4. A FEAST FOR CROWS
5.1 Instrumentos de coleta de dados
5.1.1 A análise de conteúdo
A autora do livro Análise de conteúdo e professora de psicologia da Universidade Paris V, Laurence Bardin (2009), define a análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de pesquisa que, através de uma descrição objetivada, sistematizada e quantitativa do conteúdo, tem por finalidade interpretar as comunicações. Para a investigadora, sua utilização é bastante ampla, podendo ser apropriada por psicólogos, psicanalistas, historiadores, políticos, jornalistas, entre outros. Na primeira parte, da já mencionada obra, um resgate histórico é realizado:
Descrever a história da análise de conteúdo é essencialmente referenciar as diligências que nos Estados Unidos marcaram o desenvolvimento de um instrumento de análise de comunicações, é seguir passo a passo o crescimento quantitativo e a diversificação qualitativa dos estudos empíricos apoiados na utilização de uma das técnicas
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classificadas sob a designação genérica de análise de conteúdo; é observar a posteriori os aperfeiçoamentos materiais e as aplicações abusivas de uma prática que funciona há mais de meio século (BARDIN, 2009, p.15).
A recuperação histórica segue para o que Bardin chama de segundo momento da técnica, quando começa a expansão de suas aplicações em disciplinas muito diversificadas, além do aparecimento de dúvidas e de novas respostas no plano metodológico. O apogeu de uma realidade de codificação imperiosa é atingido com Bernard Berelson, num período pós-guerra, marcado por bloqueios e desinteresse de “pesquisadores desiludidos”, segundo a autora. (BARDIN, 2009, p.21).
A terceira fase, pós década de 1970, é mais esperançosa e marcada pela proliferação dos computadores pessoais e experiências em inteligência artificial, além do interesse pela comunicação visual e da imprecisão dos trabalhos linguísticos. Diante desse contexto, as possibilidades informáticas aumentaram muito as aplicações da técnica, permitindo uma análise mais detalhada dos textos, no que diz respeito à mensuração.
Há, na análise de conteúdo, dois polos que se contrapõe ao mesmo tempo em que se complementam: a rigorosidade e a necessidade de ir além das aparências. Metodologicamente, também encontram-se duas orientações, a verificação prudente e a interpretação brilhante. Bardin (2009) acredita na existência de duas funções, uma heurística, que enriquece a tentativa exploratória e aumenta a propensão à descoberta; e outra de administração da prova, que cria hipóteses sob a forma de questões ou afirmativas que servem de diretrizes para uma comprovação.
A análise de conteúdo, em última instância, tem como objeto a palavra, no que se refere ao aspecto individual e atual da linguagem. Trabalha com comunicações, e é categorial-temática, objetivando uma manipulação das mensagens – conteúdo e expressão do mesmo – para encontrar os indicadores que possibilitem inferir sobre outra realidade que não a dessas mensagens.
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A partir desse entendimento, Bardin (2009) organiza a análise de conteúdo em três momentos principais: a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, inferência e a interpretação.
5.1.1.1 A pré-análise
Segundo Bardin (2009), a pré-análise é o momento de organização do material que vai constituir o corpus da investigação. Tem como objetivo operacionalizar e sistematizar as ideias iniciais e conduzir a um esquema preciso. É aqui onde é realizada a leitura flutuante e são definidas as regras para a constituição do corpus
A leitura flutuante consiste em tomar um contato exaustivo com o material para conhecer seu conteúdo. É a etapa de obter-se conhecimento. Através desse primeiro momento, surgirão as primeiras hipóteses – explicações antecipadas do fenômeno observado ou afirmações provisórias – e os objetivos do trabalho – é a finalidade maior da pesquisa, de acordo com o quadro teórico que embasa a investigação.
A constituição do corpus, ou escolha dos documentos, é a oportunidade de decidir que dados serão de fato analisados. O universo de dados pode ainda ser definido a priori e, em última instância, é um recorte do objeto. A sua constituição implica o estabelecimento de regras e seleções. Bardin (2009) elenca as principais:
Regra da exaustividade: uma vez definido o corpus é preciso levar em conta todos os elementos do mesmo. Ou seja, não se pode deixar de fora quaisquer elementos que não tenham sua exclusão justificada no plano do rigor.
