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CAPÍTULO 1 AS TEORIAS CLÁSSICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM E SEUS PRESSUPOSTOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS.

1.2 CONTRAPOSIÇÃO ENTRE OS PENSAMENTOS PATRÍSTICO E TOMISTA

Caminhando para o entendimento de um outro período da história, é necessário enfocar que, por volta de (322 a.C.), encontra-se o período chamado helenístico ou alexandrino, que se inicia com a conquista da Grécia pela Macedônia nesse momento, a cultura Grega Clássica vive um período de disseminação pelo mundo mediterrâneo, ao mesmo tempo em que, de certa forma, perdia a consistência em território grego. No processo de interação entre a Grécia clássica e a cultura oriental, promove-se o ensino enciclopédico ao homem livre, provocando, assim, outros rumos aos ideais dos gregos, novo estilo de vida, formando no homem um espírito erudito, universal.

Os pensamentos que predominam neste período provêm dos fundamentos de Platão e Aristóteles, dirigidos por seus discípulos, acrescentando-se o estoicismo, sustentado em uma visão de austeridade física e moral, indiferente à dor, e baseado na resistência do homem e firmeza de alma, que o deixa resistente aos sofrimentos e males da vida. E ainda o epicurismo ou hedonismo, em defesa da busca do prazer pelo homem, considerando essa busca como atitude virtuosa, vinculando-se o prazer ao bem e a dor ao mal. Há também o ceticismo, propondo a negação ou a dúvida de todas as possibilidades, inclusive a do conhecer.

Com a expansão militar de Roma, que se inicia por volta de 264 a.C., estendendo-se até 530 desta era, pode-se concluir, cronologicamente, como um longo período da história, quando a cultura grega, entendida como pagã e assimilada pela cultura romana, vai-se diluindo, dando espaço ao dogma cristão.

No decorrer do contexto em questão, é possível apontar um segundo momento que determina a continuidade da cristalização das duas visões de mundo contraditórias que apontavam para consolidação das direções opostas, que neste momento da historia foram definidas pelo pensamento de Agostinho em contraposição ao pensamento de Tomás de Aquino.

Assim, entende-se que no referido contexto, o cristianismo, ou filosofia cristã, sob a influência dos estóicos, buscou adaptar a filosofia grega aos dogmas da doutrina cristã, também sob duas vertentes, a primeira na direção de pensamento idealista, que defende a

idéia de que as pessoas aprendem na alma. E a segunda, fortalece a idéia da aprendizagem como fruto da experiência.

As vertentes mencionadas aqui são entendidas a partir de reflexões que acerca do pensamento de Agostiniano De Magistro, caracterizado pela defesa do essencialismo socrático-platônico. E a partir do pensamento de Tomás de Aquino, que no decorrer de sua existência defende a idéia da natureza realista moderada.

Continuar esta reflexão implica refletir acerca da primeira visão de mundo predominante no momento em questão, que como já foi dito da seqüência a direção de pensamento essencialista. Portanto, urge destacar que na idade média, Santo Agostinho como um grande discípulo do platonismo, organiza a concepção filosófica que se torna reconhecida como a doutrina da igreja católica, por muito tempo.

Falar da concepção filosófica de Agostinho implica destacar que este concebe o homem como uma alma que se utiliza do corpo para estar presente na vida terrena, comandando o corpo, que tem de seguir o princípio ético de fazer o bem, sempre evitando o mal e, assim, vive envolto por conflitos, por inquietações, devendo ser formado para a disciplina, com o reconhecimento de que seu fim último é Deus e que os outros não passam de caminhos para alcançá-lo.

Defende-se aqui a idéia de que a pessoa que encontrar Deus encontrará a verdade, e este momento só acontece quando o homem volta a sua interioridade, pois o homem como um ser miserável, que só pode ser salvo pela graça divina, feito à semelhança de Deus, mas, com possibilidades de se afastar dele.

