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CAPÍTULO 4. A CRISE INTERNACIONAL, A NOVA REPÚPLICA BRASILEIRA (1986-1989), OS

4.7. A AMÉRICA LATINA, O NEOLIBERALISMO E A CRISE

Na América Latina, a adoção do neoliberalismo na década de 1980 foi comum. A Bolívia adota o neoliberalismo em 1985, no México em 1988, na Argentina e na Venezuela em 1989 e no Peru em 1990 (MORAES, 1999).

Como receituário para conter a crise, o Consenso de Washington recomendava adoção de um conjunto de medidas para dar “solução” aos problemas que envolvem a Sociedade Ocidental, medidas impostas às sociedades periféricas, em virtude da submissão conjuntural destas aos ditames internacionais, dentre as recomendações e exigências dos organismos multilaterais destacavam-se os seguintes:

[...]

1-Disciplina fiscal;

2-Priorização dos gastos públicos; 3-Reforma tributária;

4-Liberalização comercial; 5-Regime cambial;

6-Investimento direto estrangeiro; 7-Privatização;

8-Desregulação;

9-Propriedade Intelectual. (BATISTA apud MORAES, 1999, p, 172).

Cumprir as regras impostas pelo Consenso de Washington foi a única saída que os governos encontraram para continuarem recendo empréstimos e pagando os

serviços da dívida, junto aos credores internacionais, e continuarem obtendo financiamento para saldar seus compromissos internos e externos.

Em 1990, com a chegada ao poder de Fernando Collor de Melo, a sociedade brasileira vai se confrontar com mais um plano (Plano Collor), caracterizado por suas medidas drásticas que ferem os diversos direitos conquistados pela sociedade brasileira. Correspondeu ao momento de implantação da política de privatização, segundo o ideário neoliberal do Estado mínimo em oposição ao Estado Desenvolvimentista que vinha se estruturando desde a 1ª Guerra Mundial, como nos informa Moraes (1999):

[...] Sem hesitação podemos dizer que o novo do Plano Brasil Novo resume- se nos aspectos acima levantados, caracterizando uma reação do conceito de Estado tipicamente desenvolvimentista, associado ainda ao processo de substituição de importações e preso à vertente da política econômica de cunho Keynesiano. (MORAES, 1999, p. 191).

A transferência das indústrias das sociedades hegemônicas para as sociedades periféricas, também foi um modo encontrado de transferir para estas, o processo de super exploração da força de trabalho e garantir a recuperação das economias dos países centrais.

A transferência das indústrias, por um lado viabilizou o aumento da taxa de lucro das indústrias dos países centrais, considerando que os salários nas regiões periféricas são aviltantes, e a ela se soma a apropriação da mais valia relativa, como forma de garantir uma acumulação mais rápida para o capital em um período de tempo menor; e por outro lado, a competição entre os países mais ricos aliados, a necessidade de exploração dos recursos naturais das sociedades menos desenvolvidas para garantir o desenvolvimento de suas indústrias pagando baixos salários foi:

[...] um dos primeiros fatores que determinaram a exportação de indústrias para as periferias e o baixo nível salarial pago aos trabalhadores da região, além da ausência quase completa de uma legislação social que regule a exploração do capital sobre o trabalho. (VIZENTINI, 1992, p. 15).

Analisando as relações entre sociedades desenvolvidas e sociedades dependentes, os especialistas concluem ser problemática a transferência de tecnologia das primeiras para as segundas; a transferência é quase sempre de tecnologia obsoleta. Isto acarreta uma dificuldade para que essas concorram do

ponto de vista produtivo e do ponto de vista tecnológico, em função da competição desigual entre ambas.

A transferência das indústrias dos países desenvolvidos para os periféricos trouxe altos custos para os países periféricos, devido à necessidade de implantação de infra-estrutura como forma de atrair capitais externos para estes, o que foi, também, um fator decisivo para o aumento da dívida externa dos países dependentes.

