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CAPÍTULO 6. O PROJETO MODERNIZADOR DA AMAZÔNIA E BARBÁRIE

6.1. A AMAZÕNIA, A CONSTITUIÇÃO DE 1946 E OS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO

A Constituição de 1946, de acordo com o Art. nº. 199, estabelece quotas para a Região Amazônica de 3% da Renda Tributária Nacional como forma de estabelecer ingerência sobre esta e garantir para a região uma política de desenvolvimento. No entanto, as quotas nunca vieram com a regularidade estabelecida por lei e, muitas vezes, a União se apropriava de recursos que deviam ser destinados à região.

Como forma de programar de forma efetiva a política desenvolvimentista, a partir da Constituição de 1946, o Governo Federal implanta a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), posteriormente SUDAM e a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA).

Com fundamento “voltado” para as questões vinculadas à pobreza da população da região, em 1953 foi elaborado pelo Governo um Plano Quinquenal, que jamais foi aprovado pelo Congresso Nacional, embora tenha, na prática, vigorado até a formulação do I Plano de Desenvolvimento da Amazônia (I PDA).

As alegações do Estado brasileiro para “transformar” a SPVEA em SUDAM eram várias: desde o conceito de “vazio “demográfico” até a falta de força de trabalho qualificada para produzir o desenvolvimento da região, discurso ainda hoje repetido por alguns analistas sobre a realidade amazônica:

[...] A Amazônia possuía um meio físico conhecido imperfeitamente e os estudos efetuados não possuíam um caráter sistemático. Sua heterogeneidade fisiográfica e o desenvolvimento científico da região, além da escassez de pessoal qualificado, dificultam a atuação global da SPVEA. (FERREIRA, 1999, p. 274).

O fracasso da SPVEA foi atribuído também a problemas de execução orçamentária. Vale lembrar que os Incentivos Fiscais, implantados no Nordeste por meio da SUDENE em 1961, foram estendidos para a Amazônia e especificamente para SPVEA, em 1963; e em 1966, com a fundação da SUDAM, os Incentivos Fiscais passam a ser incorporados à política de desenvolvimento regional.

O governo brasileiro, seguindo a política das instituições credoras internacionais, implanta os “Pólos de desenvolvimento” em 1967. O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND) (1972-1974) tinha como estratégia, argumentava o discurso oficial, integrar o Nordeste e a Amazônia por meio dos Pólos ao mercado e às sociedades nacionais.

O projeto desenvolvimentista na região, do ponto de vista teórico acena com o desenvolvimento econômico conduzindo ao social, mas do ponto de vista jurídico, ele exclui as populações subalternas da região dos benefícios das novas políticas, desde as primeiras fases do projeto, e a partir da década de 80 com a criação dos Pólos de Desenvolvimento da Amazônia (POLAMAZÔNIA) o processo se aprofunda e se estabiliza.

A implantação dos Pólos de Desenvolvimento representa a reprodução na Amazônia da política que o Estado vai adotar após 1983, e expressa as concepções contidas nos planos de estabilidade econômica, implantados com vistas a conter a crise e, ao mesmo tempo, atender os ditames das instituições credoras internacionais para as regiões periféricas, com vistas a gerar saldos que cobrissem as parcelas relativas à dívida externa (mas também a interna).

O I PND (1972-1974) expressa uma tentativa de integração da política regional aos parâmetros nacionais. O programa dos Pólos agropecuários e agro- minerais (POLAMAZÔNIA) instituído pelo Decreto nº 7.4067 de 29.10.1974, dispõe sobre a criação de quinze (15) Pólos de desenvolvimento (FERREIRA, 1999).

O II PND (1975-1979) correspondeu ao momento de implantação dos Grandes Projetos na região, com uma política concentradora de riqueza, provocando grandes conflitos agrários na Amazônia: “[...] A política de apoio ao pequeno colono é substituída pela grande fazenda latifundiária, que além de trazer dados irreversíveis no aspecto ecológico e ambiental, estimulou os conflitos, tensões, disputas e especulação fundiária” (FERREIRA, 1999, p. 296).

O III PND, em função da crise da década de 80, não consegue alcançar os objetivos propostos pelo governo; já em 1980, o governo demandou uma desvalorização do cruzeiro frente ao dólar no valor de 30%. O III PND é afetado pelos cortes nos financiamentos públicos. Com a crise há uma redução nos financiamentos públicos. As políticas públicas vinculadas aos incentivos fiscais foram atingidas pelos cortes. Esse fato agrava, substancialmente, o desempenho da

SUDAM e da SUDENE o que, acrescido às denúncias de corrupção no uso dos recursos incentivados leva as extinções de ambas na década de 90.

6.2. A AMAZÔNIA, O PROJETO DESENVOLVIMENTISTA DA NOVA REPÚBLICA E A BARBÁRIE

O discurso da modernidade é um discurso dissimulador, na medida em que para obtenção do consenso, ele inverte os conceitos que conduzem à ação. Fala de igualdade e reproduz a desigualdade, fala de liberdade, mas se impõe por meio de leis que, tratando de forma idêntica grupos diferentes e desiguais revelam um caráter pouco democrático. A liberdade na sociedade moderna só pode ser exercida pelos indivíduos que detiverem determinados predicados. A modernidade fala de fraternidade e reproduz a desunião entre os homens. Os chamados Direitos do Homem são direitos que, já criticava Marx (1991), no século XIX, só podem ser praticados individualmente, ou seja, a obtenção dos chamados direitos do homem só se torna possível aos possuidores de determinados predicados, por exemplo: ninguém pode exercer o direito de propriedade se não for proprietário etc.