Conforme Pessanha, Agostinho afirma que:

O homem é tão mutável quanto as coisas dadas à percepção; justamente por isso ele se inclina reverente diante da verdade que o domina. Assim, só haveria uma resposta possível: a aceitação de alguma coisa transcendente à alma individual que dá fundamento à verdade. Seria Deus (1980, p.16).

Nas concepções de homem apresentadas por Agostinho, já fica implícita sua visão de educação, que está confiada a Deus, que é a verdade. E sendo assim, só ele tem a cátedra nos céus que o permitem ensinar a verdade sobre a terra; E o homem está para a cátedra, como o agricultor para a árvore.

Enfim, para Agostinho, nada, exceto Deus, pode informar a mente do homem, pois ele entendia a educação como “iluminação interior” ou como “voltar-se para dentro”, onde as palavras têm a finalidade de suscitar recordações sobre as coisas das quais as palavras são sinais.

Com Agostinho, a patrística transforma completamente a pedagogia, aristotélica que defendia a idéia de que um homem pode aprender alguma coisa com o outro homem. Assim ele propõe sua pedagogia, com base na contemplação, que passa a ser fundamental no processo educacional.

É importante lembrar o entendimento de que a educação no mencionado contexto encontra-se presente nos parâmetros de ensino brasileiro, desde que quando a educação aqui tinha como objetivo a dominação utilizando a instrução viabilizada por um plano de instrução fundamentado na Ratio Studiorum, que atende intencionalidades políticas do cristianismo, tendo em vistas à formação do homem universal humanista e cristão, propõe um ensino enciclopédico, intelectualista com característica dogmática.

Assim, agostinho afirma o pensamento socrático-platônico, e evidencia o fato de que o processo educacional inicia-se com uma situação em que o homem se sente aflito e, a partir dessa aflição, busca respostas por meio da contemplação, na disciplina cristã, enfim, nos princípios religiosos. Para tratar da pedagogia que propõe, Agostinho escreve a obra “O mestre” (De Magistro), que consiste em um diálogo entre ele e seu filho Adeodato, conforme a tradição platônica.

Agostinho, por meio da referida obra, afirma que é de competência do professor apresentar, estimular e despertar os discípulos por meio de palavras. E, para que eles aprendam, é necessário que possam verificar se o que lhes falam é realmente verdadeiro, por meio da consulta a seu interior, onde Cristo habita, pois só Ele é a verdade da sabedoria eterna imutável.

Para finalizar a obra De magistro, Agostinho afirma que:

Erram, pois, os homens ao chamar de mestres os que não são, porque na maioria das vezes entre o tempo da audição e o tempo da cognição nenhum intervalo se interpõe; e porque como depois da admoestação do professor, logo aprendem interiormente, julgam que aprenderam pelo mestre exterior que nada mais faz do que admoestar... (1980, p.323-324)

E continua sua fala, dizendo que:

... a verdade está escrita nos livros sagrados que não se chame a ninguém de mestre na terra, pois o verdadeiro e único Mestre de todos está no céu. Mas o que depois haja nos céus, no-lo ensinará Aquele que, também por meio dos homens, nos admoesta com sinais, e exteriormente, a fim de que, voltados para ele, interiormente sejamos instruídos (1980, p.323- 324).

Após fazer as afirmações acima, Agostinho encerra a obra pedindo a Deodato para dar suas impressões sobre todo o exposto, e seu filho Deodato responde (ibidem):

Eu, na verdade, pela admoestação de suas palavras aprendi que estas não servem senão para estimular o homem a aprender, e que já é grande coisa, se, através das palavras transparecesse um pouquinho do pensamento de quem fala. Se depois foi dita a verdade, isto no-lo pode ensinar somente aquele que, falando por fora, avisa que habita dentro de nós; aquele que, por sua graça, hei de amar tanto mais ardorosamente quanto mais eu progredir no conhecimento.

