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CAPÍTULO 2 DIDÁTICA E EPISTEMOLOGIA NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA: marcos históricos e concepções hegemônicas.

2.1 A CONCEPÇÃO MEDIEVAL CATÓLICA TRIDENTINA

A caminho da direção proposta neste estudo, pode-se enfatizar que, no Brasil, a universidade tem suas origens no período colonial, mesmo considerando que, no mencionado período, ela não foi formalmente constituída.

Funcionando nos colégios jesuítas, por intermédio da Companhia de Jesus, acontece o Ensino Superior oferecido pela igreja católica. Priorizando a formação dos padres para continuarem cumprindo os interesses da metrópole, objetivara explorar a colônia, por intermédio das atividades missionárias que proporcionavam a manutenção dos quadros do aparelho repressivo dominante, ilustrando os homens das classes dominantes, para que atuassem nas escolas, que visavam funcionar como aparelho de repressão da metrópole, visando à exploração da colônia.

No que se refere ao contexto, ora analisado, Cunha afirma a respeito do papel da Companhia de Jesus, no que se relaciona à educação, e tinha como atividade educacional principal:

... a catequese dos índios enquanto que os padres seculares dedicavam-se, quase que exclusivamente, aos serviços religiosos nos latifúndios, como capelães residentes, e nos centros urbanos, como párocos. Na retaguarda

da atividade missionária, os jesuítas mantinham, nos centros urbanos mais importantes da faixa litorânea, colégios para o ensino das primeiras letras, para o ensino secundário e superior. Eles se destinavam a cumprir tripla função: de um lado, formar padres para a atividade missionária,; de outro, formar quadros para o aparelho repressivo ( oficiais de justiça, da fazenda e da administração ); de outro ainda, ilustrar as classes dominantes no local, que fossem os filhos dos mercadores metropolitanos aqui residentes. A integração dessas funções assim variadas ficava garantida pela presença, no currículo desses colégios, das ideologias e das práticas letradas comuns a cultura das classes dominantes, às diversas especialidades da burocracia estatal e a organização da própria ordem

religiosa que as ensinava (1980, p. 23).

De acordo com os moldes da educação aqui referida, visando a um ensino superior, criam-se os cursos de filosofia e teologia, para cujo acesso, a pessoa submetia-se a uma criteriosa seleção. Vale considerar que as referidas escolas visavam atender a uma elite. Convém, ainda enfatizar que a igreja católica encontrava-se, naquele contexto, comprometida e aliada aos interesses da coroa portuguesa.

As escolas, criadas pelos jesuítas, desenvolviam seu trabalho pedagógico com base em normas cujos fundamentos advinham da proposta da Ratio Studiorum, que de acordo com Cunha:

Esse tratado previa um currículo único para os estudos escolares, dividido em dois graus, supondo o domínio das técnicas elementares da leitura, escrita e cálculo. Os studia inferiora, correspondentes, grosso modo, ao atual ensino secundário, e os studia superiora, correspondendo aos estudos universitários (1980, p.25).

No decorrer da história da universidade brasileira, após o período onde predominava o ensino dos jesuítas, pode-se entender como período pombalino, conforme o pensamento de Cunha (1980); pode-se ainda entender que o ensino superior completo passa a durar sete anos seriados, no mínimo. Seguindo os estatutos que propunham a vivenciar minuciosos e rigorosos exames por parte tanto dos estudantes como dos professores.

Naquele período, vivenciava-se o liberalismo econômico, que propunha o livre comércio entre as nações e proporcionou novas relações econômicas entre a metrópole e a colônia brasileira, porém sem alterar nos vínculos de dominação política.

O fato acima mencionado norteia a educação brasileira, a filiação a idéias progressistas, oriundas do pensamento do Padre Antonio Verney, cuja inspiração

encontrava-se no pensamento de John Locke, que inspirava a elaboração de uma ideologia capitalista que, segundo Cunha defendia a idéia de que:

O conhecimento não deve ser retirado dos livros, nem das pessoas consideradas sábias, mas da natureza. Suas idéias devem ser estudadas, não só para aumentar o conhecimento sobre o mundo, mas sobre o homem, como também para permitir maior eficiência na sua exploração. Esta é a principal função reconhecida ministrada no seminário (1980, p. 610).

Na seqüência das análises que tem respaldado este estudo, mister se faz considerar outro momento da história brasileira: o período à partir de 1808, ano da vinda de D. João VI aqui apontou, efetivando a transparência da sede do poder e da elite portuguesa.

Assim tendo o Brasil que abrigar a corte, tornou-se imperiosa a criação de escolas, para atender às necessidades do estado que nascia, e, conseqüentemente, de mais cursos superiores, para formar profissionais imprescindíveis, como médicos, engenheiros, advogados.

