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29 O esgotamento do ciclo de governos petistas estabelece as condições políticas para que as frações da elite brasileira, agora unificadas em um único programa económico e social, busquem uma representação mais alinhada e capaz de efectivar a sua agenda; assim se constroem as condições para o impeachment da presidente Dilma Rousseff e ascensão ao poder do então vice-presidente Michel Temer (PMDB). Não nos cabe aqui aprofundar o debate se o impedimento da presidente eleita pode ser considerado um golpe de Estado ou não, mas compreender a que projeto de poder o então governo Michel Temer se alinha e sua consequência no contexto social brasileiro.

O programa de Temer fica explícito no documento programático apresentado pelo PMDB intitulado de “Ponte para o futuro”. Segundo Cavalcanti e Venerio (2017), o programa apresentado neste documento, centra-se no mercado como principal eixo para o desenvolvimento do país, colocando o bem-estar social para segundo plano. Para os autores, em linhas gerais:

“percebe-se no documento uma grande preocupação com a crise fiscal (diminuição dos recursos carreados aos cofres públicos) e com a rigidez do orçamento (“dificuldade” para alocação dos recursos). Esses fatores, combinados com a indexação de benefícios (salários, aposentadoria e etc.) e com a falta de uma ampla reforma da Previdência, teriam contribuído para o desequilíbrio das contas do Governo, para o aumento da inflação e para a crise económica em um modo geral” (Cavalcanti e Venerio, 2017: 155 - 156).

A solução proposta passaria então pelo crescimento económico, reforma do orçamento flexibilizando o gasto público; redução da taxa básica de juros e pela reforma da Previdência Social (com a desindexação de benefícios pelo salário mínimo e aumento da idade mínima para aposentadoria).

Paulini (2016) demonstra que este programa significa acabar com a obrigatoriedade constitucional de gastos com educação e saúde, como constatado na aprovação da chamada “PEC do Teto dos Gastos”, que limitou o investimento do Estado à taxa de inflação do ano anterior, fazendo com que não haja crescimento real de investimento, independente do setor, e permitindo que gastos obrigatórios na constituição de 1988 não sejam efetivados, caso eles extrapolem o teto previsto. Para a autora, o conjunto das políticas constitutivas deste governo é uma agenda “puro-sangue” neoliberal, com aumento da iniciativa privada em todas as áreas, com transferência de ativos, redução da interferência do Banco Central sobre o câmbio e desregulamentação da economia, com alterações profundas nos direitos trabalhistas estabelecidos na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

Ao observar a política do governo Temer para o setor agrário, Cunha (2017), ainda que reconhecendo o histórico de omissão do Estado na universalização de políticas públicas voltadas para os camponeses, incluindo ai os governos Lula e Dilma, aponta que este atende especialmente aos interesses do agronegócio latifundiário.

Cunha (2017) demonstra que, somado à exportação de mineração e petróleo bruto, o agronegócio representa mais de 60% da pauta brasileira, no que ele denomina como hegemonia económica dos capitais

30 que exploram diretamente a natureza. Neste sentido, agrominero-exportação, junto com o mercado financeiro e corporações ligadas à construção pesada, são atores hegemónicos da economia brasileira. Segundo o autor, o governo Temer, que nasce organicamente desses setores, tem como política para o campo o desmonte de programas de apoio aos camponeses, somados à reforma trabalhista e à proposta de reforma previdenciária que asseguraria mais recursos para o capital financeiro especulativo. Em linhas gerais, o projeto de governo para o campo brasileiro estaria divido em: inviabilização das políticas públicas para reforma agrária; legalização da grilarem em terras públicas; estrangeirização do território brasileiro, incrementando a convergência do latifúndio/empresa agrícola com o capital financeiro especulativo:

Apesar de representar a agenda dos principais setores do capital brasileiro e a manutenção de uma articulada base parlamentar (capaz de aprovar matérias complexas e impopulares, como a PEC do Teto dos Gastos e as alterações da CLT), o governo Temer não contou com a sustentação de uma base popular, ao ponto de fechar o seu mandato com a rejeição de 62% dos brasileiros, conforme pesquisa publicada pelo instituto Datafolha (em janeiro de 2019) e, em junho de 2018, ter atingido o recorde negativo de 82%, segundo o mesmo instituto. A impopularidade do governo pode ser compreendida pela campanha negativa construída a partir dos setores de esquerda e progressistas – contrários ao impeachment da presidente Dilma Roussef –, pela implementação de uma agenda marcada pela retirada de direitos historicamente consolidados e pela continuação das ações da operação Lava-Jato.

Pode-se apontar que a alternativa Temer revelou uma doutrina de mercado apoiada no corte de gastos e numa suposta responsabilidade fiscal, como se naturalmente essas máximas significassem uma maior entrada de capital privado e consequentemente a resolução dos graves problemas sociais do Brasil, no entanto:

“crescimento econômico”, “aumento da produtividade”, “exploração mais eficiente de recursos naturais”, “política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada”, “aumento das concessões”, entre outras expressões utilizadas pela plataforma política do governo Temer, não conduzem, isolada e necessariamente, a um panorama social mais justo. Há outro fator crucial para o País: a distribuição mais equitativa das riquezas que gera (Cavalcanti e Venario, 2017:158).

Não esteve no alicerce da ponte proposta pelo último governo uma perspectiva mínima de distribuição de riquezas; não foi à toa, como destaca Paulini (2016), que o programa implementado em nenhum momento caminhou para uma reforma tributária que regulasse, por exemplo, a tributação de grandes fortunas e taxação de ganhos financeiros e remessas de lucros para o exterior. Nas palavras de Paulini:

Uma ponte para o abismo no qual precipitará o país, refém de interesses específicos e de uma riqueza privada tirânica que busca o alcance dos próprios objetivos a qualquer custo, mesmo que isso signifique lançar 200 milhões de brasileiros no perigoso vazio da anemia social, do qual o modelo conciliatório anterior tentava escapar (Paulini, 2016: 93).

31 CAPÍTULO 3:A EXTREMA-DIREITA E JAIR BOLSONARO

Compreendemos a candidatura de Jair Bolsonaro como a expressão de uma fração de classe que disputa, tanto o aparato de Estado como também o controle da sociedade civil, com o intuito de se constituir como o setor dirigente da classe dominante. Nesses marcos, compreendemos que o seu discurso é revelador de um projeto de poder que é mediado pela realidade sociopolítica brasileira contemporânea, mas não deslocado de uma estrutura ideológica, podendo ser comparado ou confrontado com outras experiências políticas presentes na história da sociedade moderna, já sistematizadas e estudadas por outros autores.

Para compreensão do discurso adotado pelo candidato durante as eleições (especialmente em sua conta de Twitter), é fundamental ter em vista o que Jair Bolsonaro representa, não apenas como indivíduo, mas como representação de um espectro ideológico da sociedade, que se expressa tanto em sua história política, como no programa da candidatura e na própria expressão textual do discurso produzido por esta.