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2. NORMATIVA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS E AS QUESTÕES

2.3. A AFIRMAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

O Estado Brasileiro assina a Declaração Universal de Direitos Humanos em 1948, assumindo todos os compromissos a ela inerentes.

Em 1964, tem início, no Brasil, um período fortemente marcado pela violação dos direitos humanos: a ditadura militar, regime político caracterizado pela restrição e/ou eliminação das garantias individuais e sociais, cuja finalidade é atender aos interesses da ditadura. A restrição de garantias fundamentais faz crescer, durante o processo de abertura política, o anseio por adotar uma nova Constituição defensora de valores democráticos. Anseio este que se tornou necessidade com a redemocratização do Brasil, a partir de 1985.

A Constituição Brasileira, de 1988, ao definir o Estado Democrático de Direito como o regime político, é o principal marco jurídico do país após o período ditatorial, e dá sustentabilidade para a elaboração pela sociedade civil e política às proposições educacionais com ênfase nos direitos humanos (SILVA; FERREIRA, 2010, p. 80).

Desse modo, em 05 de outubro de 1988, quando a Constituição foi entregue à sociedade brasileira, a “Constituição Cidadã”, assim denominada pelo então presidente da Câmara dos Deputados Ulysses Guimarães, devido a grande quantidade de dispositivos voltados para a área social. O principal objetivo dos organizadores da Constituinte foi remover leis que tinham resquícios do autoritarismo presentes na ordem constitucional, esta baseada no contexto da ditadura militar e que não se encaixava no Brasil, no final dos anos de 1980, período em que a liberdade e a democracia voltavam a fazer parte do debate político e social. Para alguns especialistas, a Constituição de 1988 era considerada impraticável pelo excesso de direitos sociais; outros a consideravam um avanço na legislação brasileira, já que garantiu direitos fundamentais.

O Artigo 1º da Constituição enumera os fundamentos que constituem a República Federativa do Brasil em Estado democrático: “I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político” (BRASIL, 1988, p. 05). Já o Artigo 3º é constituído pelos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, tais como:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos,

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988 p. 05).

Esse artigo evidencia as obrigações do Estado para com a sociedade, o qual demonstra, por meio do dispositivo legal, o interesse em reduzir as injustiças e propiciar mais dignidade ao cidadão brasileiro. Porém, decorridos mais de vinte anos de promulgação da Constituição, vários objetivos fundamentais precisam ser constantemente revisados a fim de que passem a existir na prática. A erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a promoção do bem-estar sem preconceitos e discriminações, principalmente, em relação à raça e gênero são alguns exemplos de que a sociedade pouco avançou e precisa de políticas públicas eficazes no cumprimento desses objetivos. Nesse sentido, a Constituição Cidadã precisa fazer valer o apelido que recebeu.

Do mesmo modo, o Artigo 6º da Constituição, quando se refere aos direitos sociais: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, p. 07). Por este artigo, se pode perceber que, apesar de avanços obtidos em alguns aspectos, há um longo caminho a percorrer no sentido de garantir que todas as pessoas possam usufruir desses direitos com dignidade, ou seja, educação pública de qualidade, sistema público de saúde eficiente e que atenda de fato as demandas da sociedade. Apesar de avanços, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Estatuto do Idoso, Lei Maria da Penha, Estatuto da Igualdade Racial, não é difícil perceber que a garantia de grande parte desses direitos é um processo que requer políticas de Estado.

Outros aspectos referentes aos direitos humanos estão presentes no Artigo 227 da Constituição, como se observa a seguir:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, p. 37).

Entretanto, como afirma Santos (2008, p. 436): “a efectvidade dos direitos humanos tem sido conquistada em processos políticos de âmbito nacional e por isso a fragilização do

Estado-nação pode acarretar a fragilização dos direitos humanos”, desafios e tensões que precisam ser superados pelo Estado brasileiro.

Nesse contexto, para que se consolidem o Estado democrático e a materialização dos direitos humanos, não basta que estes sejam afirmados no plano da Constituição Brasileira, mas que, também, passem a fazer parte da vida em sociedade. A luta por direitos humanos contra-hegemônicos perpassa por um sistema de governo democrático. Com essa preocupação e tal como recomenda a Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena, em 1993, o Ministério da Justiça do Brasil, juntamente com diversas organizações da sociedade civil, em 1996, cria o I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). A partir desse momento, o País assume um claro compromisso de proteção a mulheres e homens, crianças e idosos, minorias e excluídos.

