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APÊNDICES E ANEXOS

2 ESTUDOS RELACIONADOS: FÍSICA MODERNA E CONTEMPORÂNEA NO ENSINO MÉDIO

2.1 A abordagem da Física Moderna e Contemporânea no ensino médio

O ensino da chamada Física Moderna e Contemporânea (FMC), que compreende as descobertas e abordagens da Física do início e meados do século XX, no Ensino Médio (EM) tem sido objeto de estudo de pesquisadores e professores que atuam nessa etapa do ensino. Terrazzan (1992; 1994) já via a tendência de se pensar a respeito da atualização dos programas de ensino de Física e apontava a necessidade de se dar maior atenção à inserção da FMC no Ensino Médio (EM).

[...] a prática escolar usual exclui tanto o nascimento da ciência, como a entendemos, a partir da Grécia Antiga, como as grandes mudanças no pensamento científico ocorridas na virada deste século e as teorias daí decorrentes. A grande concentração de tópicos se dá na Física desenvolvida aproximadamente entre 1600 e 1850.

[...]

Assim, os conteúdos que comumente abrigamos sob a denominação de Física Moderna, não atingem os nossos estudantes. Menos ainda os desenvolvimentos mais recentes da Física Contemporânea.

[...]

A influência crescente dos conteúdos de Física Moderna e Contemporânea para o entendimento do mundo criado pelo homem atual, bem como a inserção consciente, participativa e modificadora do cidadão neste mesmo mundo, define, por si só, a necessidade de debatermos e estabelecermos as formas de abordar tais conteúdos na escola de 2º grau. (TERRAZZAN, 1992, p. 209-210)

No mesmo artigo o autor ressalta que, na escolarização formal, a Física do Ensino Médio (2º grau, na época) é o único ou último contato que grande parte dos alunos tem com a ciência Física, incluindo muitos dos que prosseguirão para o nível superior.

Já na virada do século, Ostermann e Moreira (2000) publicaram uma revisão bem completa da literatura acerca da linha de pesquisa “Física Moderna e Contemporânea no Ensino Médio”, que permite avaliar como essa área de pesquisa se desenvolveu até o período. Tal revisão elenca as justificativas para a inserção da FMC no ensino médio, considerando o posicionamento de pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Destaca-se, dentre elas:

a) Despertar a curiosidade e interesse dos estudantes pela ciência, inclusive em relação às carreiras científicas;

b) Reconhecer a Física como empreendimento humano, histórico e atual; c) Promover a compreensão das inúmeras tecnologias relacionadas à FMC;

d) Formar cidadãos esclarecidos sobre o que os cercam;

e) Fazer ponte entre a Física da sala de aula e a Física do cotidiano;

f) Proteger o aluno do obscurantismo, das pseudociências e charlatanices pós- modernas;

g) Apresentar ao aluno a beleza e o prazer do conhecimento, como parte inseparável da cultura, pois, o saber faz o indivíduo livre e valoriza a humanidade.

Além disso, Ostermann e Moreira (2000) ratificaram a tendência de reforma curricular nesse sentido, porém apontaram a carência de trabalhos publicados que abordassem o problema do ponto de vista do ensino e que efetivamente levassem propostas às salas de aula.

Como conclusão deste artigo de revisão da literatura, seria interessante ressaltar que a maior

concentração de publicações aparece na seção 5.1 (“apresentação de um tema de FMC”) em

contraposição com as seções 4 (“concepções alternativas sobre FMC”) e 6 (“propostas testadas em sala de aula”). É possível que isto demonstre uma necessidade de amadurecimento da linha de pesquisa “FMC no ensino médio”. Parece que há muitas justificativas em favor da atualização curricular e até uma bibliografia que apresenta (não tão aridamente como a literatura especializada) temas modernos. Entretanto, colocar todas estas reflexões na prática da sala de aula é ainda um desafio. (OSTERMANN e MOREIRA, 2000, p. 43)

Analisando a literatura, Ostermann e Moreira (2000) identificam, de maneira geral, três principais vertentes para a inserção da FMC no ensino médio, dentre outras que também apontaram: exploração dos limites dos modelos clássicos; não utilização de referências dos modelos clássicos e escolha de tópicos essenciais.