No plano ideológico, essas escolas buscavam formar especialistas para a agilização da produção de bens de consumo, a fim de atender a classe dominante. Dessa forma, buscava-se formar profissionais liberais, qualificando a elite para o exercício do poder.

Conforme afirma Cunha:

À partir de 1808, foram criados cursos e academias destinadas a formar burocratas para o Estado e especialistas na produção de bens simbólicos; como subproduto, formar profissionais liberais (1980, p.67).

É necessário entender que, durante muito tempo, no contexto da história do Brasil, não existiram escolas com estrutura de universidade, mas considerando os conteúdos que eram ensinados, os métodos de ensino que eram adotados, foram constituindo-se em um modelo de escola cujas raízes podem ser encontradas as idéias das universidades da Europa, tendo como parâmetro, a universidade de Coimbra.

Conforme exposto no parágrafo anterior, o que se vê nesse contexto, bem como posteriormente, no contexto republicano, é a formação de faculdades isoladas, que objetivavam desenvolver aulas fundamentadas no conhecimento técnico.

Diante do atual contexto político, social e econômico, percebe-se a procura de superar o modelo tradicional imposto pelo clero, devido às necessidades advindas do desenvolvimento do capitalismo.

Verifica-se que, no percurso dos acontecimentos, decorrentes das tramas políticas da trajetória histórica ora estudada, a educação escolar sofre mudanças, adequando-se às necessidades dos novos tempos, que traziam consigo a formação do Estado Nacional; e, conseqüentemente, ensino superior brasileiro, ampliava-se com a criação dos cursos de Direito e Engenharia.

No período colonial, também foram criadas diversas escolas privadas, que podiam conceder diplomas como os dos cursos estatais, mediante o reconhecimento do governo.

Convém entender que a universidade brasileira não foi criada no período do império, mesmo sabendo que, naquele contexto, ela foi extremamente planejada pelos diversos grupos, com os mais diferentes interesses, como, por exemplo, para os liberais, que defendiam a educação com a finalidade de formar uma elite, para incentivar os interesses populares.

Surgiram também, os opositores da criação das universidades, como, por exemplo, os positivistas, que tinham interesses opostos aos acima mencionados, relativos à intenção da formação instrumental, em detrimento dos ideais liberais progressistas.

Assim, no decorrer da história, o que se vê, no Brasil, é a formação de diversas faculdades isoladas. Como se pode perceber, por intermédio desta análise, as universidades brasileiras foram criadas somente no século XX, considerando que, entre estas, algumas foram criadas e logo foram dissolvidas.

Em 1910, o presidente da República Hermes da Fonseca promoveu de uma reforma no ensino, visando alguns pontos, dentre os quais o fato de o Estado não exercer o controle do Ensino Superior e ainda o fato, de naquele momento haver um alto índice de estudantes com formação inadequada, matriculados no ensino superior.

Em conseqüência dessa reforma, foi promulgado pelo presidente um decreto que organizava o ensino superior brasileiro. Esse decreto definia critérios como: obrigatoriedade de exames para admissão; a fiscalização do estado, no que diz respeito a

todas as escolas de ensino superior; a criação do livre docente; a criação do conselho de ensino superior.

Em 1911, foi criada a Universidade de São Paulo, tendo como perspectiva oferecer o ensino em todos os graus.

Em 1920, é criada, na cidade do Rio de Janeiro, a da Universidade do Brasil , Universidade esta, que 30 dias após a sua criação, foi destituída, por intermédio de um decreto presidencial, da mesma forma como foi criada.

Tal fato se deu, porque o presidente Hermes da Fonseca tinha o propósito único de delegar o título de doctor honoris causa ao rei da Bélgica D. Leopoldo, que naquela época encontrava-se visitando o país.

Tendo aqui resgatados os momentos históricos acima, urge ponderar que a universidade brasileira não nasceu a serviço do povo brasileiro, mas sim para atender aos interesses de classes dominantes.

Levando em conta a realidade mencionada é pertinente indagar a seguir sobre a concepção epistemológica da Didática hegemônica no mencionado contexto da história da educação do país.

Assim esclarece-se que a educação no Brasil surgiu tendo como hegemônica uma Didática sustentada em uma concepção de educação medieval, católica, tridentina.

