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3 O CASO ISRAELENSE-PALESTINO

3.3 EMOÇÕES EM CONFLITO

3.3.1 A análise de Bar-Tal

Conflitos continuados (também chamados de intratáveis, persistentes ou duradouros) são aqueles que se prolongam por mais de uma década e são caracterizados pela persistência e impermeabilidade à resolução, englobando diferentes questões como identidade, segurança e autodeterminação. O conflito israelense-palestino é um dos mais extensos no mundo atual, tendo moldado a vida de palestinos e israelenses por várias décadas (KHATIB; CANETTI; RUBIN, 2018, p. 376). Para Bar-Tal (1990), estes conflitos caracterizam-se pela manifestação de uma discrepância cognitiva, onde cada uma das partes descreve os mesmos eventos à sua maneira, fundamentada em um sistema de crenças próprio, que não corresponde àquele do lado oposto. Esta diferença envolve uma incompatibilidade das convicções a respeito de suas causas e possíveis soluções. "Tanto israelenses como palestinos acreditam que suas próprias crenças são 'verdadeiras' e 'objetivas' [...], enquanto as crenças do outro grupo são 'incorretas' ou 'distorcidas'".

Bar-Tal propõe uma reflexão, cuja preocupação central é saber se a aceitação de qualquer hipótese como crença é potencialmente revogável. "Isto é, os indivíduos podem se tornar conscientes de uma alternativa hipotética plausível à crença original, validá-la e aceitá- la no lugar da crença prévia, ou eles a 'congelam'". Kruglanski e Ajzen (1983 apud BAR-TAL, 1990, p. 12) sustentam que em um congelamento o indivíduo considera uma determinada crença como fato, e não gera hipóteses alternativas. Esta situação—apontam—pode ser consequência de uma incapacidade para produzir hipóteses alternativas, falta de informação, incapacidade de coletar informações ou de motivação. Bar-Tal, particularmente interessado na questão da motivação, diferencia aquela que pode estar ligada à validação da informação onde "os indivíduos temem se comprometer com possíveis crenças errôneas e, para evitar isto, estão abertos à consideração de múltiplas hipóteses alternativas antes de aceitar qualquer uma delas como válida", daquela vinculada ao desejo de conhecimento sobre um determinado tópico. "Sob a influência desta motivação, sujeitos se comprometem com uma crença e se abstêm do desafio crítico. [...] Nesta situação, a preferência do indivíduo é pela estrutura em oposição à ambiguidade, confusão e incerteza". Uma outra situação possível—acrescenta—é aquela vinculada ao desejo de manter uma crença dada como verdade e abster-se de entreter hipóteses alternativas rivais. Neste caso, "Hipóteses indesejáveis são rejeitadas, enquanto a desejada é aceita" (BAR-TAL, 1990, p. 8-12).

Voltando-se para o conflito israelense-palestino, elenca uma série de diferenças quanto à perspectiva e às demandas por parte de cada uma das duas sociedades, não sem antes ressaltar que "existem diferenças individuais dentre israelenses, bem como dentre palestinos, quanto ao conteúdo das crenças sobre o conflito e às suas motivações". Além disto, "a saliência e a centralidade das crenças, bem como os efeitos das necessidades subjacentes (desejos e medos), podem mudar com o tempo e a situação".

Cada lado tem sido seletivo na coleta de informações e tendencioso em sua interpretação. A motivação para uma conclusão específica indica que cada lado possui certas necessidades na forma de desejos e/ou medos que os motivam a manter suas crenças. Ou seja, a coleta e a interpretação de informações pelas duas partes são feitas à luz dos desejos e medos centrais que afetam a vida de cada uma delas (BAR-TAL, 1990, p. 13).

Assim, aponta como as necessidades mais evidentes da população judaica-israelense os medos da ameaça do antissemitismo e do holocausto, além das atitudes e comportamentos árabes e, como desejo, a existência de um Estado judeu.

A experiência antissemita tornou-se parte da herança judaica, cujo ressurgimento nos dias atuais é creditado, em grande parte, à questão da legitimidade da ideologia sionista e da existência do Estado de Israel. Desta maneira, a crença na hostilidade aos judeus está profundamente enraizada e congelada no sistema cognitivo israelense. As manifestações antissemitas nos países árabes após o estabelecimento do Estado de Israel levando à fuga de mais de meio milhão de judeus entre 1948 e 1967 são de especial relevância para a compreensão das crenças dos judeus israelenses que, sob esta perspectiva, veem os árabes de uma maneira geral, e os palestinos em particular, como uma continuidade desta linha de antissemitismo.