Na época, esperava-se que, a passos pequenos e contínuos, deixasse-se de “salpicar” temas contemporâneos na Física Clássica para, finalmente, “salpicar” temas clássicos na Física Contemporânea1, tendo em vista ainda que talvez seja mais produtiva e efetiva a

abordagem profunda de um número menor de tópicos do que uma vasta introdução de diversos e numerosos assuntos (AUBRECHT, 1989, apud OSTERMANN; MOREIRA, 2000).

Nesse período, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) e as Orientações de Ensino Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCN+), baseados na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que propõem uma reforma curricular para o Ensino Médio brasileiro, dentro da qual se estimula a abordagem da FMC

1 A expressão não pretende depreciar de forma alguma a importância do ensino da Física Clássica, mas apenas

(BRASIL, 1996, 2000 e 2002). Esses documentos serão analisados em maior detalhe capítulo específico.

Houve avanços na década que se seguiu. Superada a fase do levantamento de justificativas, estabeleceu-se certo consenso entre os pesquisadores da área de ensino de Física a respeito da importância de se fazer a inserção da FMC no ensino médio. Identificou-se, ainda, aumento das pesquisas e da elaboração de materiais didáticos voltados para a área. Também notou-se incremento na inserção de temas de FMC nos livros didáticos de Física disponibilizados pelo governo brasileiro para serem adotados nas escolas públicas (MONTEIRO, 2010; LOCH, 2009; SILVA e ALMEIDA, 2011).

A partir do início do século atual, os esforços para inserção da Física Moderna no Ensino Médio apresentaram alguns resultados e tal conteúdo vem sendo inserido com maior intensidade a cada edição dos livros didáticos disponibilizados ao Ensino Médio. (MAXIMIANO et al, 2013)

Apesar dos avanços, Loch (2011) identifica carência de trabalhos em algumas áreas da FMC, que mostrem para os professores do ensino médio um caminho seguro para a inserção desses conteúdos. Já a respeito das pesquisas sobre os livros didáticos, Monteiro (2010) ressalta:

Os resultados das pesquisas em livros didáticos brasileiros revelam uma total desarticulação entre o que sugerem as pesquisas e o entendimento dos autores e editores acerca desses resultados. […] podemos inferir que as abordagens sobre a FMC dos livros didáticos do nível médio continuam problemáticos, tais quais às abordagens contemplando a Física Clássica. Muitos desses problemas contrariam sugestões decorrentes de resultados de pesquisas em educação científica, como também as próprias recomendações contidas em documentos oficiais. (MONTEIRO, 2010, p. 47 e p. 53)

Monteiro et al (2009) constatam que a introdução da FMC no ensino médio não tem ocorrido com a mesma prioridade sugerida pelos pesquisadores. Identificam que, apesar do consenso acerca da importância dessa inserção, de haver propostas interessantes na literatura e até mesmo um aumento nas pesquisas dentro dessa área, pesquisas mostram que uma grande parcela dos professores não tem inserido temas de FMC em suas aulas no ensino médio, embora reconheçam a importância disso.

Os autores analisaram o discurso de um grupo de professores de Física de um município da Região Nordeste brasileira, constando que nenhum deles contempla a FMC em suas aulas, apesar de acolherem a proposição. Investigaram, ainda, os impedimentos para os professores desempenharem o mencionado propósito e ainda em que medida esses impedimentos encontram-se relacionados com o perfil de racionalidade subjacente às

respectivas formações profissionais. Dentre os impedimentos destacados no discurso dos professores, encontram-se a “falta de tempo”, a priorização de “conteúdos clássicos”, “as dificuldades” ou “falta de base” dos alunos e a “falta de formação dos próprios professores” nos temas de FMC.

Relacionando esse discurso à racionalidade técnica própria da formação desses professores, os autores concluem que, para a FMC adentrar as salas de aula da educação básica, certamente faz-se necessário que os pesquisadores considerem as reais condições dos professores que nelas atuam. Destacam, também, ser necessário que a própria estrutura curricular dos cursos de formação distancie-se da racionalidade técnica e propõem alternativas viáveis para iniciar esse debate. (MONTEIRO et al, 2009).

