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CAPÍTULO 6. O PROJETO MODERNIZADOR DA AMAZÔNIA E BARBÁRIE

6.4. UM EXEMPLO DE POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA: o caso da SUDENE

SUDAM, não pode ser contada sem levar em consideração os movimentos reivindicatórios do Nordeste. A fundação da SUDENE vem acompanhada, por um lado, das lutas pela terra que os movimentos sociais da região vinham fazendo para garantir a reprodução da vida desde o início dos anos 50 e, de outro, o esforço do governo federal no sentido de conter os movimentos reivindicatórios na região. Tanto a luta pela terra como pela melhoria das condições de existência, contou com a influência de seus intelectuais orgânicos vinculados aos grupos subalternos, fenômeno forçado pela presente desses intelectuais em postos fundamentais da SUDENE desde a sua inauguração.

A gênese da SUDENE está vinculada à história do planejamento como forma de interferir na realidade econômica, política e social, e até certo ponto, do modo do Estado brasileiro enfrentar os conflitos sociais existentes na região. Com relação à realidade nordestina, tem sido comum desde o período da borracha, e principalmente desde 1950, a transferência da população local para a Amazônia como forma de esvaziar os conflitos sociais locais.

A região tem sido vista como problemática, como um fato preocupante para as autoridades nacionais e internacionais. Acomodar os conflitos nordestinos, deslocando sua população para a Amazônia tem sido comum nos momentos de crise. A transferência da força de trabalho local para a Amazônia já vinha acontecendo e continuou na década de setenta com a transferência de um grande número de migrantes para a Transamazônica, como forma de esvaziar os conflitos sociais daquela região.

Enquanto na Amazônia o projeto desenvolvimentista da ditadura militar é implantado de cima para baixo; no nordeste, a fundação da SUDENE tem sua inserção, até certo ponto ‘colada’ nos interesses locais. A implantação institucional vai se processar com apoio dos intelectuais orgânicos da região, ao contrário da Amazônia, onde o Estado brasileiro viu a força de trabalho local como inferior, como o outro, como bárbara (PONTE, 2003).

Em nenhum momento da história política institucional (SUDENE) houve mudanças nos rumos de sua política econômica. Na NR houve uma paralisia de suas atividades e posteriormente extinção, por motivos de ordem técnica, dizia o

discurso oficial. Já a extinção da SUDAM foi justificada, segundo discurso oficial, por motivo de corrupção.

Essa não só teve sua política alterada na década de 1960, como durante a implantação do projeto da ditadura militar voltando-se para atender os interesses das elites fora da região, da mesma forma como no momento de implantação dos Grandes Projetos. Os interesses locais não foram levados em consideração (COSTA, 1987). Não houve substituição de seu nome, como foi o caso da SPVEA, posteriormente SUDAM e ADA. Esse processo, até certo ponto, explica o papel concreto exercido por ambas. Embora ambas tenham adotado a política desenvolvimentista do Estado brasileiro, o fizeram de forma diferente.

A vinculação da Amazônia de modo sistemático ao capital internacional e nacional, por meio do projeto desenvolvimentista, foi o método encontrado pela ditadura militar de integrar a região, tendo em vista a nova divisão internacional do trabalho e, ao mesmo tempo, como forma de garantir o processo de apropriação de suas riquezas naturais pelos países hegemônicos.

No caso nordestino, o projeto está vinculado aos acontecimentos advindos, após a desaceleração da economia brasileira e a implantação da indústria pesada, dos movimentos chamados de reforma de base, como nos informa Guimarães Neto (1999):

[...] Concluída a fase expansiva do ciclo, na qual os segmentos mais importantes da indústria nacional haviam sido implantados, tem início uma etapa de desaceleração econômica e de intensificação do processo inflacionário, na qual emerge uma intensa mobilização política que tem como bandeira as chamadas reformas de base (agrária, urbana, bancária, educacional etc.). A questão regional, no caso nordestino vem associada, principalmente, à luta pela reforma agrária e tem como agentes principais as Ligas Camponesas, a ala progressista da Igreja Católica e os partidos de esquerda, notadamente o partido comunista. (GUIMARÃES NETO, 1999, p. 228)

O planejamento do Nordeste está vinculado ao processo de reivindicação das classes subalternas na região, à luta pela terra, pela ocupação de um espaço e de interesses contrários aos interesses das elites locais e nacionais. A implantação da SUDENE estava voltada, até certo ponto, para os interesses dos grupos subalternos desde a década de 50. A SUDAM, em substituição à SPVEA em 1966, teve a sua implantação de cima para baixo; não foi expressão dos grupos reivindicatórios como aconteceu com a SUDENE.

No caso da Amazônia, os interesses que estavam em discussão eram os do grande capital que necessitava de terras para implantar suas indústrias nas regiões periféricas, seguindo as orientações das instituições credoras internacionais e sempre esteve assentada nos interesses das elites vinculadas, principalmente, ao grande capital.

