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A ACTA-SINDGRAN e suas relações sociais de trabalho.

Capítulo 2 A inserção do transporte rodoviário na economia brasileira e as transformações das condições de vida e trabalho dos sujeitos envolvidos na produção do

3.4. A ACTA-SINDGRAN e suas relações sociais de trabalho.

A organização do trabalho é o que estrutura a ACTA-SINDGRAN. Sua criação esteve às voltas com essa questão e ainda hoje na fala de seus associados, e não somente nela porque é perceptível aos olhos, esta é uma questão fundamental para o funcionamento da entidade. A diferença entre um transportador autônomo e uma empresa/cooperativa de transporte, ou seja, dos operadores de transporte que realizam o deslocamento de mercadorias, reside justamente no fato de que o primeiro, mesmo que dependendo do segundo, é um trabalhador autônomo. Ele não é obrigado a prestar serviço para ninguém, mas o faz para garantir a sua reprodução material da vida e de seus pares, caso houver. Faz de acordo com sua necessidade e vontade, a hora que quiser e quando quiser, se não levarmos em conta a existência de uma cultura de trabalho, uma relação social construída num dado momento histórico entre produtores, distribuidores e consumidores de mercadoria, que constrói os fazeres de uma categoria (ritmo, modo, quantidade, qualidade, etc.). Também não é obrigado a fazer para este ou aquele “portador” da mercadoria. No limite ele escolhe o que melhor lhe convier, se não fosse pelo fato de que algumas empresas e, atualmente, cooperativas de transportes, monopolizam certos ramos de mercadorias ou tendem a trabalhar em “cartéis”, regulando o preço do frete em uma média, fazendo as mesmas exigências de qualificação do trabalho, entre outros. Portanto, mesmo que este tipo de trabalho autônomo seja imbuído de uma suposta liberdade de escolha do sujeito que o realiza, na prática deve ser submetido a um “patrão”, porque é essa a lógica que permeia seu trabalho.

Essa submissão é o que aponta a questão da organização do trabalho como estrutural para o desenvolvimento da atividade de transporte. Se no interior de cada empresa existe uma organização para realização do trabalho, entre os transportadores autônomos não é diferente, a menos que trabalhem para as empresas e sigam suas normas. No caso da ACTA, e aqui não vou citar o SINDGRAN porque quem organiza seu trabalho (que é o transporte de trigo) é a ACTA, essa organização do trabalho foi necessária porque os caminhoneiros, enquanto autônomos que retiravam os fretes diretamente dos importadores/exportadores, não quiseram se submeter a um intermediador (uma empresa de transporte), mas em contrapartida não tinham qualquer forma de organização do trabalho que pudesse lhes conferir mínimas condições de trabalho.

A idéia então foi: se nós não queremos prestar serviço a um intermediário, o que reduziria brutalmente o preço do frete, então nós nos organizamos. Juntos teriam mais força

para negociar com os importadores/exportadores e poderiam criar uma estrutura para dar condições ao trabalho, acabando com os problemas existentes. Foram 910 caminhoneiros que se uniram em torno do serviço dos fertilizantes e criaram regras à custa de ações, muitas vezes agressivas, para defender o serviço e a categoria. Assim, conseguiram exclusividade para tirar as cargas dos terminais: somente a ACTA e agora o SINDGRAN pode fazer o serviço dos fertilizantes e do trigo.

Tinha problema demais. De tudo. Teve transportadoras aqui que invadiam e não queriam dar a carga pra gente, a IC, a gente pode cita isso aqui, o João tá aqui, não tem né... (o outro associado comenta: rapaz isso aqui foi um pau, nóis fomo chamado aí...). Antigamente eles invadiam e não davam carga pra associado porque tinha os caminhão pra puxar. Aí eles entraram,

(o outro complementa novamente: eles queriam acabar com o trabalho da

associação), era a Veiga, a IC, a Ferticentro, a tal de uma Tratorim, como é que é Chapolim, sabe como é que era o nome do cara lá, (era do sul, era um advogado lá que era do sul e na verdade eles queriam entrar com o serviço aqui, fala o outro associado). É, era do sul. Aí dava polícia e dava coisa e coisa e prende gente da associação também, pra enquadrar porque não tava bom e hoje tá do jeito que tá126.

