• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 DIDÁTICA E EPISTEMOLOGIA NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA: marcos históricos e concepções hegemônicas.

2.3 A ABORDAGEM FENOMENOLOGICA FUNDAMENTANDO A CONCEPÇÃO HUMANISTA MODERNA

Tendo esclarecido acerca o primeiro momento mencionado, volta-se o olhar para o segundo, que é entendido conforme o modelo populista de Getulio, onde é evidenciado que os fundamentos filosóficos da referida concepção, não se encontram ligados mais ao racionalismo, ao cultivo da intelectualidade em si, mas sim, aos princípios humanistas da escola nova.

E a educação no quadro discutido é marcada pela concepção moderna que segundo Saviani:

Se baseia numa visão de homem centrada na existência, na vida, na atividade. Se na visão tradicional, a educação centrava-se no adulto (no educador), no intelecto, no conhecimento, na visão moderna o eixo do processo educativo se desloca para a criança (o educando), a vida, a atividade. Portanto não se trata mais de obedecer a esquemas predefinidos, seguindo uma ordem lógica, mas de seguir o rítmo vital que é determinado pelas diferenças existenciais ao nível dos indivíduos, predominando, pois o aspecto psicológico sobre o lógico (1984, p.276).

Com base nos pressupostos discutidos acima, é entendido que quando a concepção escolanovista, fundamenta-se em princípios democráticos valorizando a individualidade das crianças, e defendendo a liberdade e autonomia, no contexto social capitalista, é atribuÍdo ao professor o papel de facilitador de aprendizagem, condenando a transmissão dos conteúdos e privilegiando o processo de construção individual.

O fato acima mencionado afirma a realidade de que esta concepção ora discutida, encontra seus fundamentos epistemológicos na psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem.

Na direção vislumbrada no parágrafo anterior, é entendido que a educação nesta perspectiva, é vista como o espaço onde o aluno é considerado sujeito da aprendizagem e desse modo, o professor e a matéria deixam de ser o centro das atividades para dar lugar ao aluno que passará a exercer o papel de investigador.

Ao aluno é, então, concedido o poder de ação dentro de seus interesses, ou seja, o aluno pode ter liberdade de escolha, e de acordo com as idéias de Rousseau, em cuja obra, “O Emílio”, nos apresenta a seguinte visão de educação:

Nascemos fracos, precisamos de força, nascemos desprovidos de tudo, nascemos estúpidos, precisamos de juízo. E que tudo nos é dado pela educação. O autor continua -.Essa educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas. O desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a educação da natureza; o uso que nos ensina fazer desse desenvolvimento é a educação dos Homens, e o ganho de nossa própria experiência sobre os objetos que nos afetam é a educação das coisas (1979, p. 11).

Concorda-se aqui com Rousseau quando esse fala a respeito da importância da educação. Porém, entende-se que a educação não é provedora de tudo como afirma esse autor. Mas, é o meio que possibilita ao homem se organizar para buscar tudo o que lhe é necessário para viver, desde as necessidades materiais como as necessidades morais.

Assim a pode-se considerar que a educação é produtora do homem, e ao mesmo tempo o produz, passando pelo desenvolvimento intelectual por intermédio dos sentidos, e paralelamente sendo experiênciada na relação do sujeito com os objetos que compõem o universo.

Aqui em conformidade com o sentido da visão em questão, argumenta-se então que nesta direção enfatiza-se o caráter técnico-prático a favor do uso de técnicas, com o objetivo de orientar e incentivar o aluno na construção do conhecimento, em direção do desenvolvimento da inteligência da criança e conseqüentemente a formação da personalidade das mesmas.

O professor exerce o papel daquele que orienta, incentiva e controla a aprendizagem, constantemente em uma direção adequada para o aluno. Assim o ensino passa a ser considerado um processo de pesquisa empírica, que com o discurso democrático, atribui o professor um papel autoritário, de quem controla a aprendizagem do aluno.