Após refletir acerca questões que permeiam o pensamento de Agostinho, busca-se nesta análise seguir o curso da história ponderando que posteriormente, com a invasão dos bárbaros e a queda do império romano, ainda nesse período, mais precisamente nos séculos V, VI, VII, evidencia-se o estudo das ciências da natureza, da lógica das matemáticas, da literatura, retórica, astronomia e música, por intermédio de pensadores cristãos, que transmitem os pensamentos gregos a serviço da fé e da razão.

Nesse contexto, é marcante a presença do pensamento de Aquino, que, no movimento escolástico, combatendo Agostinho, retoma o pensamento de Aristóteles, também a serviço da defesa dos interesses católicos, principalmente no que diz respeito ao saber.

Aquino enfatiza a importância da realidade sensorial, por meio da reflexão sobre princípios básicos que utilizou para elaborar argumentos que provassem a existência de Deus.

A diferença existente entre o homem e os outros animais pode ser expressa na concepção de Aquino

... alma intelectiva, sendo compreensiva dos universais, tem faculdade para infinitas coisas. E, por isso, a natureza não lhe podia estabelecer determinados conhecimentos naturais, ou ainda, determinados auxílios de defesa ou de proteção, como para os outros animais, cujas almas têm apreensão para cousas particulares. Mas, em lugar de tudo isso, o homem tem naturalmente a razão; e as mãos, órgãos dos órgãos, e com elas pode preparar para si instrumentos de modos infinitos e com infinitos efeitos (1980, p. 663).

Assim, entende-se que a singularidade do homem perante outros seres era concebida devido ao fato de o mesmo ter dois elementos sui generis: a razão e as mãos tornaram-se assim, inovador em relação à tradição helênica, desde que, abrindo para homem o campo do fazer instrumental ilimitado, cria-se uma multiplicidade de possibilidades sociais nas relações estabelecidas entre as culturas vivenciadas no processo de evolução da história da humanidade, dando valor ao trabalho nas relações do homem com a natureza. Ou seja, relações matérias e ciclo social reprodutivo humano.

Dessa forma, em consonância com as idéias defendidas por Aristóteles, Aquino, defende o pensamento de que pela solidariedade da razão e das mãos, o ser homem é diferenciado, pois possibilita a dialética, ação transformadora. Sobre esse pensamento Barros afirma que:

O tomismo não exige do homem a impassibilidade, mas simplesmente uma disciplina que assegure em tudo a supremacia da razão... Sendo esta doutrina humana e equilibrada (1996, p. 277).

Pondera, ainda, que Tomás de Aquino diz que:

Pelo livre – arbítrio, tornamo-nos, portanto, responsáveis pelos nossos actos, que escolhemos como quisermos entre vários actos possíveis. Por ele temos o poder, glorioso e temível, de cooperar livremente no plano divino de que fazemos parte, ou de nos furtarmos a essa colaboração... A inteligência pertence ao homem, e, no terreno da ação, se deixa influenciar pelas suas afeições quando julga e compara coisas que lhe tocam de perto (ibdem., p.274).

A respeito da concepção de educação, que remete a concepção de ensino e aprendizagem, Aquino expressa, no “De magistro”, sua oposição às doutrinas dominantes na época, a partir de sua defesa da unicidade da alma no homem, ou seja, do entendimento de que o espírito integrado à matéria é revolucionário em relação ao cristianismo

excessivamente espiritualista defendido naquela época, como a existência de um só intelecto para todos os homens.

Nesse sentido, afirma a superioridade do ensino em oposição à aquisição do conhecimento por si próprio, considerando que o ensinar é, ao mesmo tempo, de caráter ativo e contemplativo, e que o intelecto ilumina tudo o que vê. Assim, o conhecimento inicia-se na apreensão da imagem dada pelos sentidos, possibilitando uma ação intelectual intencional, que formará o conhecimento caracterizado por apropriação abstrata.