Mas uma coisa eles não conseguiram ou no limite não o objetivo da luta dos associados: se tornar um operador de transporte. Eles não podem emitir Notas de Conhecimento para circular com as mercadorias, então continuaram dependendo de alguém que as emitisse, ou seja, de uma cooperativa ou empresa de transporte. Conseguiram, com sua luta, fazer com que certas empresas e cooperativas, diminuíssem a exploração dos serviços prestados, daí o fato de as chamarem de “parceiras”. Um exemplo dessa relação é com a IC Transportes, BETEL Transportes e a Cooperativa de Transportes de Sorocaba (CTS).

A nossa função é só emitir ordem de carregamento para o caminhoneiro. Mediante essa ordem de carregamento, ele não carrega. Ele tem que levar a ordem de carregamento caso, no caso, adubo. No caso, material como esse que está saindo agora, que é o nitrato de amônia, que é o nitrato de amônia e o enxofre que é carga perigosa, então, ele tem que levar esse documento aqui acompanhado com a ordem de carregamento. [...]. [E o senhor

trabalha, então, para uma empresa de transporte que eles chamam de parceiras aí ou não? Ou é da associação mesmo?] É, não. As transportadoras

elas prestam serviços pra associação. [...]. Entendeu? Pra associação. Agora os, os assuntos internos entre transportadora e exportador. É importador, transportadora e associação, isso aí fica entre eles, eles não divulgam nada. Se você chegar ali dentro e perguntar a uma moça ali dentro, ela não vai lhe informar. “Como é que se chama isso daqui?”. Ela

pode informar de outra forma. O quanto ela cobra da transportadora, entendeu? O quanto a transportadora cobra do exportador. Ninguém fala. Isso é um serviço interno; é um assunto interno entre a transportadora, o exportador e a ACTA. Aí ninguém informa127.

É porque, é porque essas empresas grande assim, eles pegam direto dessa firma que, como é que se diz, que importa né. O cara que importa “bom, eu tenho...”, então, eles dão meta. Eles paga, eles põe uma empresa que nem essa IC e tem essa Ferticentro, uma potencia né. Ele que repassa isso pra nós, eles pega dos importador e repassa pra nóis. Eles ganham em cima da gente e ganha bem. Eles só pra bater um conhecimento e bater uma nota fiscal aí, eles ganham daqui pra Cubatão, eles ganham, nóis puxamos a catorze e dez centavos a tonelada e eles pegam quase a dezesseis reais. Quer dizer que eles ganham quase três reais em tonelada por...[Só pra

passar o serviço pra vocês?] Só pra passar o serviço pra nóis, que nem eu

que levo vinte e oito tonelada, eles ganham vinte e quatro reais só no meu caminhão. E nos outros que são novecentos e dez caminhão? Entendeu? Por isso que é vantagem128.

Mas o que significa, então, a formação da Associação Comercial de Transportadores Autônomos (ACTA) e quais suas implicações? Julgamos ser necessário, por mais que evidente, esclarecer que:

- uma associação é uma organização, jurídica ou não129, decorrente da união de pessoas em função de uma atividade específica;

- comercial é aquilo que se refere ao comércio. No senso comum, comércio é a troca de produtos ou serviços que com o desenvolvimento da sociedade passou a ser realizada por um equivalente que, em geral, é o dinheiro. No caso da ACTA, o produto negociado é o deslocamento de mercadorias, que é uma prestação de serviço, o serviço dos:

- transportadores autônomos que são quem realiza a atividade de deslocar mercadorias com o caminhão.