Dentro deste contexto, Brockington e Pietrocola (2005), sob a luz da Teoria de Transposição Didática, classificam as propostas de ensino da Física Moderna em dois grandes grupos: i) as mais alinhadas com as exigências do saber científico, isto é, mais próximas do que é feito no ensino universitário; e ii) as que buscam se alinhar com o que é feito no ensino da Física clássica no ensino médio. Os autores apontam os problemas de cada abordagem: na primeira, exclui-se tanto professores de Física quanto estudantes do ensino médio que não tenham a formação e pré-requisitos adequados para essa abordagem mais formal; na segunda, corre-se o risco de, nas palavras dos autores, “vender vinho novo em garrafa velha” e, até mesmo, tornar o ensino da FMC tão “chato e maçante” quanto o da Física Clássica. (BROCKINGTON e PIETROCOLA, 2005)

No que se refere às dificuldades encontradas pelos professores para o ensino da FMC no ensino médio, um quadro semelhante foi obtido por Oliveira et al (2007), onde foram entrevistados 10 professores que atuam no ensino médio, público e privado, da cidade do Rio de Janeiro, sendo que 7 deles nunca trabalharam com Física Moderna no ensino médio e os outros 3 fizeram uma abordagem bem superficial.

Apesar de nunca terem trabalhado formalmente com tópicos de Física Moderna, a maior parte dos professores se mostrou favorável à sua utilização no ensino médio. Outros, entretanto, apontam problemas como o programa dos exames vestibulares e a carga horária reduzida de Física no ensino público como fatores de limitação para a abordagem desses tópicos na atual conjuntura. (OLIVEIRA et al, 2007, p. 451. Grifo nosso.)

Os pesquisadores identificaram ainda uma postura claramente diferenciada entre a atuação junto à rede pública ou privada.

Os professores em sua maioria indicam as instituições públicas como o melhor local para se introduzir o assunto. Mostram que fatores como o descompromisso com o vestibular, principalmente no ensino público noturno, flexibilidade curricular e a autonomia dos professores contribuem de forma significativa para essa escolha, apesar de indicarem que a carga horária de dois tempos por semana em cada turma para a disciplina Física na grade curricular do Rio de Janeiro é muito pouco para trabalhar mais um item no currículo. Quanto ao ensino particular em geral, onde a preparação dos alunos para os exames vestibulares é prioridade e tópicos de Física moderna e contemporânea não fazem parte da grade curricular das escolas do estado do Rio de Janeiro, a maioria dos professores considera impossível trabalhar esse assunto em detrimento dos tópicos que são cobrados nessas provas. (OLIVEIRA et al, 2007, p. 453)

Pelas características comuns entre o sistema público de ensino do Rio de Janeiro e os de outras cidades do país, é de se esperar que essa postura diferenciada dos professores ao lecionar na rede pública ou privada ocorra em outras cidades, como em Brasília, por exemplo, que, aliás, também conta com carga horária de apenas duas aulas semanais reservadas para a Física no ensino médio da Rede Pública de Ensino.

Os conteúdos cobrados em exames de seleção para o nível superior é preocupação recorrente entre os professores, que sabem muito bem do interesse de seus alunos em dar continuidade aos estudos. Assim, esses exames acabam influenciando o planejamento das aulas tanto no que se refere aos conteúdos abordados quanto na forma em que se dá essa abordagem.

Ciente disso e de que a partir de 2009 diversas medidas do governo têm estimulado a adoção do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como único instrumento de seleção para ingresso no ensino superior, a Sociedade Brasileira de Física (SBF) emitiu em 2014 uma carta aberta ao órgão organizador do ENEM, reconhecendo a importância do exame, mas salientando a necessidade de se aprimorá-lo.

Nas últimas duas edições do exame 40% das questões referem-se à Mecânica, enquanto não há questões de Física Moderna. Se o ENEM se transformar em único instrumento de avaliação, uma consequência natural desta opção com um domínio de questões de Mecânica é que a Física Moderna será banida da educação básica, o que é particularmente grave em um país que pretende ser protagonista em ciência e tecnologia. (SBF, 2014)

Todo o contexto relatado acima revela que, embora se tenha avançado nas últimas décadas, ainda é importante continuar investindo nas pesquisas e proposições de novas abordagens para a inserção da FMC no ensino médio. Assim, buscou-se na literatura por mais insumos que orientassem a elaboração de um produto educacional voltado a colaborar para essa finalidade.