• Nenhum resultado encontrado

6 DELINEAMENTO DA TRAJETÓRIA DO ESTUDO

6.2 Fundamentos e procedimentos metodológicos da pesquisa

6.2.3 A Análise de Conteúdo como técnica para análise de dados

Uma das fases mais importantes e cruciais de um estudo científico é a etapa da análise dos dados, pois é aí onde o(a) pesquisador(a) vai dar significado a todo o volume de dados que foi coletado, confrontando-o com o seu referencial teórico-metodológico. Entretanto, esse não é um trabalho fácil e há muitos pesquisadores iniciantes que não obtém êxito na tarefa, seja pela incapacidade na sistematização e bom emprego do método a priori adequado, ou ainda, pela adoção de um método não condizente com o que se quer extrair dos dados disponíveis. Segundo Alves-Mazzotti (2002, p. 170) a análise de dados é um

processo continuado em que se procura identificar dimensões, categorias, tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado. Este é um processo complexo, não-linear, que implica um trabalho de redução, organização e interpretação dos dados que se inicia já na fase exploratória e acompanha toda a investigação.

Existe na literatura uma multiplicidade de métodos e abordagens para análise de dados à nossa escolha. É necessário, entretanto, que essa escolha reflita a postura crítica e sistemática do(a) pesquisador(a), visto que cada abordagem trará resultados diferentes sobre o corpus do trabalho. Tendo em vista isso, é fato que nosso objeto poderia ser interpretado a partir de variadas metodologias, entretanto, a que mais se adequou aos objetivos deste estudo foi a Análise de Conteúdo na perspectiva de Laurence Bardin. Trata-se de um conjunto de

técnicas que se desenvolveu inicialmente nos Estados Unidos a partir da década de 40 do século passado, assim definida por Bardin (2010, p. 44):

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Na medida em que o suposto objeto de estudo da Análise de Conteúdo e da Linguística seja a linguagem, Bardin (2010) busca distinguir essas duas abordagens, explicando que, enquanto a última se debruça sobre o estudo da língua e suas regras de funcionamento, a análise de conteúdo tem a fala como objeto de estudo, buscando outras realidades por meio das mensagens das comunicações. A análise de conteúdo “procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça” (idem, p. 45). Bardin (2010, p. 43) defende que

a leitura efectuada pelo analista, do conteúdo das comunicações, não é, ou não é unicamente, uma leitura ‹‹à letra››, mas antes o realçar de um sentido que se encontra em segundo plano. Não se trata de atravessar significantes, para atingir significados, à semelhança da decifração normal, mas atingir através de significantes, ou de significados (manipulados), outros ‹‹significados›› de natureza psicológica, sociológica, política, histórica, etc. Nesse sentido, “qualquer comunicação, isto é, qualquer veículo de significados de um emissor para um receptor controlado ou não por este, deveria poder ser escrito, decifrado pelas técnicas de análise de conteúdo” (BARDIN, 2010, p. 34). Sendo assim, tudo o que é comunicação é susceptível ao nível da análise de conteúdo. Segundo Ferreira (2000, p. 13),

[...] essa técnica é utilizada quando se quer ir além dos significados, da leitura simples do real. Aplica-se a tudo que é dito em entrevistas ou depoimentos ou escrito em jornais, livros, textos ou panfletos, como também a imagens de filmes, desenhos, pinturas, cartazes, televisão e toda a comunicação não verbal: gestos, posturas, comportamentos e outras expressões culturais.

Bardin (2010) nos esclarece que os documentos aos quais a Análise de Conteúdo pode ser aplicada são classificados em dois tipos: os “suscitados pelas necessidades de estudo” (p. 41), ou seja, as respostas aos questionários e/ou entrevistas, os resultados dos testes, os relatos de campo, etc.; e os “documentos naturais, produzidos espontaneamente na realidade” (loc

cit.) que dizem respeito a todas às comunicações que o campo já apresenta. O Quadro 09 sistematiza, a partir da quantidade de pessoas implicadas e da natureza do código e suporte da mensagem, o vasto campo das comunicações passíveis de aplicação da Análise de Conteúdo.

