São Paulo: FAUUSP, 2012, p.72.

(28)

28 distintas, mantendo como características mais expressivas o concreto aparente e solução estrutural vinculada ao partido estético do edifício. No final da década de 1970 o uso frequente da técnica construtiva e a repetição de algumas estratégias e abordagens na arquitetura paulista poderia ser entendido como um modelo, como aponta Bastos:

Foi-se configurando, ao longo dos anos de 1970, um quadro em que um “modelo” arquitetônico tornou-se predominante cada vez mais ancorado numa retórica, substituta dos ideais que inspiram os primeiros projetos. Com isso, parte da produção arquitetônica desenvolveu-se em direção a um maior formalismo, uma vez que o “modelo” tornou-se dominante, levando ao desenho à priori da realidade. 37

Discutir a existência de modelos na arquitetura, ao mesmo tempo que seria natural a qualquer área de conhecimento, é uma questão controversa, cabendo interpretar não como generalidade, e sim com proximidade a ideia de

“tendência”, ou seja, a disposição e aproximação natural a certos padrões.

Neste caso, as características e estratégias como, por exemplo, “uma grande caixa onde se resolve todo o programa, pela intercomunicação e fluidez dos espaços internos, pela expressão formal dada pela estrutura”38

Observando os projetos vitoriosos em 1977 como exemplo, estas características estão em sua maioria presentes, variando em intensidade de acordo com o porte e uso do projeto, como uma linguagem comum explorada cada qual à sua maneira, possuindo maior evidência nos projetos menos verticalizados como o Atelier Claudio Tozzi, o Crematório de São Paulo, a Escola Jardim Santo Afonso e o Núcleo Educacional Jardim Santo Inácio. Isso não busca negar produções fora do padrão apontado, e sim procura estabelecer um fio condutor de semelhanças resultantes de um mesmo meio, estabelecendo certa comunicação entre produções autônomas. Estas ligações muitas vezes proporcionaram vantagens, uma vez que ideias difundidas

, não podem ser ditas como obrigatórias, mas como soluções aos anseios e valores comuns à arquitetura da época.

37 BASTOS, Maria Alice Junqueira. Pós-Brasília: rumos da arquitetura brasileira: discurso:

prática e pensamento. São Paulo: Perspectiva, 2003.p.25

38 Ibidi, ibidem.

(29)

29 coletivamente possuem maior alcance e certa cooperação conjunta liberta o indivíduo de alguns percalços de abrir caminhos solitariamente.

A economia brasileira e o quadro da construção civil contribuíram para a afirmação dessa tendência. O milagre econômico (1968 – 1973) proporcionou oportunidades no setor público e no privado, resultando em uma ampla produção dentro do alcance da arquitetura moderna no Brasil. É importante esclarecer que mesmo que os termos tendência ou modelo sugerem uma ampla aplicabilidade, porém está nas obras mais expressivas e de maior repercussão, discutidas e reconhecidas por um público seleto, como é o caso da premiação de 1977, a maior parte das construções da cidade de São Paulo permaneceu fora de qualquer modelo de caixas de concreto aparente.

A difusão deste modelo ocorreu de tal forma que é frequentemente apontada pela historiografia geral de arquitetura sobre o cunho de Escola Paulista de Arquitetura. O presente trabalho não possui a pretensão de se posicionar perante esta questão, uma vez que seria necessário o aprofundamento e sistematização de projetos e isso afastaria do objetivo principal, mas cabe aqui apontar alguns aspectos indispensáveis para discussão do contexto da produção da arquitetura paulista no período em análise.

O conceito de escola arquitetônica possui semelhanças com o termo vanguarda, utilizado no campo das artes plásticas para coletividade perante produções possuidoras de particularidades entre si. A leitura de uma Escola Paulista de arquitetura faria da junção das características já citadas, afirmada pela dicotomia com a vertente carioca, em que a paulista, herdeira do ensino da Escola Politécnica de Engenharia e da Escola de Engenharia Mackenzie; e a carioca, herdeira da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Se as particularidades presentes seriam suficientes para configurar uma escola, não cabe aqui indagar, mas cabe apontar que a própria existência desta polêmica dá maior legitimidade às questões levantadas neste trabalho.