. No século XIX, Marx (1991), ao analisar as relações de poder na Alemanha, chamava a atenção para a incoerência do discurso burguês do ponto de vista dos excluídos, quanto à obtenção dos chamados direitos humanos. Os direitos humanos são direitos que pregam a divisão entre os homens e não a união. No entanto, reconhece o autor, os direitos humanos representam uma conquista da humanidade. São direitos conquistados no decorrer do processo de luta das classes subalternas. Ainda no século XIX, a teoria marxista tenta romper com a dicotomia existente entre a teoria e a prática, propondo a liberdade real e a igualdade real.

Nos séculos XX e XXI, a luta dos grupos subalternos é no sentido de continuar rompendo com a dicotomia entre o discurso jurídico e o direito de fato, de continuar a luta pela inclusão dos excluídos de sempre.

No Brasil, especificamente na Amazônia, o discurso dissimulador tem fundamentado os diversos momentos da história desta, com os pretextos religiosos, étnicos, raciais, culturais etc. A população regional subalternizada tem sido tratada como exótica, incivilizada, inumana, como o outro dentro de seu próprio território.

Os diversos projetos de desenvolvimento implantados na Amazônia, especificamente a partir da década de sessenta tem expressado os interesses das

elites, universalizando ficticiamente seus interesses como de todos. No entanto, as camadas subalternas da população regional estão ausentes dos benefícios, principalmente no que diz respeito à legislação que versa sobre os incentivos fiscais e a propriedade da terra porque as exigências legais são tais que as camadas pobres não conseguem preencher os requisitos exigidos.

A dissimulação está presente por ser um discurso onde nem tudo pode ser dito, onde os termos ausentes garantem a sua suposta veracidade. Os relatórios sobre desenvolvimento para a Amazônia da NR – 1986-1989 (I PDA - NR) como não poderia deixar de ser, usam diversos artifícios para justificar os desacertos havidos no decorrer de sua implantação, conforme pode ser demonstrado nas análises de seus projetos que o integram.

Passados vinte anos da implantação do Projeto Desenvolvimentista do Estado ditatorial brasileiro na Amazônia – “Operação Amazônia’ - l966, o IPDA-NR (1986-1989) dissimula os desacertos trazidos por este para a região. Segundo o documento oficial (IPDA-NR), produzido pelas instituições responsáveis pelo planejamento e execução da política regional, o Estado brasileiro provocou desacertos com relação à política regional devido ao fato de desconhecer a realidade amazônica e nunca ter reconhecido a Amazônia como área preferencial para a implantação de um projeto de desenvolvimento nacional.

A NR, seguindo a visão conservadora, imposta pelos organismos credores internacionais, adotou como medida para conter a crise, o combate da inflação, a redução dos gastos públicos etc. Esses fatores conduziram e aprofundaram na Amazônia e no Nordeste mudanças nos rumos de suas políticas desenvolvimentistas que vinham desde a década de sessenta. Foi no contexto das mudanças havidas na política econômica para “solucionar” a crise que o Governo brasileiro optou por inserir nos planos para a região uma intensificação da exploração de seus recursos naturais.

O I PDA-NR, cujo cumprimento estava a cargo do Ministério do Interior e da SUDAM, teve um papel fundamental. Seu texto procura ‘exorcizar’ os projetos de desenvolvimento anteriores para Amazônia. Imputa aos dois órgãos a má execução da política regional; o IPDA-NR mais se assemelha a uma “prece de lamentações” em relação aos planos anteriores do que a uma proposta de política à região.

Os planos, projetos e programas do Governo Federal para a Amazônia trouxeram profundas alterações para a economia regional, sobretudo por serem

concentradores de renda e altamente danosos a natureza. Estas características redundam no inverso do tão propalado desenvolvimento econômico pretendido, arrastando em sua esteira o desenvolvimento social e a preservação da natureza.

Tudo, do ponto de vista das classes subalternizadas não passou de um plano elitista que visava precisamente a exploração de recursos naturais à exportação e, que trouxe danos significativos ao meio ambiente, conforme nos informa Ferreira (1999, p.304): “[...] Contudo, a integração não proporcionou os mesmos resultados no âmbito social em face de uma crescente concentração de renda, além de graves impactos ecológicos na execução de projetos agro-industriais, principalmente na Amazônia oriental”.

Os projetos de desenvolvimento da ditadura militar, como o da NR acentuaram a desigualdade regional de modo significativo, devido ao processo de expropriação provocado pela penetração do grande capital nas áreas que eram antes ocupadas pelas camadas subalternas, e que tinham uma produção que estava em concordância com a cultura regional no sentido da predominância no processo de produção de seus bens para reproduzir a vida, do valor de uso predominando sobre o de troca. Esse fenômeno será alterado com perdas significativas para os últimos, como os dados contidos nos capítulos seguintes podem demonstrar.

6.3. A AMAZÔNIA, O I PDA DA NOVA REPÚBLICA, DISSIMULAÇÃO E