Os caminhos para a construção da universidade brasileira se iniciam como já foi dito anteriormente, no período colonial, recebendo a influência dos considerados educadores daquela época, que atuaram na educação brasileira de 1549 até 1759, que, segundo Romanelli

Foi a família patriarcal que favoreceu, pela natural receptividade, a importação de formas de pensamento e idéias dominantes na cultura medieval européia, feita através da obra dos jesuítas. Afinal, o branco colonizador, além de tudo, se impunha distinguir-se, por sua origem européia, da população nativa, negra e mestiça, então existente. A classe dominante, detentora do poder político e econômico, tinha de ser também

detentora dos bens culturais importados (1978, p. 33).

É importante lembrar o entendimento de que a educação no mencionado contexto, tinha como objetivo a dominação da colônia por meio da aculturação dos nativos, utilizando a catequese e a instrução dos indígenas.

E, ainda, que o plano de instrução utilizado pelos jesuítas, conforme já estudado no capítulo anterior, era fundamentado na Ratio Studiorum, que se sustenta filosoficamente no pensamento que tem origem nas intencionalidades políticas do cristianismo. Visando à formação do homem universal humanista e cristão, propõe um ensino enciclopédico, com característica dogmática, descontextualizado, baseado na memorização.

A respeito dos pressupostos didáticos diluídos da Ratio Studiorum, Veiga afirma que estes enfocavam

Instrumentos e regras metodológicas compreendendo o estudo privado, em que o mestre prescrevia o método de estudo, a matéria e o horário; as aulas, ministradas de forma expositiva; a repetição visando repetir decorar e expor em aula; o desafio, estimulando a competição; a disputa, outro recurso metodológico era visto como uma defesa de tese. Os exames eram orais e escritos visando avaliar o aproveitamento do aluno (1995, p. 26).

Referindo-se aos pressupostos epistemológicos da Didática, pode-se considerar que eles se sustentam em instrumentos e regras, nos quais o mestre ditava o método, o tempo de estudo e a matéria a ser estudada, sendo que a forma de ensinar adotada durante as aulas, eram ministradas por meio de exposições dos conteúdos.

Nessa concepção, aos alunos, cabia a memorização das lições, para posteriormente ditá-las oralmente para uma verificação do professor, a fim de averiguar a fidelidade dos dados com os conteúdos expostos, possibilitando o entendimento de que a filosofia dessa Didática, ou seja, dessa maneira de ensinar, calcava-se no sustento das intencionalidades da coroa portuguesa.

A corte utilizava os jesuítas para difundir tal intenção, de maneira que essa filosofia fosse estruturada por meio de uma maneira de ensinar baseada em regras, desvinculada da realidade social de onde emergia.

A respeito da didática no contexto, ora discutido, Veiga afirma que:

A tarefa educativa estava voltada para catequese e instrução dos indígenas, mas, para a elite colonial, outro tipo de educação era oferecido. O plano de instrução era consubstanciado na Ratio Studiorum, cujo ideal era a formação do homem universal, humanista e cristão. A educação se preocupava com o ensino humanista de cultura geral, enciclopédico e alheio à realidade da vida da colônia... A ação pedagógica dos jesuítas foi marcada pelas formas dogmáticas de pensamento, contra o pensamento crítico. Privilegiavam o exercício da memória e o desenvolvimento do raciocínio (1995, p. 26).

Continuando esta análise, entende-se que os fundamentos epistemológicos que orientam o ensino da Didática utilizada no início da educação brasileira baseavam-se nos moldes do cristianismo, que encontravam o critério de veracidade do conhecimento nos dogmas divinos.

Ainda no decorrer do contexto histórico já estudado, quando os jesuítas são expulsos do Brasil, o ensino não perde a conotação religiosa e, conseqüentemente, mantém sua fundamentação nos mesmos pressupostos epistemológicos e fundamentação filosófica, fato que se justifica no contexto em que o ensino passa a ser ministrado por professores que tiveram como mestres os jesuítas.

Sendo assim, no momento em questão, aqui os professores receberam a influência da educação deles (dos jesuítas), conseqüentemente aprendendo uma didática no decorrer das relações professor-aluno vivenciadas diariamente. A respeito desta relação, Romanelli diz que: ... a situação não mudou em suas bases. Recorde-se de que os Jesuítas mantiveram, além de colégios para a formação de seus sacerdotes, seminários para a formação do clero secular. Era esse o clero que atuava principalmente nas fazendas de onde ele proviera, constituído, como era, de filhos das famílias proprietárias. Foram estes que formaram a massa de tios- padres e capelães de engenho e que por exigência das funções, foram também os mestres-escola ou preceptores dos filhos da aristocracia rural. Formados nos seminários dirigidos pelos jesuítas, eles foram naturais continuadores de sua ação pedagógica. Compuseram também o maior contingente de professores recrutados para as chamadas aulas régias introduzidas com a reforma pombalina (1978, p.09).