Quadro 09 – Domínios possíveis da aplicação da Análise de Conteúdo Domínios possíveis da aplicação da Análise de Conteúdo

Código e suporte

Quantidade de pessoas implicadas na comunicação Uma pessoa

“monólogo”

Comunicação dual “diálogo”

Grupo restrito Comunicação de massa LINGUÍSTICO

Escrito Agendas, maus pen-

samentos, conge- minações, diários íntimos.

Cartas, respostas a questionários, a tes- tes projectivos, tra- balhos escolares. Ordens de serviço numa empresa, todas as comuni- cações escritas, trocadas dentro de um grupo.

Jornais, livros, anún- cios publicitários, cartazes, literatura, textos jurídicos, pan- fletos.

Oral Delírio do doente mental, sonhos. Entrevistas e conver- sações de qualquer espécie. Discussões, entre- vistas, conversa- ções de grupo de qualquer natureza. Exposições, discursos, rádio, televisão, ci- nema, publicidade, discos. ICÔNICO (sinais, grafismos, imagens, fotografias, filmes, etc.) Garatujas mais ou menos automáti- cas, grafitos, so- nhos.

Respostas aos testes projectivos, comuni- cação entre duas pessoas através da imagem.

Toda a comunicação icônica num pe- queno grupo (p. ex.: símbolos icô- nicos numa socie- dade secreta, numa casta...).

Sinais de trânsito, ci- nema, publicidade, pintura, cartazes, tele- visão.

OUTROS CÓDIGOS SEMIÓTICOS (i.e, tudo o que não sendo linguístico, pode ser portador de significações; ex.: música, código olfactivo, objetos diversos, compor- tamentos, espaço, tempo, sinais pato- lógicos, etc.)

Manifestações da doença mental, posturas, gestos, tiques, dança, co- leções de objec- tos.

Comunicação não verbal com destino a ou- trem (posturas, gestos, distância espacial, sinais olfactivos, manifestações emocionais, objectos quotidianos, vestuário, aloja- mento...), comportamentos diversos, tais como os ritos e as regras de cortesia.

Meio físico e simbólico: sinalização urbana, monumentos, arte...; mitos, estereótipos, instituições, elemen- tos de cultura.

Fonte: Bardin (2010, p. 35, grifos nossos).

Nesse contexto, ao situarmos os dados do nosso estudo nesse domínio, percebemos que o nosso corpus documental é classificado como documentos naturais de código linguístico e suporte escrito, oriundos tanto de um grupo restrito (documentos institucionais do HC-UFPE e da Ebserh) como da comunicação de massa (a Lei nº 12.550/2011, que cria a Ebserh); já o corpus das entrevistas em profundidade são classificadas como documentos suscitados pelo estudo, de código linguístico e suporte oral, mediante comunicação dual (diálogo).

Assim, por ser considerada um conjunto de técnicas, a Análise de Conteúdo admite diferentes possibilidades de análise: análise categorial, análise de avaliação, análise de

enunciação, análise da expressão, dentre outras (BARDIN, 2010). Para os objetivos desse estudo, optou-se pela análise categorial que, segundo Bardin (2010), é a mais utilizada e serve de base para que exponha em sua obra os três momentos da análise de conteúdo: (1) pré-análise, (2) exploração do material e (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

O primeiro momento – a pré-análise – é a fase da sistematização e organização do material a ser analisado (corpus da pesquisa). Segundo Bardin (2010, p. 121), esse momento “tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso de desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise”. Dessa forma, a pré-análise inclui: a escolha dos documentos, a transcrição das entrevistas e a leitura flutuante do material.

No segundo momento – a exploração do material – procede-se às operações de codificação, ou seja, o tratamento dos dados brutos, que culminará na escolha de categorias de análise. É considerada, portanto, a etapa mais exaustiva da análise. Essa fase pode ser didaticamente dividida em três passos: (1) escolha das unidades de registro e unidades de contexto; (2) escolha das regras de contagem; e (3) escolha das categorias.