Com a utilização da força de trabalho das sociedades periféricas, o movimento sindical dos países centrais tendeu a se desorganizar; e tendeu a voltar a se organizar quando os efeitos da crise se tornaram mais visíveis.

A guinada conservadora e inconteste com Margareth Thatcher na Inglaterra, Reagan nos EUA e na América Latina com os regimes de direita que se implantaram com as ditaduras da década de sessenta, contribuíram para a emergência da luta por democracia nas regiões periféricas, nas décadas seguintes. Mas a luta logo se fez acompanhar por planos de estabilidade econômica, exigindo para sua implantação extremos sacrifícios das classes dominadas dessas regiões.

Os países ricos, ao socializarem os prejuízos com os países pobres, trouxeram inúmeros problemas para estes, tendendo a agravar aqueles já existentes. A desigualdade tendeu a aprofundar a violência e a criminalidade:

[...] se algo ocorreu na última década como consequência da crise do capitalismo, não é outra coisa senão uma verdadeira redistribuição regressiva da renda em praticamente todos os países do ocidente; longe, pois, de ter havido um nivelamento das classes ou a redistribuição progressiva da riqueza. (CUEVA apud VIZENTINI, 1992, p. 18).

A onda conservadora dos anos 90, em decorrência da crise dos anos 80, não impediu que os movimentos sociais de um modo geral, tendessem a organizar-se ou reorganizassem nos países periféricos também. Porém, o processo de reorganização foi efêmero. A crise, ao mesmo tempo em que chama os movimentos sociais para uma ação organizada, também provoca a sua desorganização, pois o poder de barganha dos dominantes tende a aumentar, as condições econômicas e sociais das classes pobres se deterioram, desestimulando lutas mais duradouras.

A socialização dos prejuízos provocou diversos efeitos nos países na América Latina. Alguns países ensaiaram mudanças profundas em suas estruturas em consequência das explosões sociais e dos desacertos advindos da crise. A crise

atingiu até mesmo as instituições credoras. A política denominada de “ajuste” trouxe mais empobrecimento para os países periféricos, com a desorganização de suas estruturas econômicas, políticas e sociais. Em algumas sociedades são comuns os saques virem acompanhados de profunda violência com mortes etc.

Enquanto nos países centrais, a crise acarretou a redução do super consumo, nas periferias, o nível de reprodução da existência foi degradado. A crise trouxe o acirramento dos conflitos sociais. Os índices de violência no campo passaram a ser significativos devido ao violento processo de expropriação ‘sofrido’ pela população local, com a conivência dos Estados Nacionais.

O movimento reivindicatório restaurou de forma lenta e gradual a democracia nas sociedades latino-americanas (Argentina, Brasil, Uruguai, Chile e outros). Aos poucos às relações de poder começam a mudar e vão sendo substituídas por eleições indiretas ou diretas, com mudanças negociadas, com classes conservadoras ou mais democráticas.

A década de 80 com seus conflitos e tensões, impactou a década seguinte. Inúmeros fatores devem ser observados como forma de solucionar a crise; de um lado, as relações entre os países latino-americanos devem ser mantidas; de outro, a relação destes com os EUA e a garantia, na medida do possível, dos interesses dos países subalternizados.

Alternativas diversas foram aplicadas pelos países da América Latina, como o Pacto Amazônico (1978) e o MERCOSUL (1991). Ao mesmo tempo, a luta por democracia e a busca por um modelo de desenvolvimento econômico e social continuou, embora de modo contraditório em parte devido ao fato dos interesses também serem contraditórios. Para os EUA, a luta era pela reconstrução de sua hegemonia. Para a América Latina, a luta era evitar a super-exploração pelos países centrais, que estava em curso. Esse fenômeno acarretaria discordâncias ente os EUA e os países da América Latina: “[...] Falando EUA e a América Latina linguagens diferentes, aumentaram notavelmente as áreas de discordância entre as duas partes no decorrer dos anos 80” (MOURA, 1992, p. 131).