Nesta realidade urge um novo perfil de homem, que faz valer seus direitos. É proposto também o desenvolvimento da proposta de alcançar, soluções para os problemas encontrados nas atividades do interior da escola, erradicando os problemas educacionais, no contexto onde se encontra inserido, independentemente da realidade social política e econômica do contexto histórico vivenciado.

A educação nesse momento centra-se no ensinar bem, independentemente do número de pessoas que tenham acesso à qualidade da mesma, dessa forma é promovida a elitização da qualidade da educação.

Quanto à fundamentação epistemológica da Didática como disciplina e como forma de ensinar adotada no ensino superior brasileiro, neste momento, enfatiza a visão da prática, de forma que centrada na técnica é responsável pelo

desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, que dicotomizando a teoria- prática, assume um caráter de neutralidade tanto na forma de ensinar como no conteúdo ensinado.

Este entendimento pode ser fundamentado no pensamento de Veiga quando esta afirma que:

A Didática, nesta concepção, é entendida, como um conjunto de idéias e métodos, privilegiando a dimensão técnica do processo de

ensino, fundamentada nos pressupostos psicológicos e

experimentais, cientificamente validados na experiência e construídos em teoria, ignorando o contexto-sócio-político- econômico (1995, p.32).

Aqui estabelece uma ruptura entre a postura do formalismo lógico e o processo psicológico.

A este respeito Candau afirma que a grande contribuição desta prática entendida no Brasil como escolanovista consiste na proposta seguinte:

Criticar o formalismo lógico da teoria do método único à partir de uma descoberta que é muito importante para a Didática, e que é característica do chamado mundo moderno, uma das suas grandes descobertas: a atividade do sujeito no ato de conhecer a subjetividade humana. O escolanovismo traz esta descoberta para o âmbito da educação e da Didática, afirmando exatamente a subjetividade e a atividade do sujeito da aprendizagem, como estruturante do método Didático (1994, p. 29,30).

Neste contexto a Didática se fundamenta também em princípios liberais e pragmáticos autoritários, e isto se torna visível quando esta prioriza os processos metodológicos em detrimento da atenção ao contexto social e político vivenciado e também à aquisição do conhecimento.

Quanto ao aluno, é considerado sujeito da aprendizagem e em relação ao professor e matéria são entendidos como parte do processo de aprendizagem Assim, o aluno é visto como figura central, e exerce o papel de investigador que tem o poder de ação conforme seus interesses, ou seja, o aluno tem liberdade de escolha.

Nesta direção, valoriza-se ainda a qualidade, em detrimento da quantidade caracterizando uma postura prático-técnico do processo ensino-aprendizagem justapondo teoria e prática na Didática ensinada como na Didática adotada cujos fundamentos

epistemológicos são originados em uma filosofia a serviço de interesses que caracterizam neutralidade por parte do sujeito.

Assim, tendo seus fundamentos não mais nos princípios lógicos, mas sim em uma lógica psicológica, o conteúdo da disciplina Didática é norteada por norte-americanos como Dewey, que por meio de uma proposta de respeito à individualidade e liberdade do aluno entende o ensino como processo de pesquisa, onde professor e aluno são envolvidos em um clima de sintonia, para que o professor possa orientá-lo à direção conveniente.

Segundo Libâneo:

Dewey e seus seguidores reagem à concepção herbartiana da educação pela instrução, advogando a educação pela ação. A escola não é uma preparação para a vida; a educação é o resultado da interação entre o organismo e através da experiência e da reconstrução da experiência. ... a atividade escolar deve centrar-se em situações de experiência onde são ativadas as potencialidades, capacidades, necessidades e interesses naturais da criança. O currículo não se baseia nas matérias de estudos convencionais que expressam a lógica do adulto, mas nas atividades e ocupações daquela vida presente, de modo que a escola se transforme num lugar de vivencia daquelas tarefas requeridas para a vida em sociedade. O aluno e o grupo passam a ser centro de convergência do trabalho escolar (1991, p. 62).