Direitos humanos são os direitos fundamentais de todas as pessoas, sejam elas mulheres, negros, homossexuais, índios, idosos, pessoas portadoras de deficiências, populações de fronteiras, estrangeiros e emigrantes, refugiados, portadores de HIV positivo, crianças e adolescentes, policiais, presos, despossuídos e os que têm acesso à riqueza. Todos, enquanto pessoas, devem ser respeitados e sua integridade física protegida e assegurada (BRASIL, 1996, p. 03).

Logo na introdução do documento, o Programa deixa claro quem são as pessoas que precisam urgentemente que seus direitos fundamentais sejam respeitados, direito de ir e vir, de ser tratado com dignidade e respeito, de não sofrer nenhum tipo de preconceito em qualquer ambiente em que esteja “[...] o direito de ser, pensar, crer, de se manifestar ou de amar sem se tornar alvo de humilhação, discriminação ou perseguição” (BRASIL, 1996, p. 03). São estes direitos que garantem dignidade a qualquer pessoa. É necessário o conhecimento desses direitos pela sociedade, para então exigir que os mesmos sejam cumpridos.

A falta de segurança das pessoas, o aumento da escalada da violência, que a cada dia se revela mais múltipla e perversa, exigem dos diversos atores sociais e governamentais uma atitude firme, segura e perseverante no caminho do respeito aos direitos humanos (BRASIL, 1996, p 03).

É frequente, no I Programa, a preocupação com a violência. A falta de segurança no país evidencia a necessidade de ações governamentais que assegurem o respeito aos direitos humanos no sentido de garantir tranquilidade e segurança ao cidadão. Porém, para que haja a

real promoção desses direitos, é necessário que problemas estruturais provocados pelo desemprego, fome, dificuldades de acesso à terra, à saúde, à educação, à concentração de renda sejam objeto de políticas governamentais.

Mas, para que a população possa assumir que os direitos humanos são direitos de todos, e as entidades da sociedade civil possam lutar por esses direitos e organizar- se para atuar em parceria com o Estado, é fundamental que seus direitos civis elementares sejam garantidos e, especialmente, que a Justiça seja uma instituição garantidora e acessível para qualquer um (BRASIL, 1996, p. 05).

A sociedade precisa participar de todos os processos de construção da garantia de seus direitos. Assim, passará a se responsabilizar pelos mesmos e exigirá o seu cumprimento. É fato, como diz o próprio PNDH, que houve a participação da sociedade, por meio de consulta pública, no processo de elaboração.

Após seis anos do PNDH, avanços acontecem no Brasil em relação à promoção e proteção dos direitos humanos. Há a sistematização das demandas da sociedade, possibilitando, assim, a identificação de alternativas para a solução de problemas estruturais e a implementação de políticas públicas, fomentando a criação de programas e órgãos estaduais para a promoção e garantia dos direitos humanos. A maioria das metas do PNDH é incorporada aos instrumentos de planejamento e orçamento do Governo Federal, se convertendo em programas e ações específicas com recursos financeiros assegurados nas Leis Orçamentárias Anuais, conforme determina o Plano Plurianual (PPA). É criada a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, esta possibilita o engajamento efetivo do Governo Federal em ações voltadas para a proteção e promoção de direitos humanos.

Dessa forma, se pode observar o aumento do debate sobre temáticas como: o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, a reforma dos mecanismos de reinserção social do adolescente em conflito com a lei, a manutenção da idade de imputabilidade penal, o combate a todas as formas de discriminação, a adoção de políticas de ação afirmativa e de promoção da igualdade e o combate à prática da tortura.

O PNDH II, lançado em 2002, com orientação para os programas sociais a serem desenvolvidos até o ano de 2007, tem início com um texto de 500 propostas. Estas atingem todas as categorias de direitos. Após uma consulta pública pela internet, ajustes são feitos e o número sobe para 518 propostas de ações governamentais encaminhadas ao Diário Oficial da União. Essa atualização traz avanços em relação à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, à cultura e ao lazer.

Ao mesmo tempo em que se realiza um balanço sobre os resultados já obtidos, sobre as dificuldades que têm impedido avanços ainda maiores, incorpora-se no programa a questão dos direitos econômicos, sociais e culturais, em conformidade com a concepção moderna de direitos humanos, segundo a qual esses são direitos universais, indivisíveis e interdependente (BRASIL, 2002, p. 05).