Regra da representatividade: a análise pode usar de uma amostra para falar do todo, desde que seja representativa, pois irá generalizar o todo.
Regra da homogeneidade: os documentos analisados devem ser homogêneos, obedecendo os rigorosos critérios de escolha.
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Regra da pertinência: os documentos devem ainda ser adequados, enquanto fonte de informação, de modo que correspondam ao objetivo que suscita a análise.
Em um primeiro momento, a leitura flutuante mostrou pouca conversação entre os usuários nas redes sociais analisadas. A maioria das publicações eram reativas, não gerando respostas, ou mesmo criando uma discussão. Ademais, as postagens eram, majoritariamente, fora do horário de exibição do seriado, não configurando o conceito de Social TV, defendido por Mike Proulx e Stacey Shepatin (2012), por exemplo. Soma-se a isso, a escassa atividade por parte dos portugueses, com quantidades de posts nitidamente inferior aos brasileiros. Portanto, após realizar a leitura, o pesquisador estabeleceu como objetivo entender as diferenças e similitudes entre o comportamento, em Portugal e no Brasil, frente a Social TV, além de uma maior discussão sobre tal fenômeno, na tentativa de perceber como acontece a interação.
A delimitação do corpus foi feita de duas maneiras distintas, uma para o ambiente do Twitter e outra para o do Facebook, através do mesmo objeto, os dez episódios da quinta temporada de Game of Thrones que foi exibida durante o ano de 2015. A busca no microblog foi feita pelas hashtags “#domingot” “#GOT” e “#GameOfThrones” e limitou como locais de publicação Brasil e Portugal, no intervalo de 24 horas a partir do começo da exibição do episódio, que aconteceu no domingo à noite, no Brasil, e segunda-feira à noite, em Portugal.
No Facebook, como há impossibilidade na realização de uma pesquisa por temas ou palavras-chave, foi feita uma análise dos comentários e curtidas nas postagens realizadas pelas páginas HBO Game of Thrones BR e SYFY (Portugal). Somente fez parte do corpus os comentários e os posts realizados também no período de 24 horas após o início dos episódios.
5.1.1.2 A exploração do material
É a etapa que demanda mais tempo, segundo Bardin (2009), pois é aqui, que os resultados da pré-análise serão explorados. É o momento da codificação,
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em que os dados brutos são organizados e agregados em unidades. Nessa fase é feita a referenciação dos índices e elaboração dos indicadores que, como próprio nome já alerta, é onde são escolhidos os índices, ou seja, os temas que aparecem com muita frequência e as unidades de registro.
O tema de registro é a unidade de significação a ser codificada. Pode ser uma palavra, uma frase ou um tema. Recorta-se o texto em função dessa unidade de registro. Já a escolha de categorias é a forma como a maioria dos procedimentos de análise qualitativa organiza-se. A categoria é um conceito, é uma síntese da realidade e são elas que organizam as unidades de registro em torno de características comuns.
5.1.1.3 O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação
Segundo Bardin (2009), nessa etapa, os dados brutos são tratados de modo a tornarem-se significativos e válidos. A autora exemplifica que operações estatísticas podem auxiliar a desvelar os resultados da análise. De posse desse conteúdo, o analista poderá, então, propor as inferências e adiantar as interpretações, com base nos objetivos propostos anteriormente. Tal ato pode desencobrir, ainda, fatos inesperados, levando a outra análise de conteúdo.
Durante a interpretação dos dados é preciso voltar atentamente a fundamentação teórica previamente construída, pois é ela que fornece o embasamento e as perspectivas significativas para a investigação. É essa relação entre os dados, e o aporte teórico, que dá sentido à interpretação dos dados.
Por fim, as interpretações – que levam às inferências – serão sempre no sentido de buscar entender o que se esconde sob a aparente realidade, o que significa o discurso em profundidade, o que ele fala para além das aparências. A partir, então, da passagem por essas três etapas, a pesquisa espera atingir seus objetivos e ratificar – ou mesmo negar – suas hipóteses, além de acrescentar novos dados à pesquisa em comunicação.
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