Assim, na ACTA cada associado130 pode ter uma ou mais cotas, que são parcelas do serviço, ou seja, dos fretes que são negociados com a entidade; e cada cota pode ter apenas um caminhão trabalhando. Em certos casos, o associado tem uma cota e um caminhão e ele mesmo realiza o deslocamento das cargas ou contrata um motorista para fazê-lo (os contratos podem ser informais, no “boca a boca” tentando “burlar” a lei, ou são contratos formais com carteira de trabalho e pagamento de benefícios ao trabalhador). Em outros casos, o dono da

127 Trecho da entrevista do associado A concedido durante a pesquisa de campo realizada em 12/12/2009. 128 Trecho da entrevista do associado D concedido durante a pesquisa de campo realizada em 12/12/2009. 129 Não tivemos acesso ao estatuto da entidade, assim não podemos afirmar com certeza como ela está constituída. Debruçaremos-nos aqui sobre o fato de que na prática ela funciona como uma associação.

130 Só são sócios porque tem a cota. Somente quem tem a cota é que pode participar das decisões e do patrimônio da entidade.

cota não tem mais o caminhão, em geral porque vendeu, mas arrenda a cota para alguém trabalhar com seu caminhão próprio. Tem casos em que um associado possui várias cotas, vários caminhões e contrata um motorista para cada um (é o caso, por exemplo, do presidente da SINDGRAN, o Tomatão, e do vice-presidente da ACTA, o Benzi).

O que aconteceu ao longo dos anos é que as cotas da associação se tornaram um bem negociável e rentável entre os caminhoneiros chegando a ser vendida por R$ 40.000,00, porque equivale a uma quantidade de fretes dos importadores/exportadores ao longo do ano. Em uma das entrevistas no pátio da entidade no Guarujá, um rapaz de aproximadamente 28 anos disse que o pai era associado à ACTA-SINDGRAN, mas vendeu a vaga e trocou a carreta graneleira do caminhão por uma de contêiner, porque já estava ficando velho e não agüentava mais mexer nas lonas (o contêiner para ele era mais prático). Quando da venda da cota da associação, o rapaz ainda não era caminhoneiro, mas agora que conseguiu comprar seu caminhão financiado em prestações de R$ 1.000,00 por mês, resolveu alugar uma vaga e ir trabalhar no frete de “vira” que é melhor que os outros porque fica mais próximo de casa e é possível fazer várias viagens no mesmo dia. Mas lamenta o fato de não ter uma cota própria e diz ser muito difícil arranjar alguém que venda, já que o serviço está muito valorizado. Junto com mais dois colegas, ambos motoristas contratados, afirmou que às vezes é vantajoso ser motorista registrado em carteira, porque recebe em torno de 17% dos fretes realizados, sem preocupação com os custos do caminhão e com os registros e contribuições em dia, fato que Scaramella (2004) também aponta em seu trabalho. O problema é que é muito difícil o dono do caminhão e da vaga fazer o contrato com base na lei; ocorre em geral o “contrato de boca”, como já citamos anteriormente. Explicou que em um mês bom (período de safra e com o motorista trabalhando em média 15 horas por dia ou mais), o dono do caminhão chega a fazer uma renda bruta de R$ 35.000,00; subtraídos os custos de manutenção do caminhão sobra-lhe em média R$ 15.000,00, dos quais paga mais ou menos de R$2.000,00 a R$ 5.000,00 para o motorista de caminhão.

Disso decorre que muitos associados fazem da associação um “negócio”, chegando a atuar individualmente como empresa de transporte sem ser juridicamente uma, sem pagar imposto para tal. Todo caminhoneiro paga um valor para obter uma cota na associação e uma mensalidade para manutenção de sua estrutura física e administrativa. E essas mensalidades serviram ao longo dos anos para construir a estrutura física da associação.