A atualização do programa permite rever as ações do plano anterior, perceber as dificuldades encontradas, aperfeiçoá-las e criar novas ações de acordo com as demandas sociais. A relação direitos econômicos, sociais e culturais, por ser uma concepção moderna de direitos humanos, só trará resultados positivos se realmente for conduzida no sentido da democratização e da justiça social. Segundo Santos (2008, p. 437):

[...] para fundar uma política progressista de direitos humanos, direitos humanos concebidos como a energia e a linguagem de esferas públicas locais, nacionais e transnacionais, actuando em rede para garantir novas e mais intensas formas de inclusão social.

O autor define esfera pública como um local de interação e de deliberação em que indivíduos, grupos e associações, por meio de uma relação dialógica e regras procedimentais partilhadas, estabelecem equivalências entre hierarquias, reivindicações e identidades, aceitem a contestação das regras ao longo do tempo em nome de interesses, reivindicações e identidades que foram excluídos, silenciados ou desacreditados.

Nesse cenário, a terceira versão do PNDH é lançada em 2010, no governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O objetivo do programa é dar continuidade e aprimorar os mecanismos já existentes e criar novos meios de construção e monitoramento das políticas públicas sobre Direitos Humanos no Brasil.

O PNDH-3 está estruturado em seis eixos orientadores, subdivididos em 25 diretrizes, 82 objetivos estratégicos e 521 ações programáticas, que incorporam ou refletem os 7 eixos, 36 diretrizes e 700 resoluções aprovadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em Brasília entre 15 e 18 de dezembro de 2008, como coroamento do processo desenvolvido no âmbito local, regional e estadual. O Programa também inclui, como alicerce de sua construção, propostas aprovadas em cerca de 50 conferências nacionais temáticas realizadas desde 2003 sobre igualdade racial, direitos da mulher, segurança alimentar, cidades, meio ambiente, saúde, educação, juventude, cultura etc (BRASIL, 2010 p. 17).

O PNDH-3 prevê Planos de Ação a serem construídos a cada dois anos, fixando os recursos orçamentários, as medidas concretas e os órgãos responsáveis por sua execução. Também houve a participação social na elaboração do Programa. Esta se deu por meio de conferências que ocorreram em todo o País, no ano de 2008, e envolveu mais de 14 milhões de cidadãos, além de consulta pública. O programa está estruturado nos seguintes eixos orientadores.

Interação Democrática entre Estado e Sociedade Civil; Desenvolvimento e Direitos Humanos; Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades; Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência; Educação e Cultura em Direitos Humanos; Direito à Memória e à Verdade (BRASIL, 2010 p. 18).

O então Presidente da República ressalta que a paz necessária ao País depende de uma série de fatores. Uma política eficaz de Direitos Humanos pode propiciar grande parte da paz que o Brasil e muitos países do mundo almejam. Segundo ele, no prefácio do PNDH – 3.

Não haverá paz no Brasil e no mundo, enquanto persistirem injustiças, exclusões, preconceitos e opressão de qualquer tipo. A equidade e o respeito à diversidade são elementos basilares para que se alcance uma convivência social para que se alcance uma convivência social solidária e para que os Direitos Humanos não sejam letra morta na lei (BRASIL, 2010, p. 13).

Essas palavras sintetizam o desejo de boa parcela da nação, que acredita nos direitos humanos como forma de garantir a equidade e a justiça social. Contudo, não basta criar documentos e dar esperanças àqueles que, por muito tempo, deixaram de se perceber enquanto sujeitos de direitos. É necessário que o governo cumpra com as propostas apresentadas no Plano Nacional, que mudanças aconteçam de fato. O PNDH – 3 apresenta considerável contribuição à sociedade, pois proporciona a ampliação do debate sobre direitos humanos, confirmando que, para haver democracia, é imprescindível o respeito a esses direitos. As pessoas, que por muito tempo não se reconheciam nos direitos humanos, hoje se veem contempladas na resistência à discriminação, à violência, à injustiça, se percebem enquanto sujeitos de direitos.

Portanto, as propostas do PNDH – 3 devem se tornar instrumentos para mudar a sociedade, para reforçar ainda mais os compromissos democráticos com a participação, com a justiça e com a liberdade. Os direitos humanos precisam fazer parte do cotidiano das pessoas.

2.4. EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: PRÁTICA NECESSÁRIA PARA UMA