Destacam-se os projetos vencedores na premiação do IAB-SP em 1977;

uma vez que essa premiação é usada aqui como exemplo do tipo de situação em que a visão crítica do grupo se opunha, ressaltando as impressões geradas e possíveis repercussões por partes dos que se sentiam à margem. Uma constatação coerente à investigação está em um depoimento de Carlos Bratke

(30)

30 que aborda aspectos construtivos dos projetos inscritos pelo próprio na premiação do IAB de 1977, que diz:

Eu tinha inscrito minha casa no Morumbi e também não ganhei nenhum prêmio - aliás, a casa era em concreto aparente e hoje é vista como brutalista, mas não é: não fazia parte do repertório.39

O trecho em questão dá indícios que o patrulhamento ideológico sentido por Carlos Bratke se pautaria não só na obrigatoriedade do uso de uma técnica construtiva, pois este já o fazia e ainda sim sentiu-se à margem. Não bastaria então proximidade visual ou construtiva ao modelo mais valorizado, mas o patrulhamento especulado buscaria não reconhecer representações fora do modelo estabelecido. Os projetos da Paróquia de São Pedro (1968), Residência do Morumbi (1974) e Escola Renovada Aquarius (1974) foram enviados por Bratke para competição e mesmo que o arquiteto alegue repertório distinto, ambos utilizam a técnica construtiva do concreto aparente e estética semelhante aos projetos vitoriosos. Sobre tal questão, Bratke argumenta que apesar de seguirem o racionalismo paulista, não estavam ainda suficientemente iniciados

40, alegando uma preferência por parte do júri a projetos oriundos de arquitetos já consagrados nesta linguagem.

Fig. 3. Paroquia de São Pedro (1968 - 1977), projeto de Carlos Bratke, Renato Lenci e Lauresto Couto Esher no bairro do Morumbi, São Paulo. Fonte: http://www.carlosbratke.com.br/

39 BRATKE, Carlos. Carlos Bratke: arquiteto / architect. 2. ed. ampliada São Paulo: Proeditores,

1999, p.146.

40 BARRETO, Júlio Gadelha. Dissertação de mestrado. Joaquim Barreto: o exercício da criação. São Paulo. FAUUSP, 2011, p.28.

(31)

31

Fig.4. Residência no Morumbi (1974), projeto de Carlos Bratke e Renato Lenci. Fonte:

http://www.carlosbratke.com.br/

Fig. 5. Escola Renovada Aquarius (1974), Projeto de Carlos Bratke e Renato Lenci. Fonte: ARQUITETO Carlos Bratke. São Paulo: Projeto, 1985, (Cadernos brasileiros de arquitetura; 15), p.106.

Como contraponto às impressões de Bratke, um aspecto a ser averiguado trata-se de que em 1979, dois anos após a premiação em questão, o IAB-SP lança o livro “Arquitetura e Desenvolvimento Nacional: depoimentos de arquitetos paulistas”, em que se pretende realizar um balanço da arquitetura nacional até o momento através dos depoimentos de diversos arquitetos. Entre as várias discussões em destaque no livro, estão algumas pautas relacionadas com o dito modelo estabelecido, com o papel social do arquiteto e outros assuntos41

41 O trecho em questão é referenciado em BASTOS, Maria Alice Junqueira. Pós-Brasília: rumos

da arquitetura brasileira: discurso: prática e pensamento. São Paulo: Perspectiva, 2003.p.59.

não em tom de manutenção de corrente hegemônica, mas talvez no objetivo de dar espaço a questões mesmo que já praticadas, ainda não muito discutidas, fato que pode se relacionar ao regime político da época. Discutir

(32)