Pensar a concepção de educação segundo Aquino é pensar a condução da potência ao ato, feita pelo aluno, em que ao professor, no lugar de uma transmissão mecânica, cabe a emissão de sinais, opondo-se em relação à aquisição do conhecimento adquirido de forma mecânica, e com fim em si próprio. Pensar o ensino e a aprendizagem por este prisma remete a uma reflexão acerca dos fundamentos da educação atual que defende a construção do conhecimento por intermédio da atividade do aluno, negando a aprendizagem adquirida por meio da fala do professor exercendo uma superioridade em relação ao aluno que por sua vez, é entendido como um ser passivo, frente aos conteúdos ensinados.

Nesta direção, Aquino em suas objeções apresentadas no Iº artigo do De magistro, diz que:

Se um homem ensina a outro homem, é necessário que torne conhecedor em ato aquele que é conhecedor em potência. Daí que é necessário que seu conhecimento seja conduzido de potência a ato. Mas é necessário que se mude. Daí que a ciência e a sabedoria sofreriam mudanças o que contrariam o que diz Agostinho “Quando a sabedoria se achega a um homem não é ela, mas ele que sofre a mudança”. ... O conhecimento é assimilação da coisa conhecida pelo cognoscente. ... Ninguém aprende da fala de outra coisa que, antes da fala, teria respondido se fosse interrogado Mas o discípulo, mesmo ante que o mestre fale, responderia, se interrogado sobre aquelas coisas que o mestre propõe. Não aprenderia da fala do mestre se não soubesse que as coisas são assim tais como o próprio mestre propõe. Portanto, um homem não é ensinado pela fala de outro homem (2001, p.29).

Ainda nessa obra, no artigo IV, refletindo sobre a educação, é colocado em questão o ensinar, como um ato de vida contemplativa ou de vida ativa. Nas respostas às objeções,

Aquino, mais uma vez, deixa clara sua concepção de educação,quando fala sobre o ensino, afirmando que,

A visão do professor é o princípio do ensino, mas o próprio ensino consiste mais na transfusão do conhecimento das coisas vistas do que em sua visão. Daí que a visão do professor pertença mais à contemplação do que à ação. Aquino ainda continua afirmando que,

a vida contemplativa é o princípio do ensino, como o calor não é o esquentar, mas o princípio do esquentar. Ora, a vida contemplativa é o princípio da vida ativa, enquanto a dirige, como ao contrário: a vida ativa dispõe da contemplativa (ibdem, 62).

Utilizando o método do diálogo, anunciando sua tese, dando voz ao adversário, contestando e posteriormente apontando soluções, Aquino demonstra sua visão de mundo, sua vontade inovadora sobre o mesmo, tendo como instrumento a educação que, para ele, é feita de forma teórica e prática. Assim, aqui é valorizado tanto o trabalho manual como parte do exercício do pensamento.

Vale aqui esclarecer a marcante oposição entre o pensamento da patrística e o de Aquino, que na idade média dão continuidade a oposição estabelecida na Grécia clássica, entre as idéias essencialista socrático-platônico, e as existencialista epicurista-aristotélico.

O primeiro, direciona ao entendimento de que o fenômeno da aprendizagem não depende da atividade do homem, mas sim, da contemplação em busca do auto- conhecimento como o encontro com sua essência, por meio da reflexão.

E o segundo, em oposição a patrística defende a idéia de que a aprendizagem não é fruto só da contemplação, mas sim do caráter ativo em consonância com o contemplativo, por intermédio dos órgãos do sentido. Onde a aprendizagem não é gratuita vindo da alma. Mas sim, fruto da experiência do homem no meio em que vive. Diante dessa visão da aprendizagem, conclui-se que o ensino não acontece somente por meio da fala, mas também por intermédio da ação.

Conforme as analises ora realizadas, torna-se evidente que no decorrer da historia das teorias do ensino e aprendizagem até então não predomina uma direção filosófica, mas

sim, é afirmada uma contradição de pensamentos onde um busca se impor em negação ao outro.

1.3 O RACIONALISMO DE DESCARTES EM CONTRAPOSIÇÃO COM O