A socialização dos prejuízos dos países centrais com os países periféricos, a luta dos EUA pela hegemonia, o pagamento dos serviços da dívida externa, foram fatores que contribuíram para o acirramento dos conflitos entre os dois, devido às formas intolerantes de convivência deste (EUA), com as sociedades diferentes do ponto de vista econômico, político e social. Esse fenômeno caracteriza a

modernidade - sua dificuldade em conviver com o diferente, e que serve como pretexto para justificar a exclusão deste.

Na América Latina, as medidas para “sanar” a crise, a pressão dos movimentos sociais por redemocratização, as eleições indiretas para os cargos majoritários, posteriormente diretos, especificamente no Brasil, compuseram o cenário da luta por democracia no continente latino-americano.

No bojo da discussão sobre a solução para a crise que vivenciava o Estado brasileiro, surge como um passo de mágica, o neoliberalismo com a sua concepção de Estado mínimo, e a busca incessante de atrair capitais estrangeiros para as regiões periféricas, visando obter rendimentos mais lucrativos às suas economias.

Em nome do desenvolvimento, os países centrais reivindicam modelos econômicos livres da ação do Estado, alegando que os anteriormente adotados são anacrônicos. O Estado desenvolvimentista que vinha desde a segunda guerra devia ser substituído por um Estado com funções restritas, concedendo todo poder ao mercado, como sugere o credo neoliberal, conforme diz Gonçalves (1992):

[...] Segundo o modelo de desenvolvimento preconizado pelos países ricos, a estrutura estatal brasileira afigura-se anacrônica e inadequada às exigências da modernidade. Cumpre suprimir o papel do Estado como proprietário e gerenciador de atividades econômico- produtivas; mesmo aquelas que requerem investimentos além das possibilidades do capital local e que historicamente tem alavancados as fases de desenvolvimento. A minimização do Estado é assim recomendada como condição prévia indispensável para que a economia brasileira se torne atraente e sedutora aos olhos dos investidores estrangeiros. (GONÇALVES, 1992, p. l65).

Com o fim de inviabilizar outras formas de reprodução da existência, o neoliberalismo consegue se estabelecer como modelo, até certo ponto, único a ser seguido: “[...] Com o fim da alternativa ao capitalismo, o neoliberalismo passa a ser o modelo triunfante, único e “certo” (VIZENTINI, 1992, p. 229).

Entretanto, também o neoliberalismo não conseguiu ser uma alternativa devido ao seu excesso de individualismo e ao seu excesso de pretextos sem fundamentos sólidos para justificar a saída da crise, e devido à inconsistência de seus argumentos no que diz respeito ao fato da crise ter sido provocada pelos próprios países periféricos, pretextos que só serviram para aprofundar a crise e transformá-la em recessão, isto porque como a prioridade da política neoliberal era o pagamento da dívida externa, pouco ou nada sobrava para os investimentos. E os setores sociais foram os que mais padeceram com a falta de investimentos.

O neoliberalismo não trouxe o fim da história (Fukuyama), mas sim o efêmero, o transitório, a desesperança, a incerteza, ‘temperadas’ com crises sistemáticas de governabilidade por parte dos Estados nacionais.

Analisando o contexto da crise, algumas conclusões podem ser observadas: a crise é desigual. Para os grupos dominantes é o momento de super- exploração da força de trabalho como meio para garantir uma saída. Para os dominados pode representar o momento de ruptura com o processo de exploração, mas também pode levar ao processo de desorganização dos movimentos sociais, como aconteceu com a América Latina, e com a submissão desta, principalmente o Brasil, aos ditames das elites internacionais no que diz respeito à implantação dos Grandes Projetos especialmente na região Amazônica. Estes, do ponto de vista das populações locais da região foram desastrosos, com doses excessivas de sofrimento e desesperança, como mostraremos no capítulo 7.

CAPÍTULO 5. A AMAZÔNIA, PERÍODO IMPERIAL, REPUBLICANO E O