32 valores em pauta desde décadas anteriores, por mais que consequentemente não dê espaço a questões mais atuais, talvez não indicaria a intenção de excluir estas por uma menor importância, mas sim corrigir um atraso e anos de discussões sufocadas. Ainda assim em alguns momentos os depoimentos realizados dão abertura a discussões sobre a existência de produções marginais, tal como dito por Joaquim Guedes:

Existe uma obra importante que vem crescendo no Brasil, mas que tem toda a característica de obra marginal. É obra marginal, quase obra maldita, dado a excessiva importância do peso histórico-oficial que tem a chamada grande-arquitetura-oficial- brasileira-moderna.42

Os resultado de um concurso, assim como um livro, lida com limitações físicas que obrigam certas escolhas regidas por valores que devem balizar quais são as opções mais apropriadas para o alcance dos objetivos almejados.

Não é possível saber se de fato ocorreu por parte do júri a intenção de dar destaque apenas aos projetos que compartilhassem determinadas características, porém as semelhanças levam a crer que o conjunto de valores que fundamentaram a escolha feita é de que esta era a arquitetura que era a melhor opção no momento e não aquela produzida por membros da geração de Carlos Bratke. As semelhanças entre os projetos premiados e os enviados por Bratke faz possível a dedução de que o patrulhamento não se dava na imposição de uma técnica ou estética específicas e assim, se de fato houve uma intenção de patrulhar, não foram estes os balizadores.

A ausência de vitoriosos entre os contemporâneos de Bratke causa esse estranhamento e, mesmo que essa escolha pode não ter sido intencional, isso indica que se buscou algo que não haveria nestes ou era mais presente nos da geração anterior. Talvez se tratasse de algum tipo de “nepotismo” e não de patrulhamento ideológico; isto é, talvez fosse um favorecimento àqueles que possuem algum tipo de relação ou vínculo com os detentores de poder e influência, no caso o júri. Se ao menos em parte os critérios possuíam fundo político e, se de alguma forma fossem uma resposta à perseguição sofrida,

42Joaquim Guedes” em Arquitetura brasileira após Brasília: depoimentos. Rio de Janeiro:

Instituto dos Arquitetos do Brasil, 1978, p.217.

(33)

33 seria uma confluência no mínimo radical, algo que não seria inesperado no contexto, como aponta Carlos Guilherme Mota:

Nos anos 60, com o colapso do populismo, o fim da era Getulina, a instalação de uma ditadura militar, a abertura para a América Latina, a emergência de novas constelações de intelectuais radicas abriram um novo quadro que possibilitaria a avaliação da trajetória dessa tendência radica em se pensar a produção cultural não dissociada da política, e penetrada por elementos retirados da Antropologia, da Historia, da Sociologia, da Linguística. E uma profunda atenção para a dimensão ideológica de toda e qualquer produção cultural. Nesse sentido, a postura não pode, mais uma vez, deixar de ser definida como: radical. 43

1.1.3. As tomadas de posição e disputas hegemônicas na arquitetura paulista

A insatisfação em relação ao resultado da premiação de 1977 e mesmo a discussão dos não-alinhados são relevantes uma vez que refletem as opiniões de grupos e não apenas as insatisfações pessoais de um indivíduo, de modo que o apontamento de indivíduos diversos contribui para a legitimidade de um acontecimento como representação das características de um período. Além de compor um registro histórico, as reinvindicações costumam obter maiores proporções, alcance e significado quando coletivas, pelos recursos compartilhados e pela somatória de forças, intensificando determinada busca.

As dinâmicas de consenso entre partes autônomas para serem menos conflituosas ou mais eficientes trabalham com sentimentos de identificação, semelhanças de valores e objetivos comuns entre seus membros, utilizando a força da coletividade para benefícios mútuos aos envolvidos. Da mesma forma que os interesses de indivíduos muitas vezes divergem, os coletivos diferem e conflitam, gerando disputas que no campo das artes Bourdieu chama de

43 MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974). 3. ed. São Paulo:

Ed. 34, 2008, p.171.

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