Analisando a Didática vista sob este prisma, é possível entender que a mesma encontra suas raízes filosóficas, nas matrizes fenomenológicas, concepção que fundamenta o caminho que possibilita abertura ao sujeito para a elaboração de seus conceitos sobre os fenômenos estudados, apropriando-se dos mesmos, por meio da busca da compreensão, interpretação, que caminhará para outra possibilidade de interpretação.

Sendo assim, visa por meio da crítica o desprendimento de preconceitos sobre o fenômeno estudado, e buscando a conscientização sobre o mesmo, por intermédio da descrição e interpretação do objeto de estudo.

Ainda nesta perspectiva, é dada ênfase na busca da essência do fenômeno, por meio da interpretação do sujeito que procura desvelá-lo, com o desejo de descrevê-lo, e apresentá-lo como é, em sua experiência pura, de acordo com sua intencionalidade.

Privilegiando o sujeito, “o indivíduo”, entende-se que nesta direção realiza-se uma crítica ao positivismo, quando entende que este procura exaltar o conhecimento em seu

aspecto quantitativo, como “soma de informações”, promovendo o desencontro com o pensamento de construção de conhecimento por meio da interpretação, da experiência vivida e, principalmente, da intencionalidade.

Nesta ótica compreendida como fenomenológica entende-se que o predomínio no pensamento qualitativo, baseando no que Triviños diz que:

A fenomenologia exalta a interpretação do mundo que surge intencionalmente à nossa consciência. Por isso, na pesquisa, eleva o ator, com suas percepções dos fenômenos, sobre o observador positivista (1987, p. 47).

Neste mesmo sentido, Triviños continua afirmando:

Percebe-se que, da análise dos conceitos fenomenológicos em nenhum momento esta corrente do pensamento está interessada em colocar em relevo a historicidade dos fenômenos. A busca da essência, isto é, o que o fenômeno verdadeiramente é, depois de sofrer um isolamento total, uma redução, eliminando o eu que vivência e o mundo com seus valores, cultura etc.(ibidem)

Diante do exposto, pode-se perceber uma crítica à fenomenologia, e conseqüentemente a Didática vista à luz da referida concepção, por entender que nesta direção não é dado privilégio a historicidade dos fenômenos, e conseqüentemente, deixam de ser considerados fatores que se referem às relações político-ideológicas que podem estar influenciando ou talvez determinando o objeto a ser estudado.

É com fundamentação no eixo filosófico acima explícito, que no referido momento da educação brasileira se dá o inicio da reconstrução da escola pública neste país, sendo que a educação é entendida como ação política contra a ordem vivenciada.

Aqui neste momento da história brasileira, é adotado o regime universitário para o Ensino Superior, bem como a organização da primeira Universidade brasileira, a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

Urge lembrar que nesse contexto a Didática se localiza como disciplina dos cursos de formação de professores de nível superior, ficando assim o magistério com a responsabilidade de renovação do ensino de acordo com a necessidade de sustentar a nova política vivenciada.

cursos de licenciaturas. Em abril de 1939, o Decreto-lei nº 1190, que estendeu a formação de professores ao ramo de ensino normal, paralelamente, nesse momento é criada a seção de Pedagogia na Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro como modelo para todo o país.

Ainda neste mesmo momento, a Didática pela primeira vez foi instituída como curso e disciplina. Sendo o curso composto pelas disciplinas: Didática Geral e Didática Especial, que substituíam a metodologia do ensino secundário, juntamente com outras disciplinas articuladas às questões pedagógicas.

Diante da realidade apresentada enfatiza-se que o referido curso substitui a anterior formação para o magistério, como curso independente, ficando, portanto, aberto às pessoas que concluírem o bacharelado, para que, com mais um ano de Didática o aluno fosse considerado licenciado, e habilitado a lecionar contribuindo para formar pessoas para trabalharem na realidade política do contexto social, do Estado Novo.

Promove-se assim, a manutenção da sociedade por meio da educação, utilizando as técnicas a fim de enfatizar o processo educativo, direcionado ao atendimento do objetivo de fazer da escola mantenedora do status quo, por meio da distinção entre o trabalho intelectual e trabalho manual.