O planejamento elaborado pela SUDENE estava em sintonia com as pesquisas elaboradas por seus intelectuais orgânicos comandados por Celso Furtado (SUDENE). As histórias da SUDAM e da SUDENE são diferentes e com perspectivas diferentes. A SUDAM é implantada relacionada ao momento de divisão internacional do trabalho, com a montagem das fábricas dos países desenvolvidos em suas áreas “livres” para garantir o processo de acumulação da riqueza dos países hegemônicos ou em vias de se tornarem.

No modelo de desenvolvimento adotado pela SUDAM foi o da ditadura militar de 1964, os intelectuais da Região Amazônica, a força de trabalho era e ainda é hoje, concebida como incapaz. O seu contingente populacional diversificado (índios, negros, caboclos etc.) foi definido pelo conceito de “vazio demográfico”, definição aparentemente física da Região, mas carregada de um profundo conceito político de exclusão.

No caso da SUDENE, com a ditadura de 1964, seus rumos sofrem alterações, mas os seus movimentos reivindicatórios persistem. A forma de representação adotada pelo Estado ditatorial muda substancialmente sua composição e rumo, mas as reivindicações populares persistem. A invenção da Transamazônica foi a forma encontrada pelo Estado ditatorial de drenar a população nordestina e esvaziar o seu movimento reivindicatório, que vinha desde as Ligas Camponesas. A transferência desta população para a Amazônia foi o meio encontrado pela ditadura de despolitizar a ocupação da terra, transferindo para a Amazônia parte da população nordestina, procurando evitar futuros conflitos sociais.

A ditadura militar muda a pauta da SUDENE, ao retirar dela as reivindicações intoleráveis naquele momento, como a reforma agrária e outras. A aprovação dos projetos da instituição deixou de ser feita localmente e passou a sê-lo pelo Congresso Nacional. O planejamento regional deixa de ser o fundamento da política para a Região:

[...] O fortalecimento do Planejamento nacional que, em vários governos militares administrava fundos de grande significação para o funcionamento de obras de infra-estruturara e o fomento a atividade produtiva, ocorre com a fragmentação e a desarticulação do planejamento regional. (GUIMARÃES NETO, 1999, p. 236).

Com a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro da década de 80 pode ser observado um esvaziamento das políticas de incentivos fiscais, tanto para o Nordeste (SUDENE) quanto para o Norte (SUDAM), até o encerramento das duas instituições. As formas de intervenção do Estado nas duas regiões foram reduzidas no que diz respeito aos investimentos vinculados à política de incentivos fiscais: “[...] a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro a partir dos anos 80 reduz significativamente, as formas de intervenção governamental na região, tanto através do planejamento regional, quanto do nacional ou das setoriais que atuam no Nordeste” (GUIMARÃES NETO, 1999, p. 238).

No período de l970-1980, o Nordeste teve um crescimento econômico de 9,6 %. Entre 1980-1999 houve um decréscimo de 31% de suas atividades, e assim sucessivamente (GUIMARÃES NETO, 1999). Na Amazônia, no mesmo período, também houve um decréscimo de suas atividades.

No Nordeste, no I Plano de Desenvolvimento Regional (IPDR), em função das mudanças e reestruturação da economia regional em outros moldes, houve um descolamento do planejamento com relação aos objetivos anteriores, isto é, voltado para os interesses desenvolvimentistas da região: “[...] Perde o caráter reformista, consolida a proposta de modernização e ampliação da infra-estrutura econômica e viabiliza um elenco de estímulos fiscais e financeiros que privilegiam os empreendimentos de médio e grande porte que se implantam na região” (GUIMARÃES NETO, 1999, p. 241).

A Amazônia que havia tido uma experiência diversa da do Nordeste, com a implantação do projeto de desenvolvimento da ditadura militar, sem os movimentos sociais de base que caracterizaram a emergência da SUDENE, agora a partir do IPDA, tem as suas ações voltadas para os Grandes Projetos, que são altamente concentradores de renda.

Mas, no final, a política de incentivos fiscais no Nordeste como na Amazônia foi de postergação do social, mesmo na SUDENE que tinha emergido a partir dos movimentos sociais:

[...] a política de desenvolvimento regional, na prática, terminou sendo, sobretudo uma política estritamente econômica, sem uma correspondente ação governamental na dimensão social. A ênfase nos estímulos fiscais e financeiros, na ampliação da modernização da infra-estrutura de transporte e energia elétrica - que significou, sem dúvida, um tratamento prioritário ao Nordeste -, não correspondeu um tratamento diferencial para a região em relação à educação, saúde, saneamento básico e habitação. (GUIMARÃES NETO, 1999, p. 257).

CAPÍTULO 7. OS MEGA PROJETOS NA AMAZÔNIA E BARBÁRIE