A unidade de registro e a unidade de contexto estão intimamente ligadas. A unidade de registro refere-se ao conteúdo de base do significado que permitirá a enumeração e a categorização. Pode ser uma palavra, um tema, um objeto, um personagem, um acontecimento ou um documento. Como o tema é geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, esse será tomado como a base das nossas unidades de registro. Por seu turno, a unidade de contexto “corresponde ao segmento da mensagem, cujas dimensões (superiores às da unidade de registro) são óptimas para que se possa compreender a significação exacta da unidade de registro” (idem, p. 133), podendo se constituir numa frase ou num parágrafo.

A enumeração é o modo de contagem das unidades de registro. Ela pode se dar de diferentes formas: pela presença (ou ausência); pela frequência; pela frequência ponderada; pela intensidade; pela direção; pela ordem e/ou pela co-ocorrência. Optamos nesse estudo por enumerar nossas unidades de registro por duas dessas formas: a presença/ausência – pois revela um sentido, podendo traduzir uma vontade escondida nas declarações públicas; e a frequência – dado que a repetição da aparição de determinada unidade de registro pode revelar sua importância e priorização. Segundo Bardin (2010, p. 131), “fazer uma análise temática consiste em descobrir os ‹‹núcleos de sentido›› que compõem a comunicação e cuja presença, ou frequência de aparição podem significar alguma coisa para o objectivo analítico

escolhido”.

Por fim, temos o ponto crucial desse segundo momento na Análise de Conteúdo: a escolha das categorias, que consiste em classificar as unidades de registro por diferenciação reagrupando-as, em seguida, por analogia a partir dos critérios previamente estabelecidos (BARDIN, 2010). Segundo Oliveira, D., (2008, p. 572-573), “as categorias representam a reconstrução do discurso a partir de uma lógica impressa pelo pesquisador, portanto expressam uma intencionalidade de reapresentar o objeto de estudo, a partir de um olhar teórico específico”. Elas são fornecidas pela teoria que o pesquisador utiliza como base (ALVES-MAZZOTTI, 2002; BARDIN, 2010, LÜDKE; ANDRÉ, 1986) e também resultam do corpus suscitado pela pesquisa (BARDIN, 2010). Entendemos, portanto, que a escolha de categorias é um processo contínuo e não linear no decorrer da análise, exigindo do(a) pesquisador(a) uma atitude autônoma e crítica para revisitá-las e avaliar a necessidade ou não de criar outras.

Na visão de Bardin (2010, p. 57), “um conjunto de categorias é válido se puder ser aplicado com precisão ao conjunto da informação e se for produtivo no plano das inferências”. A autora explica que o critério de categorização pode ser semântico (quando se tratar de temas), sintático (os verbos e adjetivos), léxico (no caso de considerar o sentido das palavras) e expressivo (no caso das diversas perturbações da linguagem).

As categorias trabalhadas no momento da nossa análise emergiram, principalmente, do conteúdo manifesto e latente dos documentos escolhidos e das respostas das entrevistas, mas também foram fornecidas pela referencial teórico-analítico adotado. São elas:

 Autonomia Universitária

 Estrutura de Ensino

 Formação em Saúde no/para a Rede SUS

 Implementação da Política

 Integração Ensino-Serviço

 Práticas de Gestão

 Recepção da Política

No terceiro e último momento da análise de conteúdo – o tratamento dos resultados,

inferência e interpretação – é fase no qual são mobilizadas as operações lógicas do(a)

pesquisador(a) para interpretar e trazer sentido ao conjunto de categorias que se tem em mãos. É buscar saber mais sobre o texto e sobre o seu conteúdo manifesto e latente (BARDIN, 2010; OLIVEIRA, D., 2008).

No próximo capítulo, apresentaremos a análise dos dados levantados, buscando refletir sobre o ensino e sua gestão pela Ebserh, de modo a construir argumentos que contribuam para a compreensão dos efeitos da atuação da Empresa no contexto da prática do Hospital das Clínicas da UFPE.

7 A EBSERH E O ENSINO DE SAÚDE: ANÁLISE DOS EFEITOS DA