Segundo Bar-Tal, a extensão do trauma derivado da exterminação organizada de seis milhões de judeus—um terço da população judaica mundial—entre 1941 e 1945, deve ser compreendida no contexto da convicção de que o resto do mundo, e os aliados em particular, não se esforçaram o suficiente para salvá-los e impedir seu extermínio. Além disto, esta memória torna possível acreditar na reiterada ameaça árabe de sua aniquilação. Assim, as decisões políticas atuais são muitas vezes explicitamente relacionadas à lição aprendida do Holocausto. Determinados a não permitir que este se repita, a ideia de um Estado forte e seguro se mostra como a melhor salvaguarda contra a repetição deste evento. Para Elon (1971 apud BAR-TAL, 1990, p. 15) "a lembrança prolongada do Holocausto faz com que as ameaças árabes de aniquilação pareçam plausíveis". "Mas mesmo que não houvesse nenhum árabe, ou se por algum evento maravilhoso sua inimizade desaparecesse da noite para o dia"—comenta Bar- Tal—"o efeito persistente da lembrança traumática provavelmente seria quase tão acentuado quanto é hoje". O trauma do Holocausto deixa, assim, uma marca indelével na psicologia nacional, que se projeta no teor e conteúdo da vida pública e na condução das relações exteriores, na política, na educação, na literatura e nas artes.

A hostilidade dos Estados árabes, por sua vez, somada ao sonho palestino de retornar a Jafa, Ramle ou Acre144, e a contínuos ataques contra a população judaica, soam como ameaça para a maioria dos israelenses, que acreditam no desejo de aniquilação de Israel e o estabelecimento de um Estado palestino como seu objetivo final.

Finalmente, o desejo que une a grande maioria dos judeus em Israel e de outros países é o da existência de um Estado judeu, representado pelo movimento sionista. Neste sentido, desde o estabelecimento do Estado em 1948, judeus em Israel e no mundo têm estado em alerta para salvaguardá-lo, na crença de que sua segurança e até mesmo sua existência estão em constante perigo.

Já as necessidades dos palestinos dividem-se entre o medo da ameaça do expansionismo judaico e das atitudes e comportamentos israelenses, somados ao desejo de retorno à Palestina anterior à criação do Estado de Israel.

"Desde os primeiros dias da colonização judaica na Palestina, os árabes-palestinos se sentiram ameaçados pelo retorno dos judeus"—afirma Bar-Tal. As tentativas de compra de terras, seu posterior assentamento, e o objetivo de estabelecer uma pátria foram entendidas como expressão do expansionismo judaico. A expropriação de terras a partir de 1948, a desterritorialização de centenas de milhares de palestinos durante a Nakba e de outros 300.000 na guerra de 1967, somados à ocupação dos Territórios Palestinos e a expansão dos assentamentos na Cisjordânia e a Faixa de Gaza145 apenas reforçaram o temor de que o principal objetivo dos judeus israelenses seria de realizar o sonho sionista do estabelecimento de um Estado judeu dentro dos limites bíblicos.

Em paralelo, palestinos sentem-se ameaçados por atitudes e comportamentos de judeus israelenses, que creem expressar animosidade, preconceito e hostilidade, acreditando que, desde os primeiros encontros, judeus exibiram desrespeito, desprezo e superioridade em relação aos palestinos (SAID apud BARTAL, 1990, p. 18). De especial importância tem sido a contínua controvérsia dentre judeus sobre palestinos serem ou não uma nação, ou mesmo a respeito de sua existência. Após a Guerra dos Seis Dias, percebendo-se sob ocupação, palestinos acreditam que a anexação destas áreas é o objetivo final de judeus israelenses. Atos como confisco de terras, prisões em massa, imposição de toques de recolher, deportações, morte de civis, prisões, humilhação ou limitação de direitos civis, fazem com que os palestinos os compreendam como o reflexo das intenções por parte dos judeus israelenses.

O desejo dos palestinos de retorno à terra e estabelecimento de seu próprio Estado refletem as aspirações nacionalistas anteriores a 1948, e estão enraizadas no caráter específico dos árabes-palestinos como expressos em sua língua, cultura e antecedentes históricos (PERETZ, apud BAR-TAL, 1990, p. 19). Entretanto, ações políticas palestinas na década de 1990 demonstraram a disponibilidade para a aceitação do estabelecimento de um Estado somente na Cisjordânia e Faixa de Gaza, comprometendo as posições anteriores (BAR-TAL, 1990, p. 14-20).