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A Alteração trazida pela Emenda Constitucional 45/2004

2 O CONFLITO ENTRE UM TRATADO INTERNACIONAL E UMA NORMA

2.2 Os Tratados Internacionais na Constituição Federal de 1988

2.2.1 A Alteração trazida pela Emenda Constitucional 45/2004

Eis um aspecto de muita importância ao se tratar do assunto sobre o qual versa esta pesquisa: a exceção que foi trazida para a legislação pátria pela redação da Emenda Constitucional 45/2004, norma que trouxe a noticiada reforma do Judiciário. Conforme Soares (2011), a partir do início da vigência dessa regra, passaram os acordos que versem sobre direitos humanos e que tenham sido aprovados pelo Congresso Nacional a valerem como emendas constitucionais, então, vê-se que nesse caso optou-se para que o conteúdo do tratado indique o tratamento que se dá frente à norma interna, então, não cabe só à doutrina e à jurisprudência indicar o prosseguimento a ser tomado face ao silêncio da lei como visto até agora.

Outro fato citado por Soares (2011) é que a Constituição Federal, no seu artigo 5º, § 2º, especifica que direitos e garantias expressos constitucionalmente não são excludentes de quaisquer afins advindos dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte, então, a própria carta magna se preparou para estender seu amparo constitucional a quaisquer textos futuros que o Brasil venha a fazer parte e que tenham conteúdo de direitos humanos como foco. Conforme Soares (2011):

A interpretação dada por muitos autores ao disposto neste artigo, levando em consideração uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição brasileira, foi a de atribuir aos direitos garantidos nos tratados de direitos humanos devidamente ratificados pelo Estado brasileiro uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional.

Interessante é notar que a Constituição Federal de 1988 foi precedida de um período de ditadura militar no país e confeccionada na época em que o Brasil se abria

para uma nova fase democrática e se elaborava uma carta para fazer jus às exigências da sociedade e da classe política de maior garantia de proteção ao cidadão e às liberdades individuais. Para tal foi posto no artigo 1º, III do texto constitucional que um dos fundamentos da República é a dignidade da pessoa humana, e no artigo 3º, IV que um dos objetivos fundamentais é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, então, elevar tratados que sejam acerca de direitos humanos a nível de norma constitucional se combina com o que já estava escrito na magna carta. Aliás, pode-se determinar que os tratados internacionais que versam sobre direitos humanos são revestidos de qualidade pétrea, pois segundo Falconi e Santos (2008, p. 3-4):

Há que se ressaltar, que ao acolher os tratados de direitos humanos admitindo-lhe uma hierarquia constitucional, os direitos previstos nestes documentos, assim como os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Carta de 1988, passam a constituir cláusula pétrea, conforme artigo 60, § 4º, e não podem ser revogados por meio de emenda constitucional.

Conforme Baldi (2009), o primeiro tratado que seguiu o prescrito pela Emenda Constitucional 45/2004 é a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em 30 de março de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional através do decreto legislativo nº 186 em 2008 e que foi promulgada pelo decreto nº 6.949 em 2009, então, um percurso de aproximadamente três anos para que o tratado se equiparasse a uma emenda constitucional.

Em virtude da alteração trazida pela Emenda Constitucional 45/2004, segundo Baldi (2009) (apud MAZZUOLI, 2009, p. 45-46), a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas Portadoras com Deficiência passa a alterar a Constituição Federal, então, é formalmente constitucional. Além disso, essa convenção não pode sofrer denúncia, sequer por projeto de denúncia feito pelo Poder Legislativo nacional. Outra observação é que toda a legislação infraconstitucional terá que atender ao definido no tratado porque esse documento tem força constitucional. A seguinte ementa é um exemplo do citado neste parágrafo na jurisprudência:

Ementa: ação direta de inconstitucionalidade: associação brasileira das empresas de transporte rodoviário intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros - ABRATI. Constitucionalidade da lei n.

portadoras de deficiência. Alegação de afronta aos princípios da ordem econômica, da isonomia, da livre iniciativa e do direito de propriedade, além de ausência de indicação de fonte de custeio (arts. 1º, inc. IV, 5º, inc. XXII, e 170 da Constituição da República): improcedência. 1. A autora, associação de associação de classe, teve sua legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade reconhecida a partir do julgamento do Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.153, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 9.9.2005. 2. Pertinência temática entre as finalidades da autora e a matéria veiculada na lei questionada reconhecida. 3. Em 30.3.2007, o Brasil assinou, na sede das Organizações das Nações Unidas, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo, comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado. 4. A Lei n. 8.899/94 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.

Nesse julgamento, ação direta de inconstitucionalidade 2649 / DF, o julgador concluiu pela improcedência do pedido da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Interestadual, Intermunicipal e Internacional de Passageiros que questionou a constitucionalidade da lei nº 8.889/1994, que concede passe livre para as pessoas portadoras de deficiência. Nos votos constou que a lei atende à dignidade da pessoa humana e também é condizente com a Convenção promulgada no decreto nº 6.949.

Além disso, desde 2008, apesar da previsão constitucional no artigo 5º, inciso LXVII, que permite a prisão do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal passou a considerá-la ilegal, não inconstitucional. Conforme Dias (2008) esclarece, isso ocorreu porque o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, que prevê como única prisão por dívida a decorrente de falta de pagamento de pensão alimentícia. Polêmica surgiu porque estar-se-ia dando tratamento ao tratado superior à Constituição, pois um texto de 1969 estaria a revogar trecho da Constituição Federal de 1988, mas isso não ocorre pois segundo Dias (2008) (apud MAZZUOLI) o entendimento do Supremo Tribunal Federal é que "na prática, a decisão veio dizer que não existe mais prisão de depositário infiel no Brasil, pois as leis que operacionalizam esse tipo de medida coercitiva estão ‘abaixo’ dos tratados internacionais de direitos humanos". Então, o texto vige, mas não está a vigorar.

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